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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Finalidade do Poder Público e teleologia política


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
 

            A teoria finalista nos apresenta os fins do Estado de forma diversificada: manutenção do poder; segurança pública; preservação da liberdade individual; coesão social; pacificação social; ordem e progresso; governo independente; estabilidade social e econômica; promoção da dignidade da pessoa humana; capacidade de organização; unidade política e ordem jurídica estável. A finalidade do Estado que se entendia restrita à segurança pública foi totalmente modificada e substituída política e juridicamente pela chamada Defesa Social – e isto inclui a convivência social acima da proteção do Estado[2].

Na antiguidade clássica, sob uma determinada Filosofia do Estado, a finalidade do Estado era traçada em termos de um ideal político. Para Aristóteles, o Estado se definia como uma “multidão de partes ou a “universalidade dos cidadãos”: “Portanto, o que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria” (Aristóteles, 1991, p. 36 – grifos nossos). Para Aristóteles, a finalidade do Estado não era a perseguição política, mas sim a Pólis: o Estado também não tinha o sentido de status ou poder estável, como em Maquiavel. Pode-se dizer, metaforicamente, que Aristóteles já se indagava sobre a Razão de Estado, ao diferenciar o Chefe da República do chefe de família — organizar o Estado não era o mesmo que cuidar de uma família numerosa. O grego vivia a totalidade de sua Cidade-Estado, pois fora dos limites geográficos, físicos de seu Estado já não seria cidadão. Portanto, na antiguidade, o território era contínuo e contíguo ao direito de pertencimento ao Estado, onde terminava o território terminava a soberania e a cidadania (vale dizer, fora daí não havia direito). Ou seja, o território deveria ter uma contiguidade em termos de espaço físico, não se admitindo por falta de lógica que o Estado terminasse aqui, para continuar ali. No passado remoto e no presente, entretanto, o Bem Público seria sempre o objetivo do Estado. Excluindo-se a interpretação marxista, de que o Estado atende a interesses de classe e se preta à opressão social, o Bem Público é tido como objetivo fixo pela teoria finalista.

Entre meios e fins

            Em todo caso, politicamente, cabe indagar, o Estado é um meio ou fim em si mesmo? O Estado serve à paz social ou só atua para preservar a propriedade privada? O homem serve-se do Estado, para sua segurança, ou o homem serve à Razão de Estado?

            Juridicamente, “o Estado tem fins, não é um fim” (Azambuja, 2001, p. 122 – grifos nossos). Esta compreensão é fundamental para se saber que o benefício público pode ter no Estado um meio ou recurso valioso para sua operacionalidade, mas este pensamento não autoriza uma idolatria, uma estatolatria (ainda que esta também seja uma concepção estatal bastante arraigada na traição da Teoria Política).

A finalidade do Estado é uma constante, não se modifica abruptamente – há muito mais permanência do que mudança em suas atribuições –; o que se modifica mais rapidamente é sua competência, como espécie de atividade, os meios empregados e os objetos tomados para este fim. Portanto, a competência é a atividade do Estado que se reflete como exercício do poder e tendente a executar o Bem Público[3]. Para este fim, deve o Estado utilizar da prestação de certos serviços públicos e assim é de sua competência mobilizar ações para alcançar os fins de interesse comum. O Bem Público há que se entender como missão do Estado, mas é tarefa de todo indivíduo, como obrigação moral e política. Seja como obrigação negativa (de não-fazer), de não-substituir ou prejudicar o direito individual, seja como obrigação positiva (de fazer) e consolidar os direitos sociais, o Estado deve expressar com clareza a finalidade maior de sua administração. Em boa medida, equacionar os conflitos de interesse determina alcançar ou não esta finalidade. Interna e externamente, estão em choque elementos materiais e morais na determinação da finalidade do Estado, como a segurança pública frente à liberdade, e a prosperidade econômica frente à preservação ambiental. A finalidade poderia ser reduzida como em nossa bandeira nacional: “Tal é sua dupla função: 1º Proteção: é a função de justiça de que é o guardião: Custos justi; é missão tutelar. 2º Assistência: é a função de utilidade pública, sua missão civilizadora” (Azambuja, 2001, p. 127).

Já quando se interpreta a Finalidade do Estado, como competência, resta a questão – O que fazer? Para a teoria absenteísta, o Estado Gendarme não-deve fazer, deve deixar o máximo de espaço aos indivíduos. Na concepção socialista, o Bem Público está em defender o indivíduo da sanha do capital, dever-de-se-fazer às vezes do cidadão indefeso. Para a teoria eclética do Bem Público, trata-se de ensinar e ajudar a fazer. Neste sentido, o Estado teria uma competência supletiva. Por isso, o Estado nunca deve suprimir o direito individual, para definir o Bem Público, mas suprir as necessidades mais gerais e deslegitimar, em compensação, as regras do egoísmo, do individualismo exacerbado e do consumismo.

O governo realiza a soberania

            Ao contrário da soberania, alguns autores preferem nomear o governo como elemento de formação do Estado. Neste caso, a finalidade, o fim comum, o elemento espiritual de formação do Estado é de ordem teleológica. O governo é o elemento diretor, como aparelho de mando e de coerção mantido pelo Estado. Para Pedro Calmon – citado por Menezes (1998) – metafisicamente, governo é a vontade de realizar os fins do Estado e, positivamente, é o conjunto de instituições que permitem a governança. Sob o controle do direito, o governo exercita a soberania do Estado. O governo resulta de uma quotização de vontades. Se, inicialmente, o governo decorria do instinto, hoje é fruto do instituto da razão que move o direito; atuando como “investidura num mandato” ou “representação de conteúdo legal”. Como órgão de autoridade, o governo revela a soberania do Estado. Por isso, o governo independente é a expressão diretora que se impõe soberanamente. 

Objetivos materiais e morais do Estado

Para alguns Estados, o objetivo fundamental é garantir a sobrevivência e por isso admite-se que seja absorvido por outro que lhe é muito superior (Porto Rico); para outros, trata-se da luta pela descolonização a tarefa precípua do Estado frente a seu povo (Timor Leste).

No âmbito do Estado Moderno, sobretudo contemporaneamente, não há necessidade de que o território seja contínuo para ser considerado como um “todo” que faz parte do Estado: são exemplos de descontinuidade Alaska, Hawaí[4], Ilhas Malvinas[5], Porto Rico[6]. De todo modo, o reconhecimento se torna um elemento constitutivo e de legitimação da soberania sobre o poder de império exercido em seu território, como no caso de Timor Leste[7]e da Palestina[8]. No caso de Timor Leste, o objetivo ou finalidade da constituição daquele determinado Estado era a descolonização e a proclamação de sua independência política. A independência e a descolonização são parte constitutiva das finalidades do Estado que se quer erigir por uma razão clara, porque sem a libertação do povo não há autonomia, quanto mais soberania. O que reforça, uma vez mais, a necessidade de se pontuar a finalidade como componente do Estado[9].

Historicamente, o fortalecimento do Estado como recurso de direito (como atividade humana racional que não promulga o Mal), e não só de poder, foi possível apenas com a determinação de certos objetivos éticos; em suma, a promoção da vida humana (e social) com dignidade. Por sua vez, este preceito ético – lógico (uma vez que não poderíamos criar algo tão forte para o nosso Mal) – não se confunde com a objetivação de algum tipo de Estado Ético: “Somente no e por meio do Estado o homem poderá se realizar, o que, então, deve ser entendido como fim precípuo do Estado” (Doehring, 2008, p. 144 – grifos nossos). Aliás, esta conjugação de poder acabou por se revelar como antidireito – e como antidireito não poderia justificar ou legitimar o Estado[10].

Para Maquiavel, o fato mais notório referente ao Poder Político, como dominação, é o fato de que a Razão de Estado está baseada no poder predominante, com um sentido de unidade e de permanência das instituições (um sentimento popular de pertencimento) como segurança à própria conquista e manutenção do poder centralizado. Portanto, não foi por acaso que Maquiavel retomava a Roma como exemplar: um Império de mil anos. Este poder deve ser soberano. Nesta lógica pagã que justifica e estabelece os fins do Estado, pode-se usar da força, da violência, mas não quebrar o contrato firmado com os súditos: “O príncipe pode/deve ser violento, mas não deve fraudar suas próprias leis” (Maquiavel, 1979).

Com Cícero, elevando-se o Estado à condição de idealidade presente no espírito público, os fundamentos da República estão no consentimento jurídico e na utilidade comum:

  1. Para governar, é preciso estudar sem descanso, trabalhar sem trégua, ser um espelho aberto.
  2. A República é uma sociedade de homens formada pelo império do direito (Cícero, s/d).

 

Desse modo, a razão aplicada à política levaria à condição de que o fim do Estado é a justiça. Para Marsílio de Pádua, o Estado deveria propugnar pela paz mundial. Porém, se o “homem é lobo do homem” (Hobbes), o Estado deve ser organizado como técnica de poder que domine os anseios egocêntricos. Para Locke, o Estado seria necessário para se superar a condição primitiva e para garantir a fruição dos direitos individuais. Com Montesquieu, a divisão dos poderes surge como recurso de limitação à própria concentração do poder. Em Rousseau, o ideal presente na prescrição da finalidade do Estado é garantir a liberdade no interior da coletividade: o objetivo do Estado é assegurar a “vontade geral”. Para Kant, o Estado deve defender a liberdade, mas sob firmes mandamentos/fundamentos morais, observando-se uma consonância entre liberdade e subordinação. Os fins do Estado devem ser imperativos e categóricos. Para algumas correntes do pensamento socialista/marxista, o ethos do Estado atual está em subordinar o interesse privado ao interesse público (Doehring, 2008).

Em termos nacionais, basta-nos pensar no fim proposto pela ditadura militar de 1964 e no Estado Democrático de Direito, entreaberto com a CF/88. De lá para cá, a sociedade assegurou-se direitos e instrumentos eficazes para se defender do Estado, a começar pela definição democrática dos fins do Estado brasileiro. A doutrina brasileira, em geral, desde seus momentos iniciais, até os mais contemporâneos, associa a finalidade à concepção contratualista na origem dos pressupostos do Estado. A finalidade decorreria da aprovação popular, direta ou indiretamente (pela aceitação resignada), consciente ou não, com maior ou menor acompanhamento ou manipulação política e engajamento popular nos principais debates públicos (Júnior, 2011).

A finalidade constitucional

Os primeiros direitos humanos tinham natureza negativa (Habeas corpus), ou seja, constituíam na obrigação do Estado de não-fazer ou deixar de cometer o arbítrio (Tavares, 2007). Neste sentido, uma finalidade do Estado – como obrigação positiva, de fazer – é criar meios para a construção da sociedade justa. Inicialmente, os objetivos do Estado eram de se coibir ações autoritárias do Estado. Para Loewenstein, citado por Tavares, a própria divisão dos poderes deveria ser revista, substituída por novas atribuições propriamente políticas, estatais: 1. A decisão política conformadora ou fundamental; 2. A execução desta decisão política; 3. O controle político. O que certamente imporia nova orientação aos objetivos estatais destilados na Carta Constitucional.

A Constituição deriva a Teoria do Estado, define e articula os preceitos e as finalidades do Estado; por isso, pela Constituição desfila a essência política do Estado: “O objeto da Constituição consiste na estrutura fundamental do Estado e da sociedade” (Moraes, 2003, p. 68). Nesta sequência, a definição ou restrição jurídica do tema, sobretudo no que se aplica ao direito brasileiro, consta da previsão constitucional:

Art. 3ºConstituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Para o constituinte brasileiro, as finalidades do Estado coincidem com seus objetivos. O artigo 3º da CF/88 confirma as chamadas “proclamações emblemáticas”, com evidente valor literário (libertário) e simbólico, no mesmo sentido que já vinha expresso no preâmbulo. Na utopia do art. 3º está enraizada uma “consciência do amanhã”, como dialética entre a crítica do presente e a proposição do futuro. Propõem-se uma consciência emancipadora. Nesta utopia do possível está clara a intenção do constituinte em asseverar pela construção de uma sociedade mais justa; há no texto constitucional uma proposição sociológica como “pensamento político dinâmico”. O aplicador da lei constitucional deve ter uma atuação concreta na realidade. Uma vez estabelecida a superioridade hierárquica dos objetivos do Estado brasileiro no texto legal, evita-se qualquer conflito entre a lei e o justo. Neste afã, os objetivos fundamentais são enunciados de forma objetiva (construir, garantir, erradicar, reduzir, promover). Ademais, nos títulos VII e VIII – ordem econômica e social – estão previstos os meios e instrumentos de realização dos objetivos do Estado (Carvalho, 2009).

Entretanto, no exemplo da Constituição Portuguesa, que serviu de lastro para a CF/88, o rol de tarefas precípuas ou finalidades previstas ao Poder Público é mais amplo (Artigo 9.º):

a)Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;

b)Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;

c)Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;

d)Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

e)Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

f)Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;

g)Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

h)Promover a igualdade entre homens e mulheres.

 

Os manuais portugueses trazem a recomendação de separarmos os fins de Estado entre tarefa e atividade: “Enquanto tarefa encontramos a sua consagração constitucional no disposto no artigo 9.º da CRP, que se refere às principais tarefas do Estado Português [...] Enquanto atividade, as funções do Estado podem definir-se como um conjunto de atos destinados à prossecução de um fim comum ou semelhante” (Fontes, 2009, p. 30-31).

Muito antes disso, entretanto, o bem comum como bem público já fora anunciado. Na percepção religiosa, mas vocacionada para o infinito social é clara a orientação provinda da ética social como compromisso com a coisa pública. Isto é, a finalidade do bem comum coincide com os objetivos do Estado Republicano:

Hoje em dia se crê que o bem comum consiste sobretudo no respeito aos direitos e deveres da pessoa humana. Oriente-se, pois, o empenho dos poderes públicos sobretudo no sentido de que esses direitos sejam reconhecidos, respeitados, harmonizados, tutelados e promovidos, tornando-se assim mais fácil o cumprimento dos respectivos deveres. A função primordial de qualquer poder público é defender os direitos invioláveis da pessoa e tornar mais viável o cumprimento dos seus deveres. Por isso mesmo, se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas injunções perdem a força de obrigação em consciência (Bombo, 1993, p. 33 – grifos nossos).

 

A Encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, também é definida como a Encíclica da Paz. Por outro lado, definindo-se o Estado como capacidade política organizada para o exercício do governo, apesar das dificuldades já apontadas por Reale (2000), cabe ressaltar que a finalidade precípua do governo é “assumir” o desenvolvimento nacional através da intervenção econômica (que pode ter como finalidade o bem estar social). Finalizando, tudo o que não é Estado, mas que se configura como agente político, é da ordem da socialmente civil. Desse modo, a legitimação decorre do sentido atribuído ao próprio Estado; quando se harmonizam o poder do Estado com a finalidade do Estado.

Diante da dificuldade de se definir o que é paz social ou até onde este objetivo deve se curvar à sobrevivência objetiva do Poder Político acabou por restringir o alcance dessa concepção. Por isso, para muitos, a principal finalidade do Estado é a pacificação social a fim de se assegurar a Razão de Estado como última instância ou reserva de poder. Isto é, a única finalidade em comum a todos os Estados seria unicamente a manutenção do poder. O que ainda não corresponde à plena verdade, se pensarmos nos protetorados em que há divisão do poder ou governos de soberania conjunta (na formação do Congo, por exemplo) e/ou na aquisição de porções territoriais e abdicação integral da soberania, como é o caso de Porto Rico, inserindo-se como Estado-membro dos EUA.

A finalidade do Estado é a Ordem Jurídica

            Por essas razões publicistas, para o Estado Moderno em sua fase atual, mas desde o fim da Segunda Guerra Mundial, estabelecer uma ordem jurídica democrática eimpenetrável ao uso/abusivo do poder de exceção passou a ser uma fixação constitucional. Todavia, além de suplantar a tese de “ordem e progresso”, como finalidade estatal, a questão passaria a definir o que se entende pela ordem jurídica como finalidade do Estado.

Neste âmbito, a cultura e a política tornam-se instituições públicas, mas essencialmente como vivência pública, no sentido de que passa a haver um controle popular, além do domínio político-institucional dos aparelhos ideológicos e repressores do Estado. Na modernidade clássica, do Estado Moderno até fins do Estado Social nas décadas de 60-70, o Estado de Direito transbordou de princípios e de valores (Canotilho, 1999). Porém, mesmo com esse transbordamento de princípios humanizantes, o direito público não se desapegou do privatismo que tem por base o direito à propriedade. Portanto, nem mesmo o chamado Welfare State foi capaz de bloquear o privado em razão do público — ao contrário, estimulou-o:

A Lei Fundamental[11]contém, em primeiro lugar, condições para a efetividade real de importantes institutos jurídico-privados e os protege de uma supressão ou de um esvaziamento por meio da própria lei, oferece assim um seguro aos fundamentos do Direito Privado que, por si mesmo, não poderia produzir, de atualidade por exemplo às garantias do matrimônio e da propriedade [...] produz assim uma certa concordância objetiva entre a ordem do Estado social de Direito e o conteúdo do ordenamento jurídico-privado [...] A liberdade privada da pessoa [...] é requisito para as decisões responsáveis [...] Na autodeterminação e na própria responsabilidade se manifesta em parte essencial o tipo de pessoa de que parte a Lei Fundamental e do que depende a ordem constitucional [...] O Homem como pessoa livre, autodeterminada e responsável só pode existir onde o ordenamento jurídico abre possibilidades para a autonomia do pensamento e de ação (Hesse, 2001, pp. 83-87 – grifos nossos).

 

Mas, persiste a questão de se saber com mais clareza de que indivíduo está se falando — se mais público ou mais privado:

Só em homens que pensam, julgam e atuam por si mesmos descansa o potencial de novas ideias, concepções e iniciativas irrenunciáveis para a comunidade, sem as quais esta com o tempo haverá de se empobrecer, se não fossilizar-se, cultural, econômica e politicamente, e das quais dependerá de forma crescente em um tempo de trocas fundamentais como é o nosso (Hesse, 2001, p. 88).

 

Assim, depois de sofrer uma restrição jurídica aos caprichos do Poder Político, concluindo-se essa transformação na tese do Bem Público, agora, politicamente, legitima-se o mecanismo instrumental autotransformador do Estado Moderno (Kliksberg, 1993, pp. 76-77 – grifos nossos).Quando as bases sociais se desestruturam, também revelam as evidências de problemas emocionais e de condutas antissociais. Precisamos recuperar a ética e relacioná-la com a economia, nessa visão abrangente do direito ao desenvolvimento humano. Foi com esta perspectiva que a ordem jurídica como defesa da unidade política foi elevada à condição de tarefa do Estado.

            Todo Estado define objetivamente e põe em prática os fins a que aludiu em sua organização política e constitucional. No entanto, podem estar evidentemente em conflito com os “fins subjetivos” indicados por seus cidadãos. Desse modo, o Estado tem uma função objetiva e isto congrega uma função social, como ação social objetiva: “o Estado não é possível sem uma atividade conscientemente dirigida a um fim, a partir de certos homens em seu interior. Os fins estabelecidos por esses homens atuam causalmente sobre outros homens como elementos indutores de sua vontade” (Heller, 1998, p. 258). O Estado existe unicamente em seus efeitos. O poder não é, pois, o fim do Estado.

Portanto, a função (como finalidade) do Estado consiste na organização social-territorial fundada na necessidade histórica de um status vivendi comum, que harmonize todas as oposições de interesses dentro de um território, e que seja limitado em soberania pela existência de outros Estados de natureza semelhante. A finalidade do Estado Democrático, enfim, é garantir a liberdade material como recurso da Justiça Social.

 

Bibliografia

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo : Martins Fontes, 2001.

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41ª ed. São Paulo : Globo, 2001.

BOMBO, F. Constantino (Org.). Encíclicas e Documentos Sociais. São Paulo: LTR, 1993. v. 2. (Do Documento Sinodal A Justiça no Mundo à Centesimus Annus, incluindo a Pacem in Terris de João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Santa Sé e CNBB).

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Edição. Lisboa-Portugal : Almedina, s/d.

CARVALHO, Kildare Gonçalvez. Direito Constitucional. 15 ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2009.

CÍCERO, Marco Túlio. Da República. 5ª ed. Rio de Janeiro : Ediouro Publicações, s/d.

DOEHRING, Karl. Teoria do Estado. Belo Horizonte : Del Rey, 2008.

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HELLER, Hermann. Teoría del Estado. 2ª ed. México : Fondo de Cultura Económica, 1998.

HESSE, Konrad. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Tradução publicada pelo Departamento da Imprensa e Informação do Governo da República Federal da Alemanha, 1998.

_____ Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madri : Civitas Ediciones, 2001.

KLIKSBERG, Bernardo. Cómo transformar al Estado? Más Allá de mitos y dogmas. México : Fondo de Cultura Económica, 1993.

JÚNIOR, Hélcio de A. Dallari. Teoria Geral do Estado Contemporâneo. São Paulo : Rideel, 2011.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe - Maquiavel: curso de introdução à ciência política. Brasília-DF : Editora da Universidade de Brasília, 1979.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.

MENEZES, Aderson. Teoria Geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2003.

REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo : Saraiva, 2007.

 



[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.

[2]  Ultrapassando, evidentemente, o próprio objeto da Lei de Segurança Nacional.

[3]A rigor, nem mesmo o Estado mais autocrático e injusto dirá que seu objetivo não é o Bem Público.

[4]Em 1894 o arquipélago do Hawaí tornou-se República, mas em 1898 foi invadido militarmente pelos EUA e em 1990 foi anexado como território em definitivo.

[5]Em 1765 o britânico John Byron firmou uma base em Egmont (Malvina/Falkland Ocidental). Em 1833 a fragata britânica HMS Clio retomaria a posse das ilhas. A colonizaçao das ilhas se daria com escoceses, galeses e irlandeses. Em 1982, o governo argentino requereu militarmente a retomada do território, na Guerra das Malvinas.

[6]Em 1917, os porto-riquenhos se tornaram cidadãos americanos. Porto Rico é parte integrante do território dos EUA, o 51º Estado, e não tem personalidade jurídica. O território foi conquistado em 1493 pela Espanha e em 1898 foi cedido aos EUA. Sob o status de Estado Livre Associado, a partir de 2012, por meio de um referendo, Porto Rico tornou-se parte integral do território dos Estados Unidos.

[7]Em 1945 a administração portuguesa foi retomada em Timor. Pela Resolução 1514 (XV), de 1960, a ONU considerou o Timor Português como território não-autônomo e assim foi mantido sob administração Portuguesa. Porém, em 1975 o Timor-Leste foi ocupado por forças militares da Indonésia. Já em 1999, os timorenses votaram pela independência, no entanto, o resultado do referendo gerou outros conflitos. Esse confronto só foi resolvido com a Missão das Nações Unidas de Apoio no Timor-Leste. Por fim, em 2002 a independência de Timor-Leste foi restaurada e se formou o primeiro Governo Constitucional de Timor-Leste.

[8]O Estado da Palestina foi proclamado em 1988, sob o comando de Yasser Arafat, e atualmente é reconhecido como Estado Soberano por mais: o que reforça a teoria do reconhecimento. Os palestinos controlam apenas a Faixa de Gaza e reivindicam a soberania territorial. Em 2012, a ONU atribui-lhe o estatuto de Estado Observador não-Membro. A resolução A/67/L.28, sobre o estatuto da Palestina, recebeu 138 votos favoráveis.

[9]Outro exemplo bastante evidente desse argumento é perceptível na análise que possamos fazer de um Estado como o Irã. O que era e o que se tornou, depois da Revolução Muçulmana, quando se modificaram radicalmente as finalidades do Estado? O que se propagou como forma de vida social, após a revolução, com o fim do Estado Laico e o que se proibiu totalmente?

[10]Como exemplo, o nazismo “justificou-se” substituindo valores como do próprio direito, a virtude da moral, por outros fins determinados pela etnia, sangue e território. De todo modo, é evidente como a validação decorre da avaliação perpetrada e esta implica na definição de critérios mais ou menos claros, sejam éticos ou com fundamento no antidireito. O nazismo não demarcou os objetivos do Reich, como construção estatal, marcados na verdade, na virtude, na moral transcendental, mas sim na raça, no sangue, no código da morte, no sangue que fertilizaria o território.

[11]Hesse refere-se à Constituição de Bonn, de 1949, portanto, logo no pós-guerra e no auge do período de reconstrução européia.

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