Sexta-feira, 12 de julho de 2013 - 09h44
“Milhares de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. (...) Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo instante”. A situação acima foi presenciada pelo fotógrafo Luiz Alfredo da extinta revista O Cruzeiro em 1961 e está descrita no livro-reportagem Holocausto Brasileiro, da editora Geração Editorial, que acaba de chegar às livrarias de todo o País. Ainda que tenha semelhanças com um campo de concentração nazista, o caso aconteceu em um manicômio na cidade de Barbacena, Minas Gerais, onde ocorreu um genocídio de pelo menos 60 mil pessoas entre 1903 e 1980[1].
Este é um exemplo simples, uma conexão mínima com a violência institucional – de alguma forma patrocinada pelo Poder Público – e que, historicamente, vem tornando a sociedade brasileira extremamente violenta. A tradição, a história, a cultura, as estruturas de poder, as instituições – salvo raríssimas exceções – são produtoras de relações sociais com base na violência, na degeneração social.
Em nome de alguma bondade, quanta violência foi praticada?
Quantos pulgueiros desses ainda existem pelo país afora?
Há “médicos” psiquiatras que ainda receitam choques elétricos para pacientes com distúrbios mentais. Alegam que os resultados são imediatos – o que é bastante óbvio, uma vez que fritam suas poucas emoções. Em outros casos, serventes públicos deixam os “pacientes” fumarem à vontade, porque se sentem mais seguros. Além da violência em si, o fato agravado é a vocação violenta que dá forma ao Estado. O ponto fulcral da violência são as estruturas públicas, os poderes oficiais, a mentalidade elitista, exclusivista, a clivagem moral que separa os pobres dos ricos diante do oficialesco.
Há uma deturpação tão grande nas hostes do poder e na condução da pseudocientificidade que dirige o Estado brasileiro, que o próprio Estado age como se fosse um boneco de posto, dependendo da condição de amizade ou inimizade política que o indivíduo ofereça. Por isso, na realidade política, esta clivagem moral acarreta no Estado um comportamento, uma patologia que se assemelha à doença mental.
O Estado brasileiro é esquizofrênico. Todo o Estado Moderno é marcado pelo pathos, a patologia de origem, por ter sido formado para atender ao interesse mercantilista, colonialista. Contudo, em séculos de processo civilizatório (ainda que com a prática da escravidão na proa), o Estado europeu conheceu o ethos, foi capaz de descrever a solidariedade humana como marco da cultura do povo. No Brasil não, nossa República sempre foi de mentira; o povo era chamado de bestializado pelas elites dominantes – e ainda é tratado desse modo.
É por isso que nos matamos gratuitamente? Isto explica por que jovens colocam fogo em suas vítimas? Será por isso que ocorrem tantos crimes bestiais, piores do que os praticados pelo Príncipe Vlad – o encantador da lenda de Drácula que empala seus adversários?
A violência está impregnada na alma humana, disso não há dúvidas, mas no caso nacional ainda temos o agravante de não possuirmos mecanismos que façam este atavismo refluir. É como se toda a violência viesse à tona, aflorando-se em segundos de raiva incontida, como feras despertas do sono. Isto ocorre porque vivemos a violência cotidianamente, constantemente, sem freios culturais, sem contenção moral. Não temos bons exemplos de não-violência. Conhecemos apenas a exclusão de toda forma de não-violência. No Brasil, o pacifismo é tratado como coisa de gente frouxa.
Não dá para ser diferente, a realidade da vida comum do homem médio é marcada pela violência bruta, dominada por predadores. A cultura brasileira é marcada por toda forma de descompensação, nunca haverá recompensa para o mais fraco ou justo. Na realidade social, o dominante é um serial killer. Viver no Brasil é coisa para os fortes e loucos. E não se esqueça, o amigo do povo é sempre o mais louco dos loucos! Cuidado, vire a esquina, mude de calçada.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO
Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ
Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais
Doutor pela Universidade de São Paulo
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de