Quinta-feira, 26 de novembro de 2015 - 10h21
MITIGADO NA ERA DIGITAL[1]
Luiz Carlos Vick Francisco[2]
O presente texto trás à discussão a evolução do direito à informação consolidado nas sociedades contemporâneas, a exemplo da sociedade brasileira, que o consagra dentre os direitos fundamentais do cidadão previstos na Constituição Federal, frente ao dever de transparência e informação dos órgãos públicos, inclusive, o Poder Judiciário. Este, por sua vez, vem envidando esforços no sentido de acompanhar a era digital, substituindo a forma física no trâmite dos autos processuais pela forma digital, cujo avanço, em contraposição, tem limitado ou mesmo excluído o livre acesso das partes processuais ao acompanhamento de seu processo.
1. INTRODUÇÃO
A noção moderna de cidadania compreende a relação de direitos e deveres dos indivíduos que participam de uma unidade social, como as sociedades nacionais ou os estados territoriais. Advém do direito de cidadania o atendimento aos princípios da igualdade e da isonomia, consubstanciados na regra fundamental de que todos os cidadãos são iguais perante a Lei.
Surge, daí, uma primeira dificuldade no tocante à quantificação do conjunto de deveres necessário a se atingir um conjunto de direitos satisfatórios, tendo presente que, a dimensão dos direitos alarga-se rápida e constantemente no mundo moderno.
A respeito do tema, Ralf Dahrendorf (1992), entende que se deve buscar a minimização dos deveres e a maximização dos direitos, de forma que todos possam fruir da cidadania, visando obter sua “chance de vida”.
Não se trata, porém, da política do “estado mínimo”, socialmente excludente, defendida pelo neoliberalismo, mas da proteção e manutenção dos direitos dos cidadãos pela sociedade organizada, à custa da menor contrapartida possível em relação às suas obrigações e deveres.
Efetivamente este deve ser o caminho para a estabilidade social: resguardar aos cidadãos a contínua ampliação de seus direitos, mantendo todos os que já foram conseguidos, aliviando gradativamente seu fardo de obrigações, mesmo ciente de que na “era dos direitos”, os conflitos sociais decorrem da expectativa de direito de cada indivíduo.
2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À INFORMAÇÃO
Impensável imaginar que na era do absolutismo houvesse o direito à informação como o entendemos hoje. Não se poderia cogitar que os súditos tivessem o direito de serem informados sobre as finanças reais ou dos senhores feudais.
Kant e, posteriormente, Russeau, inspiraram o reconhecimento dos direitos do cidadão, dentre eles o de informação, somente acolhidos no final do século XVIII com a Constituição Americana e a Revolução Francesa.
Seguiu-se, a partir daí, a positivação do direito à informação pelo cidadão estampado em constituições de vários países, principalmente, no mundo ocidental.
3. O DIREITO À INFORMAÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Atualmente, no Direito Brasileiro, o Direito à Informação ou o Direito de Acesso à Informação está protegido pela Constituição Federal que, em seu artigo 5º, destina vários incisos a esse tema:
-inc. XIV: prescreve o direito de acesso à informação;
-inc. XXXIII: confere direito aos cidadãos de receberem informações de órgãos públicos;
-inc. XXXIV: concede ao cidadão o direito de obter certidões a seu respeito;
-inc. LXXII: institui o direito ao “hábeas data”, promovido por meio de ação judicial;
-inc. LXXVII: institui a gratuidade do “hábeas data” visando o pleno exercício da cidadania.
Particularmente, interessa-nos a prescrição do inciso XXXIII, do Art. 5º constitucional:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
4. A ERA DIGITAL NO PODER JUDICIÁRIO
O Poder Judiciário, em meio a inúmeros desafios da atualidade, como a crescente necessidade de espaço físico para processamento e arquivo de demandas judiciais cada vez em maior número, alocação de equipamentos e funcionários para as mesmas finalidades, necessidade de centralização do controle e da fiscalização das atividades das partes, dos serventuários e dos juízes, uniformização de procedimentos, dentre outros, adotou o meio digital para o trâmite e a solução dos processos judiciais.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ determinou a todos os Tribunais Judiciais pátrios a implementação do sistema de processamento eletrônico até o ano de 2018 e, por conta disso, muitos já se adiantaram na adoção da medida.
O que se tem presenciado, no entanto, em relação aos Tribunais que já adotaram o sistema digital, é que muitos profissionais do Direito ainda atuantes e com enorme bagagem profissional, ante a dificuldade de se inserirem na era digital, vêm sendo alijados do mercado de trabalho, por não ter restado nenhuma possibilidade de se permitir o trâmite processual através do meio físico.
No entanto, o maior prejuízo vem sendo carreado às partes processuais, titulares exclusivos de seus direitos buscados perante o Poder Judiciário, consistindo, portanto, no componente que dá início ao processamento da demanda judicial.
Em sendo ou se entendendo dona de um direito desrespeitado, muito interessa à parte processual, no caso, o autor, o réu ou ainda terceiros interessados, quanto à fiscalização do trâmite processual, visando prever o resultado e o tempo necessário para o deslinde da ação, seja para se organizar e se preparar quanto à eventual vitória ou derrota processual, seja para atenuar a tensão psicológica decorrente de uma ação judicial.
Ainda que a ação estivesse sendo conduzida por um profissional preparado, no caso, o advogado, a ânsia da parte processual pelas informações de seu processo invariavelmente lhe conduzia ao balcão do fórum para tomar ciência do andamento processual.
Com a implantação do sistema digital no processamento de ações judiciais, no entanto, tal prática não será mais possível. Não há processo físico a ser consultado pela parte processual. Restar-lhe-ia a alternativa de acessar o andamento processual no sítio eletrônico do Tribunal em que estiver tramitando a ação, porém, na maioria das vezes os autos processuais não estão disponíveis na íntegra às partes processuais, mas somente aos respectivos advogados.
O que se tem observado, principalmente nos fóruns cíveis e criminais da Justiça Estadual de São Paulo, em que já se implantou o sistema digital, é uma drástica redução do número de pessoas em busca de informações acerca de suas ações nos balcões dos cartórios judiciais.
Ainda que seja esse um dos interesses dos Tribunais na implantação do sistema digital, reduzindo-se espaço, funcionários e pessoas à busca de atendimento pessoal, não é crível que essas mesmas partes processuais estejam plenamente satisfeitas quanto ao direito de informação sobre suas demandas judiciais.
Em resumo, ao menos por ora, a adoção do processamento eletrônico no Poder Judiciário tem trazido prejuízo às partes processuais no tocante a seu direito constitucional de receber informações dos órgãos públicos quanto a assuntos de seu interesse.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Z.; LYON, D. Vigilância líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.
______ Estado, Governo, Sociedade, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005.
BRASIL (1988) Constituição de República Federativa do Brasil, 6ª Ed., São Paulo, Atlas, 1995.
DAHRENDORF, Ralf, O conflito social moderno, Rio de Janeiro, Zahar, 1992.
LÉVY, Pierre, Ciberdemocracia, Lisboa, Instituto Piaget, 2004.
[1] Texto apresentado na disciplina Questões jurídicas do acesso e uso da informação, no Programa de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar/SP, Agosto/Novembro-2015, sob a coordenação dos professores Wanda A. M. Hoffmann (Dra.) e Vinício Carrilho Martinez (Dr.).
[2] Advogado, professor universitário de Direito, especializado em Direito Processual Civil, é Supervisor Jurídico aposentado do Banco do Brasil S/A.
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