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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

MODERNIDADE TARDIA



Exatamente onde os riscos são maiores

a fortuna tende a voltar

Giddens

Parao sociólogo Antony Giddens, pode-se dizer, a modernidade contemporânea expressa um amplo debate com os clássicos. Olhando-se o presente pelo passado que continua ativo, destacando-se choques e descontroles, os clássicos trazem lições simples de que o mundo não se faz ou desfaz em segundos – como se tudo fosse pós-moderno. Essas lições vêm dos clássicos, na qualidade de guardiães da legitimação de fundadores e que têm uma dimensão moral capaz de implementação política:

O ato de fundar é uma “teorização política” precisamente porque os princípios inferidos a partir do trabalho dos fundadores legitimam dimensões básicas da atividade intelectual. Nessa batalha retrospectiva, para que algumas ideias possam “vencer”, obviamente, outras precisam ser derrotadas. Nesse contexto, a ação política significa uma luta mais ou menos constante entre forças diferentes em relação à constituição legítima de uma arena intelectual. A “política” da herança intelectual se torna obscura no mesmo grau em que se registram, com sucesso, reivindicações monopolizadoras: as pressuposições dominantes avalizam, então, ideias e procedimentos (Giddens, 1998, p. 14-15 – grifo nosso).

            Entretanto, mais especificamente no que concerne às Ciências Sociais, mais do que autores ou fundadores, há uma tendência de se verem seus mentores “tornados clássicos”:

Todas as disciplinas intelectuais têm fundadores, mas apenas as ciências sociais têm a tendência de reconhecer a existência declássicos”[1]. Os clássicos, eu afirmaria, são fundadores que ainda falam para nós com uma voz que é considerada relevante. Eles não são apenas relíquias antiquadas, mas podem ser lidos e relidos com proveito, como fonte de reflexão sobre problemas e questões contemporâneas (Giddens, 1998, p. 15 – grifo nosso).

            Sem dúvida nenhuma que os clássicos instituem “políticas de pensamento”, porém, além de sua genialidade e do vigor científico e intelectual, há que se notar que as forças dominantes de certa época, impõem a referência a ser seguida pelos demais[2] – esse é o monopólio da legitimação da política de pensamento[3].

O desafio às tradições

É certo que a cultura e as tradições são desafiadas constantemente, num ritmo nunca visto anteriormente em todo o mundo (Giddens, 2000); mas, no Brasil, o descontrole dos significados é avassalador, preocupante. Por isso tudo, não é difícil pensar as razões de nossa política anormal, como heranças que recusamos digerir. De tal modo que, o contemporâneo nada mais é do que a Modernidade Tardia (Giddens, 1991), uma espécie de revigoramento instrumental do passado.

Neste cenário, as classes sociais têm papel de destaque na arena política. Por classe social, entenda-se a posição em que se coloca um grupo diante da propriedade privada dos meios de produção: “As relações de classe são o eixo principal da distribuição do poder político, delas dependendo também a organização política” (Giddens, 2005, p. 75-76).

De certo modo, hoje no Brasil, precisaríamos reler Weber (1979) e Sérgio Buarque de Holanda (1995), para, quem sabe, sair definitivamente desse modelo de dominação paternalista e que se serve do “servilismo voluntário”.

Dizem os especialistas que a corrupção é um legado do Estado Patrimonialista português. Se assim for, então, quer dizer que os patrícios retificaram suas condutas sociais e regeneram as instituições públicas; enquanto nós, brasileiros, ratificamos a herança maldita e degeneramos a cultura?

Enfim, não se trata de não assegurar nada, mas sim de remover o que está incrustado: no nosso caso, “a crença (ou fé) na superioridade do jeitinho que impomos às regras”. Não se trata de remover a “fé”, como crença religiosa, ou a esperança de ninguém, mas sim de banir o “fundamentalismo das tradições”:

A palavra inglesa tradition tem origem no termo latino tradere, que significa transmitir, ou confiar algo à guarda de alguém. Tradere foi originalmente usado no contexto do direito romano, em que se referia às leis da herança. Considerava-se que uma propriedade que passava de uma geração para outra era dada em confiança – o herdeiro tinha obrigação de protegê-la e promovê-la (Giddens, 2000, p. 49).

É notável como ainda hoje, no século XXI, podemos discutir o “modelo de modernidade” que melhor se ajusta ao país, incluindo a educação e os “paradigmas curriculares”. Ou seja, como se a modernidade não tivesse aportado.

A ética política do capital

De certo modo, para entender melhor a modernidade que nos falta – nas relações sociais, no Estado, na cultura (do atraso), no direito –, o início de uma conversação séria viria com o resgate do sentido clássico de racionalidade política, como uma aposta na capacidade organizativa e controlativa do Estado de Direito, e do conceito (modelo típico ideal) de Estado Racional, pois é daí que surgiu o Estado de Exceção atual – quer seja pré-moderno, como o cesarismo (Gramsci, 2000), quer seja a versão atualizada ou pós-moderna do bonapartismo soft (Losurdo, 2004):

A associação dominante é eleita ou nomeada, e ela própria e todas as suas partes são expressas [...] Obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer. Também quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à “lei” ou “regulamento” de uma norma formalmente abstrata [...] a burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal. Nenhuma dominação, todavia, é exclusivamente burocrática, já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados [...] É decisivo todavia que o trabalho rotineiro esteja entregue, de maneira predominante e progressiva, ao elemento burocrático. Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, particularmente, identifica-se com a da moderna burocracia e da empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização crescente das empresas econômicas [...] Na época da fundação do Estado moderno, as corporações colegiadas contribuíram de maneira decisiva para o desenvolvimento da forma de dominação legal, e o conceito de “serviço”, em particular, deve-lhes a sua existência. Por outro lado, a burocracia eletiva desempenha papel importante na história anterior a da administração burocrática moderna (e também hoje nas democracias) (Weber, 1989, p. 128-129, 130-131).

Ou seja, não somos testemunhas do passado, mas arcamos com os custos de sermos suas vítimas. A ética desse sistema, portanto, era (e é) a ética do poder instituído –, mas instituído como poder ou soma de poderes em que se plasmaria toda a sociedade. Em análise conjunta ou em paralelo ao desencantamento do mundo, (re)vigoram-se os riscos e os perigos da vida moderna. Por isso, a ética protestante desempenhou um esforço notável a serviço do espírito do capitalismo:

Entre os três principais fundadores da sociologia moderna[4], Weber foi o que viu com mais clareza o significado da perícia no desenvolvimento social moderno e usou-o para delinear uma fenomenologia da modernidade. A vivência cotidiana, segundo Weber, retém seu colorido e espontaneidade, mas apenas no perímetro da gaiola de “aço rígido” da racionalidade burocrática (Giddens, 1991, p. 139).

No mundo moderno – em descontrole – há grave crise na capacidade sistêmica, na peritagem (Giddens, 1991), ou incapacidade sistêmica para formular tecnologias sociais, políticas, jurídicas. Vê-se que é uma crise que afeta a reordenação dos próprios sistemas peritos de autoridade, alteridade, hegemonia e legitimidade. Também por isso, a incapacidade sistêmica de regular, definir, disciplinar, comandar, resvala via de regra na saída mais comum da excepcio. Ou seja, há uma crise sistêmica que incapacita os tradicionais mecanismos de controle social e, diante da forte entropia social, o sistema controlativo recorre às formas mais simples e diretas do poder físico presente nas forças políticas hegemônicas.

Do que decorre, especialmente, a abordagem crítica e criativa da realidade social, política, cultural, econômica e jurídica em determinado contexto e em certo período de tempo.

A produção do conhecimento técnico especializado é parte da essência do pensamento científico, em constante superação ao senso comum, ao non sense, às variadas formas de habituação. Todavia, em relação ao desenvolvimento (do) social, há requisitos que superam os sistemas peritos – até porque a técnica, na modernidade, tem obnubilado a ética.

Ao contrário da thecné, na Modernidade Tardia, temos a afirmação rotineira e embrutecida do tecnicismo/mecanicismo. Portanto, a interdisciplinariedade, a transdisciplinariedade e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão também fortalecem o princípio democrático.

Quando não limitado à hierarquia do conhecimento, como “saber é poder” (Bacon, 2005), o (re)conhecimento pode se expandir livremente, horizontalmente, como rizoma (Deleuze, 1995). Desse modo, a livre postagem das mais simples informações fidedignas e moralmente defensáveis ou de mensagens políticas contribui plenamente para a ramificação do saber e, assim, pressiona pelo espraiamento da democracia horizontal.

Portanto, a crise é exatamente o momento em que a fortuna volta a sorrir (diante do realismo impiedoso): “O risco e o perigo, como vivenciados em relação à segurança ontológica, tornaram-se secularizados juntamente com a maior parte dos outros aspectos da vida social [...] Exatamente onde os riscos são maiores [...] a fortuna tende a voltar” (Giddens, 1991, p. 112-113). A questão, então, seria: qual fortuna, do capital ou da ética da dignidade humana?

Do ascetismo ao capitalismo

É interessante pontuar a inserção do Fausto (Goethe, 1997) como marco do nascimento/fortalecimento da modernidade burguesa porque, de certo modo, também para Weber, o capitalismo aguçou este sentido de desencantamento do mundo, ao tornar o mundo mais ascético:

O protestantismo ascético sancionou a divisão do trabalho que se integrava ao capitalismo moderno e que, inevitavelmente, agregou à expansão do capitalismo o avanço da burocracia. A divisão do trabalho burocratizada, que, com o desenvolvimento posterior do capitalismo, tornou-se característica de todas as instituições mais importantes, daí em diante funcionou “mecanicamente” e não tinha nenhuma necessidade da ética religiosa na qual, originalmente, se baseava. Assim, a expansão posterior do capitalismo completou o desencantamento do mundo (por meio de um compromisso com o “progresso” científico); transformou muitas formas de relação social em condutas que se aproximavam do tipo Zweckrational (por meio da coordenação racional das tarefas nas organizações burocráticas); e impulsionou a expansão de normas do tipo abstrato e legal, as quais, principalmente quando incorporadas ao Estado, constituíram a forma principal da “ordem legítima” moderna (Giddens, 1998, p. 56).

Como face do desencantamento do mundo, a desmagificação, na crise ocidental, revelou-se como coisificação: embrutecimento, emparedamento, apoderamento. E daí à mitificação da racionalidade sob a capa protetora da ciência moderna – e ao uso instrumental da razão (maquinismo, mecanização), no limite de Auschwitz e na recuperação mitológica (Mito de Hermann ou Armínio) da segurança e da identidade nacional, desabonando-se a liberdade e a dignidade –, foi uma consequência. O nazismo é produto da racionalidade burguesa na crise do capital e é bom lebrar isso para não termos de volta este típico mito da ciência (Muller-Hill, 1993). Na crise moral trazida pela cultura proto-fascista, aqueles que não podemos combater, preferimos insultar e depois convertê-los em inimigos: hostis. Sobretudo diante de nossa razão mecanizada pelo uso instrumental do poder pelo capital hegemônico.

Este também é o sentido trazido pela ação racional capitalista, calculada, esquematizada, organizada rigidamente, e com o único objetivo de se obter uma massa maior de lucros do que o capital investido. Trata-se da própria razão da modernidade capitalista que se observa na criação do assim chamado apropriadamente Livro Razão, e como se vê em Weber:

Chamaremos de ação econômica “capitalista” aquela que se basear na expectativa de lucro através da utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades (formalmente) pacíficas de lucro. Em última análise, a apropriação (formal e atual) do lucro segue os seus preceitos específicos, e, (conquanto não se possa proibi-lo) não convém colocá-la na mesma categoria da ação orientada para a possibilidade de benefício na troca. Onde a apropriação capitalista é racionalmente efetuada, a ação correspondente é racionalmente calculada em termos de capital. Isto significa que ela se adapta a uma utilização planejada de recursos materiais ou pessoais, como meio de aquisição, de tal forma que, ao término de um período econômico, o balanço da empresa em termos monetários (ou, no caso de uma empresa permanente, a estimação periódica dos bens financeiramente alienáveis) exceda o capital (cada vez mais, no caso da empresa permanente), isto é, o valor estimado dos meios materiais de produção utilizados para a aquisição na troca [...] Tudo é feito em termos de balanço: a previsão inicial no começo da empresa, ou antes de qualquer decisão individual; o balanço final para verificação do lucro obtido [...] Na medida em que as operações são racionais, toda ação individual das partes é baseada em cálculo[5] (Weber, 1994, p. 4-5 – grifo nosso).

Como seu viu, a contabilidade por partida dobrada (relação custo-benefício) expressa ao mesmo tempo em que é expressão da razão econômica da modernidade.

A modernidade

            Na modernidade, boa parte das alegações da Razão de Estado (a “última razão dos reis” ou, modernamente, razão das razões) vem agora estruturada sob os domínios de uma justificativa sistematizada por aspectos econômicos, administrativos e jurídicos.

Para um autor como Weber, é possível, presumível um sentido de racionalidade política, ainda que não seja o único e nem mesmo o principal; afinal, a racionalidade é a própria derivação da lógica (elo lógico entre meios e fins), tanto quanto se aplicou ao surgimento de uma ética de fins próprios ou de acordo com a própria racionalização, tecnificação, escolarização, intelectualização (desmagificação). Foram essas três tipologias de racionalidade que Giddens destacou:

(1) o que ele diferia diversamente como (no aspecto positivo) “intelectualização” ou (no aspecto negativo) como “desencantamento” (Entzauberung) do mundo; (2) o crescimento da racionalidade no sentido do “elo metodológico entre um determinado fim prático estabelecido e o uso de um cálculo crescentemente preciso dos meios adequados”; (3) e o crescimento da racionalidade no sentido da formação de uma “ética que fosse sistematicamente e de modo não ambíguo orientada para objetivos fixados” (Giddens, 1998, p. 55).

Em síntese, para Weber, a sociologia é a ciência que objetiva compreender a atividade social pela interpretação, para depois explicar os efeitos dessa mesma atividade – ação social –, no contexto global das redes de relações sociais. Todavia, também é imperioso reconhecer que a disciplina prevista na racionalidade pode (e certos casos costuma ser) castradora, hierarquizante, sinônimo de perda de autonomia. A racionalidade aplicada à conservação do poder – Razão de Estado – resultou, como vemos no cotidiano do golpismo constitucional, no Estado de Exceção, e talvez nessa ordem, em termos de grandeza de força física e da letalidade empregadas: Estado de Emergência Política, Estado de Defesa, Estado de Sítio.

Entre Weber, Marx e Durkheim

O materialismo histórico parte da premissa de que o homem precisa se realizar continuamente: “Para Marx, a história é um processo de criação, satisfação e recriação contínuas das necessidades humanas. É isso que distingue o homem dos animais, cujas necessidades são fixas e imutáveis. É por essa razão que o trabalho, o intercâmbio criador entre os homens e o seu ambiente natural, está na base da sociedade humana” (Giddens, 2005, p. 53).

O aprimoramento da crescente divisão social do trabalho decorre da racionalização do processo de produção. Em suma, é o capitalismo dependente da divisão social do trabalho, como sua fonte de energia e impulsão, isto é, sem divisão social do trabalho de pouco adiantariam os esforços intelectuais e ideológicos propostos ao Estado Cientificista[6].

Para Émile Durkheim, a modernidade representa a fase mais desenvolvida da divisão social do trabalho em que se articulam, ajustando-se às necessidades diversas da produção industrial, o trabalho manual e o intelectual, na forma da função homogeneizadora e da função diferenciadora. O papel do Estado seria, portanto, o de regular os contratos estabelecidos e convenientemente garantir seu cumprimento:

Para Durkheim, a competição capitalista não é o elemento central da ordem industrial emergente, e algumas das características sobre as quais Marx pusera grande ênfase, ele via como marginais e transitórias. O caráter de rápida transformação da vida social moderna não deriva essencialmente do capitalismo, mas do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho, aproveitando a produção para as necessidades humanas através da exploração industrial da natureza. Vivemos numa ordem que não é capitalista, mas industrial (Giddens, 1991, p. 20).

            Em Mannheim, certamente, a contribuição da sociologia para o entendimento aprofundado e sistemático do processo industrial, de ensino-aprendizagem do trabalho/produção, é destacado: “1) A educação não molda o homem em abstrato, mas em uma dada sociedade e para ela [...] 4) Para o sociólogo, códigos e normas não constituem fins em si mesmos, mas sempre a expressão de uma interação entre o ajustamento individual e grupal” (Foracchi, 1979, p. 89-90 – grifo nosso). Outrossim, em escritos da juventude, Marx nos diz que o objetivo da educação é rever os grandes clássicos: “O Princípio fundamental [...] que nos deve guiar na escolha de uma vocação é o bem da humanidade e o nosso próprio aperfeiçoamento” (Giddens, 2005, p. 27 – grifo nosso).

O método da razão

Neste contexto, Giddes apresenta uma minuta do Iluminismo, emprestando-lhe o método e a razão, como “a justificativa para assim ser”:

Mas certamente faz sentido ver isso como “a modernidade vindo a entender-se a si mesma” ao invés da superação da modernidade enquanto tal [...] O pensamento iluminista, e a cultura ocidental em geral, emergiram de um contexto religioso que enfatizava a teologia e a obtenção da graça de Deus [...] e a providência divina foi substituída pelo progresso providencial [...] se a esfera da razão está inteiramente desagrilhoada [...] mesmo as noções mais firmemente apoiadas só podem ser vistas como válidas “em princípio” ou “até ulterior consideração” (Giddens, 1991, p. 54 – grifo nosso).

Giddens está nos dizendo que, na modernidade, a razão sempre foi instrumentalizada. A dita razão desagrilhoada é uma manifestação transparente do uso instrumental da própria razão. A razão desagrilhoada da dignidade e, assim, adstrita à ética do protestantismo é o que vigoraria.

Não há pós-modernidade

Daí falarmos com ressalvas acerca do Estado Pós-Moderno e de suas vigilâncias e totalizações da vida comum do homem médio. Contudo, o que a pós-modernidade tem de mais ou menos comum, estando-lhe sempre presente e sendo-lhe sempre atuante?

Afora o sentido geral de se estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com frequência tem um ou mais dos seguintes significados: descobrimos que nada pode ser conhecido com alguma certeza, desde que todos os “fundamentos” preexistentes da epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a “história” é destituída de teleologia e consequentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser plausivelmente defendida; e que uma nova agenda social e política surgiu com a crescente proeminência de preocupações ecológicas e talvez de novos movimentos sociais em geral (Giddens, 1991, p. 52).

A seguir o argumento do Estado Pós-moderno, o direito, por exemplo, serve-se da razão ou é fruto da intempestividade da vida social?

Não vivemos ainda num universo social pós-moderno, mas podemos ver mais do que uns poucos relances de emergência de modos de vida e formas de organização social que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas [...] pode facilmente ser visto por que a radicalização da modernidade é tão perturbadora, e tão significativa. Seus traços mais conspícuos [...] nos levam a um novo e inquietante universo de experiência (Giddens, 1991, p. 58).

Nós não precisamos da crítica comum ao pós-moderno para ver a Modernidade Tardia (aliás, os tradicionalismos todos vivem repetindo: “esse método é o melhor de todos; é o método mais metódico[7]”), pois o que precisamos é abrir os olhos para o hoje, se queremos algo para amanhã.

Esses tradicionalismos que alegam ter o “melhor dos métodos” não nos servem, porque sua fonte histórica é a repetição de lemas e dogmas. Porque não há criatividade e não se percebe que não se será decorador de paisagens, sem descobrir-se os interiores. Nossos críticos tradicionalistas precisariam desligar-se de seu próprio e limitado interior para ver ali perto, depois lá, até que chegassem ao acolá.

No entanto, como, se não se abre mão de seu método melhor de todos? Os tradicionalismos são “ostras”, que não vêem (e é óbvio, não admitem) as limitações recônditas, ensimesmadas, lacradas e cheias de frustrações por não mais sonhar, diante de tantas verdades prontas. Portanto, os tradicionalismos podem ser pré-modernos (cesarismo) ou pós-modernos (bonapartismo).

Modernidade Tardia

Em resumo, a Modernidade Tardia corresponde ao período “secundário” da industrialização da modernidade clássica, e que se encerra com os aportes de uma profunda transformação social, tecnológica, cultural, econômica e – o mais chocante – inspirada nas exceções para resolver problemas insurgentes. A exclusão, o desemprego estrutural, a miséria humana, a perda total de legitimidade do condottieri do capital e rodos os demais problemas complexos, são resolvidos colocando-se a realidade em choque de gestão, mas sob os auspícios de um Estado de Exceção.

O resumo da chamada “crise da modernidade” (ou Modernidade Tardia) vem de suas próprias promessas não cumpridas: “a dissolução do evolucionismo, o desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da reflexividade meticulosa, constitutiva, junto com a evaporação da posição privilegiada do Ocidente” (Giddens, 1991, p. 58).

Certamente, isto seria parte da loucura ou “anarquia de mercado” do capitalismo (ou esquizofrenia). No que também reforça a ideia de que o “pós-moderno”, na verdade, é apenas a ação da Modernidade Tardia, “a vingança da modernidade” ou a “ação da modernidade no século XXI”.

Lendo-se a Modernidade Tardia por este viés, resta patente que não se trata do novo, mas sim do antigo, revigorado às vezes, mas também antiquado, dando ares de contemporaneidade: muitos dos instrumentos de repressão e de “vingança” adotados registram a idade de pelo menos três séculos. O que sublinha o cesarismo como a legítima forma-Estado do capital no século XXI.

Outro ponto curioso nesta relação entre a “irracionalidade moderna” (as contradições inerentes ao capitalismo) e a “irracionalidade descontínua da pós-modernidade” (como vimos, o castelo de areia da pós-modernidade) advém da própria compreensão que Weber realizava da racionalidade moderna, isto é, a previsibilidade de fatores previsíveis da vida social:

A conduta humana, afirmava Weber, era tão previsível quanto os eventos do mundo natural: “A previsibilidade’ (Berenchnenbarkeit) dos ‘processos da natureza’, tal qual na esfera das previsões metereológicas, é muito menos acertada do que o cálculo das ações de alguém conhecido por nós”. Essa “irracionalidade” (no sentido de que a “vontade livre” = “incalculabilidade”) não era de forma alguma um componente específico da conduta humana: pelo contrário, essa irracionalidade, concluiu Weber, era “anormal”, na medida em que se constituía em propriedade do comportamento daqueles indivíduos que eram designados como “insanos”. Era, portanto, uma falácia supor que as ações humanas não pudessem ser tratadas por generalizações; na verdade, a vida social dependia de regularidades na conduta humana, de tal forma que um indivíduo pudesse calcular as respostas prováveis de outro em relação à sua própria ação [...] isso não implicava que as ações humanas pudessem ser tratadas [...] como fenômenos objetivos [...] A ação teria um conteúdo “subjetivo” não compartilhado pelo mundo da natureza, e a apreensão do sentido das ações de um ator era essencial para a explicação das regularidades discerníveis na conduta humana (Giddens, 1998, p. 52-53).

A irracionalidade e o descontínuo que sentimos hoje, de modo tão agudo e que nos deixam perplexos, é equivalente à profecia de Marx (1993) no Manifesto, de que tudo que é sólido desmancha no ar, mas com tal grandeza e profundidade que, às vezes, sentimo-nos aniquilados em meio à pura barbárie. Ou como diria Weber, notadamente em A Políticacomo Vocação (1993), a descrença só não abate aqueles que perduram no caminho clássico de sua própria vocação:

Somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer “Apesar de tudo!” tem a vocação para a política (Weber, 1979, p. 153).

            O caminho clássico dos grupos de poder capitalizados – emprestando sempre o codinome da Razão Estado (Hobbes, 1983) – é a implantação do Estado de Exceção; sobretudo na forma defensiva do bonapartismo para o poder, mas expansiva para o capital (Marx, 2011).

Sociedade pós-tradicional

Neste sentido, a Modernidade Tardia vivificada na sociedade pós-tradicional, revela esta angústia que sentimos, por estarmos em meio à indefinição do moderno e do pós-moderno — entre a certeza e o indesejável,entre a leveza e a sofreguidão, perdidos sem autoridade e menos ainda alteridade.A exigência do Outro implicaria em nossa sobrevivência, ultrapassando os limites do niilismo, egoísmo, narcisismo:

A sociedade pós-tradicional é um ponto final; mas é também um início, um universo social de ação e experiência verdadeiramente novo [...] uma sociedade global [...] No domínio da vida interpessoal, estar aberto para o outro é a condição da solidariedade social; em uma escala mais ampla, a oferta da “mão da amizade” em uma ordem cosmopolita global está eticamente implícita na nova agenda esboçada [...] Rompendo as aporias do pós-modernismo, podemos enxergar possibilidades de “democracia dialógica...” (Giddens, 1997, p, 130).

O Outro necessita desegurança e de liberdade: não são princípios excludentes. Também por isso são preferíveis as expressões Ultramodernidade e Modernidade Radical (Giddens, 1991), quando antpostos ao cognato da pós-modernidade (Sevcenko, 1987). Neste sentido é que nos serve a observação de que a própria política (ou o poder) antecede ou até se configura independente dos aparelhos de Estado.

As concepções “substantivas” pressupõem diferenciação institucional concreta dessas várias ordens. Quer dizer, sustenta-se, por exemplo, que a “política” só existe em sociedades que possuem formas distintas de aparelho de Estado, e assim por diante. Mas o trabalho de antropólogos demonstra de modo bastante efetivo que existem fenômenos “políticos” — relacionados com a ordenação das relações de autoridade — em todas as sociedades (Giddens, 1989, p. 27).

A Antropologia Política, portanto, faz uma crítica substantiva e estrutural ao classicismo, a exemplo da máxima de que “a política nasceu na Grécia antiga”. Mais do que nunca, é preciso re-valorizar a perspectiva sociológica da própria vida social — é preciso insistir na sociologia da vida social, pois é aí que estão nossas chances de revigorar toda forma de sociabilidade.

Inconclusão

Como vimos, hoje vivemos numa verdadeira janela do tempo, presos ao presente, mas procurando olhar para o mais longínquo (ou simplesmente para ali) a partir das mudanças e das transformações de toda sorte que surgem do olho do furacão. Hoje procuramos abrir esta janela do tempo, a própria “jaula de ferro” de Weber (1989) para ver se, em meio à crise, conseguimos visualizar algum lampejo do presente-futuro: não apenas como telespectadores passivos das novelas cotidianas, mas como atores protagonistas do presente/futuro.

Por isso, abrir a janela do tempo, como nosso maior desafio, no presente, ainda exigirá de nós que coloquemos a cabeça para fora, na tentativa de vermos ao menos um palmo à frente do nariz. Agora, haverá alguma certeza disso? De todo esse projeto de humanização (hominização) o que, de fato, ainda está em vigor? O que ainda oferece conteúdo de esperança para o futuro transformado?

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_____Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.

_____ A ética protestante e o espírito capitalista. 8ª ed. São Paulo : Livraria Pioneira Editora, 1994.



[1] Se bem que, é indiscutível o papel e o status desempenhados por pensadores como Galileu, Newton, Einstein e tantos outros, exatamente, na confecção que demos modernamente ao sentido de clássicos.

[2] “A obra que perdura é sempre capaz de uma infinita e plástica ambigüidade; é tudo para todos, como o Apóstolo; é um espelho que torna patentes os traços do leitor e é também um mapa do mundo [...] para além dos limites da glória de quem os escreveu, para além da morte do idioma em que foram escritos” (Borges, 2007, p. 110-111).

[3] “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência” (Marx, 2003, p. 05). Marx ainda asseguraria que as ideias dominantes em uma época, são as ideias da classe dominante.

[4] Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber.

[5] E aí se vê o individualismo metodológico em ação.

[6]“Em suma, os tecnodirigentes estão de acordo no essencial. A política politiqueira e a administração executiva estão mortas. Viva o político e a gestão! As opções partidárias cedem lugar à resolução dos problemas. São afastados revolucionários e conservadores, deixando caminho livre para os animadores da mudança social. O Estado-cientificista será dirigido por negócios e técnicos” (Pisier, 2004, p. 493 – grifo nosso).

[7] Agradeço essa expressão ao Prof. Dr. Celestino Alves da Silva Jr.

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