Sábado, 3 de dezembro de 2016 - 07h33
No Reino da Corrupção endêmica
- ainda há os crimes ambientais tradicionais
Na democracia, a vida é regida pelo autogoverno. No Estado de Exceção, a vida é exceção, porque a dignidade é afrontada continuamente. No direito à vida, com base na dignidade, está a liberdade e a igualdade, o oxigênio, a saúde e a educação, a alimentação salutar, a cultura, o trabalho e o lazer[1], a natureza preservada[2] e a participação política: voto livre, direto, secreto, universal, periódico. Neste aspecto, pode-se dizer que fora da República e da democracia não há dignidade.
Este conjunto, por sua vez, resume-se ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: direito à vida[3]; direito à igualdade; direito à integridade física; direito à integridade moral ou psíquica.
A autonomia é o elemento ético da dignidade e está ligado à razão e ao exercício da vontade pessoal condicionada por regras: autogoverno para que o indivíduo decida os rumos da própria vida. Desdobrando-se em autonomia privada (liberdades públicas[4]), autonomia pública (como direitos políticos[5]) e o mínimo existencial: um pressuposto para que a satisfação das necessidades básicas seja compatível à manutenção da vida em condições de dignidade.
Do que ainda decorre um valor comunitário e certas proteções (direitos): proteção dos direitos de terceiros; proteção do indivíduo contra si próprio; proteção de valores sociais: aqui impele uma coerção impondo-se um conjunto de valores agregadores de uma moral social compartilhada. Ainda sob a proteção dos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade (Barroso, 2015, p. 286-9).
Então, quem ou o que atente contra o meio ambiente natural, o meio ambiente artificial, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho (Guerra, 2004) comete grave violação de direitos humanos fundamentais[6].
O meio ambiente é um bem jurídico[7]que merece grande destaque. Nenhum outro interesse tem difusidade[8]maior do que ele, que pertence a todos e a ninguém em particular; sua proteção a todos aproveita e sua degradação a todos prejudica. Está conceituado no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (grifo nosso)[9].
Na ecologia de direita o meio ambiente responde aos caprichos da Humanidade, e a regra do “saber é poder” (Bacon, 2005) surge como sinônimo do “crescimento econômico”; submetendo-se a vida humana ao sentido egoístico da “domesticação da natureza para melhor servir ao topo da cadeia alimentar”[10]. Para a ecologia de esquerda, é preciso reinventar a Humanidade para fazer conviver a diversidade natural e cultural (Bobbio, 1995).
Por isso, preservar o meio ambiente (em sua diversidade) consolida o Direito a ter direitos[11](1992), tanto quanto a promoção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – nos termos precisos dos direitos humanos fundamentais – congrega o Princípio da Unidade na Diversidade[12] (Martinez, 2012).
Mas, será isto que transparece com a PEC 215 e o Código Florestal?
Bibliografia
BACON, Francis. Novum Organum & Nova Atlântida. São Paulo : Editora Nova Cultural, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 5ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992.
_____ Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1995.
EPICURO. Carta sobre a felicidade. São Paulo : UNESP, 1997.
GUERRA, Sidney. Curso de Direito Ambiental. 2ª Edição. São Paulo : Atlas, 2004.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. O caso “Urso Branco”: o Estado Penal no Brasil. INRODRIGUEZ, J. R. (org.). Pensar o Brasil: problemas nacionais à luz do direito. Editora Saraiva : São Paulo, 2012.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaios sobre a origem das línguas. 4ª ed. Col. Os Pensadores. Vol. I. São Paulo : Nova Cultural, 1987.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2007.
[1]É forçoso lembrar que só o escravo trabalha sem lazer. Desde a filosofia de Epicuro (1997), na Grécia antiga, tem-se a noção de que o lazer concorre para a educação, a livre expressão e o desenvolvimento integral do ser humano. Bem como em Rousseau (1987), sem educação integral – especialmente para a ação política –, o indivíduo não passa de mera “potência”, uma possibilidade esvaziada, uma vez que suas faculdades mentais (inteligência) não estão integralmente desenvolvidas.
[2]Entenda-se que a modernidade tem condições técnicas e morais de assegurar o desenvolvimento com respeito à preservação, prudência, prevenção e precaução no tocante ao meio ambiente natural ou transformado.
[3]Dada a prescrição constitucional do direito à vida, não se admite reformas na Constituição que introduzam a pena de antecipação da morte.
[4]Liberdades negativas que impulsionam direitos público-subjetivos.
[5]“A autonomia pública identifica aspectos nucleares do direito de cada um participar politicamente e de influenciar o processo de tomada de decisões, não apenas do ponto de vista eleitoral, mas também por meio do debate público e da organização social” (Barroso, 2015, p. 288).
[6]http://arte.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/transamazonica/.
[7]Bem jurídico se refere a tudo que possa receber a tutela e a proteção do direito. A moderna noção de bem jurídico não se aplica fora do alcance da história, e, atualmente, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Assim posto, se a vida é o princípio e, portanto, o principal dos bens jurídicos; logo, se a preservação do meio ambiente concorre para a vida com dignidade, o meio ambiente natural é o principal bem jurídico acostado no século XXI: como direito difuso, difundido, à Humanidade.
[8]A proteção ao meio ambiente implica no direito difuso por excelência, pois que afeta a todos indistintamente.
[10]Este é também o exato diferencial entre desenvolvimento humano (dignidade) e crescimento econômico que, além disso, concorre para a concentração/individualização das rendas e de riquezas.
[11]Só o cidadão integralizado pela ação incondicionada da isonomia e da equidade tem o direito elementar de ter acesso a direitos específicos ou difusos.
[12]A universalização de pressupostos válidos racionalmente – atestados pela lógica e coerência: ciência – condiz com a necessidade de haver um mínimo denominador comum: o direito que se resguarda na obrigação de preservar e de garantir as diversas e incontáveis formas de interação com o meio ambiente natural ou transformado, mas em proveito da Humanidade e não para atender aos interesses de indivíduos ou de grupos econômicos específicos.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de