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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Impeachment – de novo e sempre



O que mais causa espécie, estupor, não é a ingenuidade do positivismo jurídico, ou seja, nunca perceber que há interesses gritantes de poder que manuseiam a lei. Como se qualquer sujeito de direitos terráqueo pudesse ficar livre da política, agora remexemos as questiúnculas constitucionais para saber se Dilma pode ser afastada pelo que fez no mandato anterior.

Neste momento, o que mais nos ameaça é a postura pragmática que busca "lacunas", na verdade, subterfúgios na lei constitucional para adotar este ou aquele caminho legal que satisfaça os "novos" interesses em pauta (vide art. 86, caput da CF/88). Além disso, ou já implicitamente colocada, está a validade das medidas adotadas. Por exemplo, qual legitimidade tem um julgador que ora é investigado por crime fiscal, ora por enriquecimento ilícito – o que, somando-se dá no mesmo?

Na pergunta platônica: quem fiscaliza o fiscal; quem vigia o vigia? No país das amarelinhas – e que ignora em preconceito os amarelinhos da miscigenação – diz o ditado popular do tempo do meu avô: “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”.

Portanto, o pior de tudo é que a faxina moralista não atenta para uma moral pública revigorada, visto que é conduzida por gente que não liga para a lei, que atropela a justiça e o bom senso. No fundo, só não vê quem não quer. É um mero jogo de poder com cartas marcadas, conduzido e fustigado por quem perdeu o poder.

Gostaria muito que tudo fosse pra melhor, que de fato houvesse real interesse público, que pudéssemos fazer inveja à antiga Roma republicana e não a dos golpes e surdinas. Porém, não é o caso, infelizmente. Se o impeachment resolvesse nossos problemas e se lá no trono não colocássemos adoradores de segredos de Estado, seria válido. Assim como o afastamento do cargo seria obrigatório para todos os governadores e prefeitos eleitos que fizeram/fazem uso dos mesmos expedientes. Ou seja, trata-se do mais famoso “boi de piranha” e da hipocrisia nacional.

Os segredos de Estado em governos imperiais eram chamados de "arcana imperii". Não é que a coisa voltou em 2014, às vésperas da eleição? Alguém me diz se isto não expressa todo o vigor da exceção: o governador de São Paulo baixou “decreto lei” – que faz inveja ao AI-5 da ditadura de 1964 – proibindo o acesso público às informações sobre as contas com suspeita de superfaturamento na construção do metrô. Vale até 2040. Não dá.

E sabe por que não vemos nada, não falamos e nem (re)publicamos nada sobre o feito? Porque há conivência. Uma hipócrita conveniência. Na base do cinismo, a “indignação seletiva” recai apenas sobre os inimigos. Resguardamos os amigos.

Não dá para supor um país melhor trocando seis por meia dúzia – e o que é pior, fazendo uso de medidas de poder de exceção. Não dá para não ver. Não dá para não sentir vergonha de ser brasileiro(a). Eu tenho e muita. Por isso, quando me perguntam onde nasci, digo que foi em Portugal.

Não dá para ser diferente. Detesto que tentem me fazer de otário. Pois, como se sabe, a política não é feita por anjos – e ainda que se manipulem os tolos de toda ordem. Todo dia, diante do espelho, uma voz me diz para escolher o jeito que desejo ser visto. Deveria ouvir a sua – talvez não a reconheça no primeiro momento. Contudo, é a consciência. Ela dorme, mas um dia acorda.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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