Quarta-feira, 17 de outubro de 2012 - 18h18
Na essência, o direito é democrático porque permite que as partes interessadas em uma lide apresentem seus argumentos e façam provas de que tem razão em requisitar o direito. Por isso se diz regularmente que os advogados são a porta de acesso à democracia; por meio de sua luta diária a democracia se aprofunda e se defende dos achaques dos autoritários que querem subverter o direito de petição e o direito de defesa. A defesa da democracia é o ponto alto da advocacia porque o famoso princípio do contraditório interessa muito mais ao advogado, do que ao Estado – este representado pela Magistratura e pelo Ministério Público. Como negativa dessa afirmação inicial, pode-se consultar o AI-5 (Ato Institucional número 5, de 1968) que removeu todas as defesas constitucionais dos direitos fundamentais.
Portanto, não é difícil ver que o princípio do contraditório é essencialmente democrático. Quer dizer que, sempre que atue o princípio do contraditório, a(s) parte(s) é (são) representada(s) juridicamente, tendo seus direitos defendidos pelo advogado. O princípio do contraditório supõe, pela lógica, que se possa dizer abertamente, diretamente, objetivamente, o que interessa na defesa de determinados direitos. O contraditório supõe a ação de dizer contra, desdizer, negar, interpor outra versão acerca da realidade analisada. Por fim, o princípio do contraditório pressupõe que se abra ao entendimento as contradições reais e objetivas presentes em uma determinada realidade.
Há certa dialética na execução do princípio do contraditório, uma vez que as versões apresentadas acabam confrontadas e, a partir dessa ação, o direito pode revelar qual é a razão dos fatos, qual a razão que socorre às partes interessadas. A fase de “superação dialética”, entre tese e antítese, estaria presente na fixação do direito. Pois, nos casos em que há justiça, a verdade da realidade é restaurada, definindo-se a participação de cada um dos interessados que se interpuseram por meio da ação judicial.
Também pode-se dizer que todo direito social é democrático, porque espraiando-se o direito por uma massa de indivíduos, coletivizando-se objetivamente o resultado dos direitos sociais assegurados, não há beneficiários do direito em detrimento de outros tantos que são excluídos. Os direitos sociais, coletivos e difusos têm a marca da democracia exatamente por isso, têm seus resultados estendidos para uma quantidade considerável de pessoas beneficiadas. Apesar de previstos na Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais sociais têm recebido controverso tratamento do legislador e também do juiz – não obstante a “judicialização da política” tenha exercido um papel benéfico na atualização democrática e republicana dos recursos públicos. Mas, independentemente da previsão legal e da própria ação corretiva do Poder Judiciário, a saúde e a educação não têm serviços em quantidade e muito menos a qualidade recomendável. A crise social neoliberal e, na forma atual da crise financista global, tem ou minado a economia ou restringido o avanço dos empregos formais.
Direitos sociais
Os direitos de inspiração socialista também são democráticos na sua base, na sua essência, uma vez que historicamente inspiraram a formação dos direitos sociais e trabalhistas. Desde a Revolução Russa de 1917, com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, que os direitos trabalhistas são pensados como direitos assegurados coletivamente, porque são direitos de todos os trabalhadores e não deste ou daquele indivíduo.
Outro marco é a Revolução Mexicana e que a partir de uma forte base rural, camponesa, indígena; sem uma ideologia política totalmente definida, era conduzida por líderes também analfabetos e sem uma devida compreensão da própria relação entre Estado e sociedade, como Emiliano Zapata. Contudo, mesmo sem a escolarização formal adequada, o povo soube cultivar o sentimento e a expectativa do direito. Além disso, a famosa Constituição de Weimar (na Alemanha de 1919) fixaria os direitos sociais, como sendo direitos de realmente alcance social. Este conjunto de fatores sociais no legou a realidade que se denominou de Estado Social.
Em resumo, o Estado Social está assentado em três documentos históricos: Constituição Mexicana, de 1917; Constituição Alemã, de 1919; Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, advinda da Rússia revolucionária (socialista) e datada de 1917-1918. O Estado Social, desse modo, é um Estado que já nasceu pautado por pelo menos dois documentos históricos de cunho jurídico, ou seja, teve a garantia legal de duas Constituições (Mexicana e Alemã), além de uma Declaração de direitos proletários e socialistas. Portanto, um importante avanço do Estado Social foi ter conseguido constitucionalizar direitos sociais e trabalhistas.
Mas será que todo direito social é democrático? Um caso paradoxal é-nos fornecido pelo nacional-socialismo e que germinou sob a forma do nazismo. O nazismo produziu a recuperação da economia alemã, em parte, utilizando-se dos preceitos e dos direitos sociais constantes da Constituição de Weimar. Os alemães, obviamente, foram os únicos beneficiados e, assim, para o povo alemão, considerado cidadão ariano, o direito social foi regado democraticamente.
Um marco mais recente e efetivamente inclusivo da democratização do direito é ditado pela Revolução dos Cravos, de Portugal, em 1974. Como resposta ao governo salazarista e de cunho socialista, seus ideais firmaram as bases conceituais e políticas do “Estado de Direito Democrático” português e que serviria de fundamento para o constituinte brasileiro em 1988.
Estado Democrático de Direito Social
A somatória dos aspectos sociais, coletivos, difusos, individuais e institucionais de direitos e de garantias, institui o lastro do que se chama de Estado Democrático de Direito. Nesta forma de Estado, a democracia lhe é essencial, com a defesa intransigente dos próprios direitos democráticos. Talvez o que melhor configure essa realidade política do Estado seja exatamente a defesa democrática dos direitos democráticos. Previsto no art. 5º, XLIV, da CF/88: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Pois, tanto na produção quanto na fruição do direito, o povo poderia/deveria ser consultado, acionado para que novos “direitos democráticos” fossem produzidos. Em suma, trata-se da produção democrática de direitos democráticos, conforme o Art. 5º, inciso LXXVIII, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Exemplo constitucional concreto da produção social e democrática do direito pode ser obtido na Lei da Ficha limpa, uma orquestração coletiva em defesa da República, punindo-se os políticos corruptos e já julgados em grau de apelação. No entanto, a teoria está muito à frente das práticas sociais, uma vez que a dificuldade burocrática, formal prevista na CF/88 é muito grande e desanimadora para que haja efetiva participação popular, na subscrição de ações legislativas de iniciativa popular. Ainda há que se frisar que o referendo e o plebiscito, mesmo que constando com a incorporação do voto direito do povo, independem da propositura popular, porque ambos são de responsabilidade direta do Estado, em especial do Poder Executivo. No texto da CF/88:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
De todo modo, tem-se, hoje, na consciência pública, um traço distintivo entre a cidadania ativa dos antigos e a consciência dos direitos individuais, sociais e políticos do cidadão moderno, a fim de que haja participação e para que o ato político não se esgote em si. Atualmente, também se destaca a iniciativa de alguns municípios que buscam implementar o Orçamento Participativo e a atuação consistente do Ministério Público por meio daAção Civil Pública.
Neste sentido, o Estado Democrático de Direito deveria estar fortemente marcado pelo emprego do que se chama de ethos público: isto é óbvio, em regimes de governo realmente democráticos e republicanos, tanto na observância real do Estado de Direito quanto na prática política derivada da verificação das regras mínimas do Estado Democrático. Por isso, entendemos que o ethos público cria vínculos sociais efetivos e só assim haveria significado material no uso da expressão “Estado Democrático de Direito Social”.
Como se vê, só haverá alguma realidade na apreciação do conceito constitucional se a finalidade social do direito, e em amplo destaque jurídico, for a própria sociedade e não o Estado no sentido formal e burocrático. O direito fundamental social entra em choque direto com a clássica visão monista do direito, porque, mais do que o Estado, a sociedade é a promotora das demandas sociais, fixando-as como um fim em si mesmo, e assim deveria atuar como reguladora de todo o Direito. Não há Estado Democrático de Direito sem a vivência constante e natural da República, da mesma forma que o Estado Democrático de Direito Social tem uma finalidade social estampada em sua origem: a sociedade é sua marca registrada e não a razão de Estado.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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