Quinta-feira, 18 de julho de 2013 - 15h02
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
Entre sociedade e Estado, bem como entre Poder Social e Poder Político, há diferenças substanciais e que devem ser frisadas. Portanto, o objetivo geral deste item é demarcar algumas dessas nuances e aprofundar o questionamento histórico acerca da passagem das sociedades primitivas à estrutura política organizada em torno do Estado como o conhecemos atualmente. Desta forma, a seguir, veremos uma estrutura política necessária, fundacional do Estado Antigo, mas marcada pela sua condição natural: a origem social do Estado.
O Estado, apesar de ser uma criação humana – decorrente da inerente condição do zoon politikón –, não surgiu da noite para o dia. Assim, é necessário observarmos que há uma história, um adensamento cultural, um fluxo institucional e por isso precisamos observar o Estado como parte da ontologia política. Se o Estado é um produto humano, quer dizer que é derivado da razão, como ato intencional, e isto nos inclina a ver o Estado como resultado de um aperfeiçoamento de instituições políticas anteriores. Portanto, o Estado é resultado – antes de ser meio ou fim –, e o fato de vermos resultados indica que há uma ontologia política.
Para este intuito de reconhecer a transformação da política em Estado, vamos abordar a formação do Estado, as principais teorias envolvidas neste processo e, em especial, a formação do Estado Antigo. Mas, antes de seguirmos este passo institucional da humanidade é preciso reforçar o conhecimento que difere Estado e sociedade, Poder Social e Poder Político.
Por que o homem criou o Estado? Foi esse ato criador que nos transformou em animais sociais e políticos? É nossa capacidade de criarmos sociedades organizadas e Estados que nos caracteriza como humanos e, assim, nos diferencia dos demais animais sociais, como abelhas e castores?
Antropologia do “Estado de Origem”[2]
Tomamos consciência de que era necessária a vida social e depois demos um passo decisivo rumo à criação ou elaboração do Direito – como forma de regular quem se relacionava com quem, de que forma, onde, quando e porque se agiria deste ou daquele modo. O Direito, inicialmente, é o conjunto das interações sociais, que no espaço urbanizado se transforma em ação e relação política.
Essas múltiplas interações, no entanto, vêm racionalizadas (discutidas, ponderadas, pensadas, “definidas”) e apresentadas formalmente[3]por um grupo também substancial de pessoas: “o(s) grupo(s) dominante(s)”. Neste aspecto, o Direito é social; pois o Direito decorre das necessidades sociais que também se transformam ao longo da história – e ainda que tenhamos de (re)lembrar que se trata de um tipo de necessidade primária, isto é, a necessidade da sobrevivência.
Então, desse modo, como fato social (desde suas primeiras ocorrências significativas na longa história da humanidade, e mais precisamente a partir do fortalecimento do Homo faber[4]), o Direito não deve ser confundido com certo conjunto de regras a ser seguido, sob pena do emprego exclusivo da sanção e da coerção.
A possibilidade do uso da sanção pelo Direito (quer seja premial, quer seja punitivo) decorre da necessidade anterior da organização social – necessidade agora entendida como fruto, princípio da vida social e das regras jurídicas regulatórias. Para bem e para mal, o Direito decorre das principais necessidades sociais que vigoram em determinada época histórica. É fácil perceber como a necessidade do Direito antecede a qualquer ideia de coerção e ao próprio Estado. É como se disséssemos que o Direito é uma necessidade primária, de tão presente que estava na origem das primeiras sociedades organizadas; assim como é elementar na organização da vida moderna.
Por fim, se ainda é necessária uma breve definição, podemos dizer que:
Direito é um conjunto de doutrinas, elaborações teóricas e conceituais, de sentidos, de valores econômicos, culturais e políticos, de regras sociais e de normas jurídicas (o próprio ordenamento jurídico), quer sejam regras impositivas ou reguladoras, quer sejam normas orientadoras ou dirigentes de condutas, mas sempre oriundas e prescritas pelas classes sociais ou pelos grupos econômicos e políticos dominantes e/ou hegemônicos. Como se vê, o Direito (Poder Social) tanto está além quanto precede o Estado (Poder Político). O Estado, nesta fase inicial, será simplificado como a instituição por excelência, detentor do poder necessário (nem sempre legítimo) a fim de empregar a coerção e a dominação política, econômica e social[5].
Assim, nem o Estado e nem o Direito são entes ou instituições neutras, imparciais ou indiferentes à realidade social e política que os cercam. Só há sentido falar em Direito “se”e “enquanto” continua a ser aceito socialmente, nunca fora do contexto social e político que lhe assegura validade, credibilidade e aceitação. Quando vem de fora para dentro, não é Direito, autoridade; como poder heterônomo, é imposição autoritária de uma determinada vontade. O Direito, pela lógica simples, deve expressar a vontade, as razões do grupo que o origina. Ao produzir a sociedade, o Homo faber - que aparece no Mito de Prometeu - produziu as primeiras formas jurídicas, aquele Direito com total validade social. Enfim, o que explica e justifica a criação do Estado pelo Homem?
Hipóteses Sobre a Origem do Estado
Veremos um total de 14 hipóteses com relação à origem do Estado, além das sugeridas por Hobbes e Vico, e da ideia de que o Estado surge para satisfazer a necessidade de sobrevivência dos indivíduos e dos grupos sociais, como analisadas em outro tópico. Com isso, não se quer dizer que estas sejam todas as hipóteses possíveis, mas sim que são hipóteses razoáveis, verificáveis – algumas, inclusive, nos dias atuais. Assim, passemos a analisar essas possibilidades.
1. Exploração econômica entre classes sociais divergentes
É a clássica concepção marxista, socialista acerca da Formação do Estado. Serve-nos como exemplo nossa própria realidade social, pois o Estado teria por finalidade assegurar que o Poder Econômico permanecesse concentrado nas mãos da classe dominante. Lembremo-nos de que, historicamente, não mais do que 1% (um por cento) da população detém mais de 50 % da renda nacional ou da riqueza produzida por todo o povo e que, ao contrário, os 50 % (cinquenta por cento) mais pobres não acumulam muito mais do que 5% (cinco por cento) da renda bruta. O Estado, portanto, nos serviria apenas para garantir essa desigualdade e essa extrema concentração de renda: “F. Oppenheimer [...] define todos os Estados conhecidos pelo fato da dominação de uma classe sobre a outra para fins de exploração econômica” (Balandier, 1969, p. 141). Em uma expressão clássica e consagrada, o Estado deve assegurar o domínio da burguesia sobre o proletariado.
2. Associação voluntária
Neste caso, é como se não houvesse grandes discussões de valores, opiniões divergentes quanto à natureza do Estado, com o povo chegando a um comum acordo sobre a institucionalização do Poder Político. Isso é comum à maioria das associações civis, mas também ilustra a chamada forma típica de organização do Estado. Pois, gradualmente, os grupos envolvidos vão chegando à conclusão de que o Estado ou é necessário ou lhes serviria adequadamente. Pode ser o caso concreto de associações de Estados menores para formar uma estrutura política destacada, a exemplo da transformação das confederações em Estados soberanos e autônomos, como a Confederação Helvética (que originou a Suíça) e os EUA (se bem que, neste caso, a base da Federação é a própria Revolução Americana).
3. Dominação de uma potência superior
Um Estado que existia até ontem e passou a ser dominado por uma potência e se criou outro Estado. A exemplo do ocorrido com a invasão americana ao Iraque, pois o Estado de Saddan Hussein não existe mais e, em seu lugar, o povo iraquiano edificou outra estrutura estatal. A eleição de uma Assembleia Constituinte, elaborando a primeira Constituição após a guerra é o primeiro passo, uma vez que a Constituição Federal traçar o perfil e a estrutura básica desse outro Estado iraquiano. Diz-se que, para saber como funciona um país (Estado), deve-se ler a sua Constituição. Em resumo: “R. Linton, por exemplo (...) encara essencialmente dois meios de construção dos Estados: a associação voluntária e a dominação imposta em razão de uma potência superior” (Balandier, 1969, p. 141).
4. Com conquista rápida ou insidiosa
Nesta modalidade de conquista, exclui-se toda capacidade de resistência, pois o objetivo é não dar chance alguma de defesa ao ofendido e assim ocupar seu território e conquistar seu povo. Novamente, vale o exemplo da ocupação do território iraquiano pelas forças americanas e aliadas, um processo que não levou mais do que poucas semanas, entre o desembarque e a chegada à periferia de Bagdá. Após esse tipo de ocupação e conquista, então, é que se inicia a formação do novo Estado, sobre os escombros da cultura anterior. Como diz Balandier (1969):
Os Estados podem vir a existir seja pela federação voluntária de duas ou mais tribos, seja pela subjugação de grupos fracos ou grupos mais poderosos, que acarreta a perda de sua autonomia política (...) R. Beals e H Hoijer consideram ainda, com menos reservas, que o direito exclusivo de recorrer legitimamente à força e à coerção – pelo qual se define o poder governamental – “só aparece com o Estado de conquista” (p. 142).
Vê-se que se trata de um Estado associado à coerção, como Estado de Conquista.
5. Quando há diferenciação não-igualitária entre os indivíduos
Se há uma diferenciação não-igualitária é porque pode haver uma diferenciação igualitária? Podemos ser diferentes em alguns aspectos, mas iguais em outros? É óbvio que sim, pois homens e mulheres são diferentes biologicamente, mas plenamente equiparados do ponto de vista jurídico (já na questão social, política e econômica, são profundamente desiguais). Os Estados que embainham em lutas de classes são típicos nesta análise: “R. Lowie [...] Observa ele que as condições internas bastam ‘para criar classes hereditárias ou aproximadamente hereditárias’ e, mais adiante, o Estado primitivo, e nota que os dois fatores principais – a diferenciação não igualitária e a conquista – ‘não são necessariamente incompatíveis” (Balandier, 1969, p. 142).
Na hipótese aventada, o Estado teria sido criado para garantir diferenças sociais, hierárquicas entre as pessoas, entre os sexos (de acordo com a conhecida divisão sexual do trabalho), mas também teria sido elaborado a fim de que as desigualdades (entre elas a econômica) fossem ainda mais acentuadas. O Estado deveria garantir privilégios e não direitos ou, então, dotar apenas alguns de amplos privilégios – em detrimento dos demais -, como acontecia nas monarquias e nas aristocracias. Aliás, está presente a ideia de dividir ou diferenciar para conquistar, bem como é a matriz explícita do clássico machismo patriarcal.
6. Quando há uma tendência natural para a organização dos Estados
Indica a possibilidade de que, naturalmente, alguns povos fossem conduzidos pela força da organização social a estruturar seus Estados, porque a complexidade social – em determinada fase de sua evolução – os levaria a isso. Talvez fosse o caso dos Astecas no México que, à época da chegada dos espanhóis, já possuíam uma intrincada organização social, adiantado nível de desenvolvimento tecnológico e imensa bagagem cultural – o que lhes permitiu construir aquedutos e beneficiar o povo com o saneamento básico. Um estágio social e cultural, portanto, muito mais desenvolvido do que Paris, por exemplo, que ainda despejava o esgoto no meio-fio das ruas. Agora, não há garantias de que os Astecas iriam construir um Estado como se via nos principais centros urbanos europeus. Se sua cultura tivesse tido a chance de prosperar, sem serem aniquilados talvez sim:
Numa época muito antiga e num meio muito primitivo, não era necessário romper os laços de parentesco para fundar um Estado político. Com efeito, ao mesmo tempo que a família e o clã durante um número incalculável de séculos existiram associações, como os ‘clubes’ masculinos, as classes de idade ou as organizações secretas, independentes do parentesco, que evoluíam por assim dizer numa esfera muito diferente da do grupo de parentesco e eram capazes de assumir facilmente um caráter político, quando não o apresentavam desde o seu aparecimento (Balandier, 1969, p. 143).
Em outro exemplo, muitas tribos africanas à época da colonização Europeia, contando com milhares de indivíduos, também indicam outra hipótese. Pois, teriam ou não evoluído suas sociedades para formas mais elaboradas de organização política, como o Estado? Nesta situação, o Estado poderia ter uma origem familiar, de base comum ou pelo menos que fosse semelhante à maioria dos casos.
7. Valorização de associações militares anteriores
O Estado teria sido reformado a partir de associações militares, ou seja, um grupo se organizou militarmente, em primeiro lugar, e com isso encontrou mais força ou meios objetivos para estruturar o novo Estado. Seria o caso de todos os grupos militares que têm êxito em sua empreitada e, como movimento, revolucionam as bases políticas precedentes. Há inúmeros exemplos, como Gengis Kam e a unificação da Mongólia, mas pode-se pensar na Revolução Cubana e na posterior construção do Estado socialista de Cuba.
8. Há predominância de hierarquias sociais: regime de castas
O Estado teria sido criado apenas e unicamente a fim de manter a estrutura social e cultural de acordo com as bases iniciais em que se deu a formação dessas sociedades. A estrutura de castas, como ainda se vê na Índia, sem que haja nenhuma possibilidade de mudança social mais profunda, restrita à mobilidade horizontal, em que os membros das castas inferiores não chegam a ocupar posição relevante nas castas superiores é um exemplo bastante concreto. A nota seguinte resume este sentido:
Lowie, portanto, deve apelar para fatores menos extensamente distribuídos [...] Alguns de ordem interna: a valorização das associações militares, ainda que seja apenas de caráter sazonal, como no caso dos índios cheyennes; a predominância das hierarquias instauradas segundo a posição; como nas sociedades polinesianas; a presença de personagens vigorosamente sacralizados, que fundam uma autocracia associando ao seu empreendimento a ‘auréola do sobrenatural’ (Balandier, 1969, p. 143).
A função do Estado, nesta perspectiva, restringe-se à opressão social e cultural. Destacam-se, portanto, os fatores internos, tal qual as necessidades primárias.
9. Pode haver desenvolvimento interno ou regional
Uma situação com características particulares, em determinadas condições históricas e geográficas, teriam estimulado um povo em especial a construir uma razoável estrutura política à sombra do Estado. Pensemos na China e na enorme exposição do povo e da sociedade aos seus inúmeros vizinhos (como os Mongóis – um povo sabidamente guerreiro):
M. Fried sugere que se diferenciem nitidamente os Estados primários dos Estados secundários ou derivados. Os primeiros são os que se puderam formar, graças a um desenvolvimento interno ou regional, sem a intervenção do estímulo de outras formações estatais preexistentes; são os menos numerosos: os do vale do Nilo e da Mesopotâmia – centros das mais antigas sociedades de Estado -, os da China, do Peru e do México (Balandier, 1969, p. 144).
Nessas condições, em que até a geografia favorecia os contatos (amigáveis, mas também hostis), os chineses encontraram uma solução eficaz à sua defesa. Monumental como sua cultura e território, os chineses construíram as grandes Muralhas da China para se defenderem – as muralhas que, a essa altura, já circundavam o Estado Chinês. Neste sentido, as Muralhas da China também são uma oferenda ao Estado[6]– pois nunca se viu um Estado tão fortificado quanto este. Por isso, também seriam chamados de Estados Primários (ou primeiros ou primitivos).
10. Quando há secessão ou desmembramento (violento ou pacifico)
Os exemplos são variados, mas pode-se ter em mente a regra básica de que, em virtude da guerra civil, fragmentou-se e se dissolveu a estrutura e a organização social antiga para se formar um outro Estado. A exemplo da ex-Tchecoslováquia que virou República Theca e Eslováquia, e que indicam uma fragmentação pacífica, assim como a ex-URSS. São exemplos singulares a República da Irlanda (Eire), o Estado do Vaticano, o Estado de Israel[7]. Já a antiga Iugoslávia sofreu com a terrível guerra civil até se repartir em Estados menores, como Sérvia, Croácia, Bósnia – indicando um desmembramento violento até a total dissolução do antigo Estado. No início da dissolução, ainda havia um pequeno território designado como Iugoslávia, mas em seguida este território se dissolveu por completo, de forma que não mais existe o território da Iugolsávia. No Brasil, tivemos a tentativa da Guerra dos Farrapos ou Farroupilha. Para alguns autores, no fundo, os fatores essenciais se resumem a quatro:
Examinando o caso dos reinos e impérios africanos, H. Lewis identifica alguns dos processos que contribuíram, de maneira induzida, para a sua constituição: 1) a conquista, rápida ou insidiosa, que opera em detrimento de unidades políticas enfraquecidas (reinos da região interlacustre na África oriental); 2) a guerra, que provoca, pelo jogo das vitórias e derrotas, nova divisão política (Gala, na Etiópia); 3) a secessão, resultante da ambição dos agentes locais do poder central (Mossi) ou da revolta contra o tributo (Daomé); 4) a submissão voluntária a um poder estrangeiro considerado eficaz (Shambala, na Tanzânia) (Balandier, 1969, p. 144).
11. Por submissão voluntária surge um outro Estado
Isto ocorre quando um povo abre mão de sua soberania (não necessariamente de seu território e nem de toda a autonomia) para fazer parte de outro Estado, teoricamente, mais forte ou desenvolvido. É o caso patente de Porto Rico.
12. Quando há heterogeneidade étnica ou há culturas diferentes
A exemplo da Confederação Helvética, em que se reuniram muitos grupos ou tribos, e do que resultou o Estado da Suíça. Cada região ainda hoje tem um dialeto próprio e ainda que estejam submetidos ao Estado central, mantém certa autonomia ao planejarem e executarem a democracia direta nos chamados cantões.
13. Um dos grupos é mais organizado e se opõe aos demais
Como se vários grupos ou várias famílias de uma mesma região, com o mesmo status, convivessem em determinado espaço até que uma delas (por algum motivo) se destacasse e conduzisse à formação do Estado. Podemos tomar o exemplo do Estado Romano, tendo por base e origem as famílias patriarcais.
14. Um dos grupos tem líderes carismáticos e servem como modelo
Lembrando-se que o carisma advém de uma ascendência religiosa e que a reverência popular se dá em função desse líder ser considerado um messias ou aquele que traz a verdade, a luz, o caminho da verdade:
Uma variante das interpretações que se poderiam dizer relacionais, da gênese dos Estados Primitivos, é proposta por A. Southall, que encara a heterogeneidade étnica e cultural, num quadro regional, como condição propícia à realização do processo. A interação de etnias diversificadas, de estruturas sociais contrastadas, as predispõe a ajustar-se numa estrutura de dominação/subordinação além da qual as formas do poder estatal tem a possibilidade de se constituir. Segundo Southall, duas circunstâncias são favoráveis a essa evolução. Um dos grupos em presença já possui uma organização política eficaz em grande escala; dispõe dos meios que permitem organizar politicamente um espaço ampliado e acaba impondo sua supremacia às microsociedades com as quais se acha em relação. Um dos grupos encerra líderes de tipo carismático, e estes se tornam os chefes solicitados pelas sociedades vizinhas ou ‘modelos’ pelos quais elas organizam o poder interno, subordinando-o. Num caso é a competência a dirigir um espaço político ampliado, no outro é a qualidade do líder que possibilita o estabelecimento de uma estrutura de dominação. Estaria, então, formado o germe estatal (Balandier, 1969, p. 145).
Portanto, o líder carismático nada tem de populista, como estamos habituados a ver no Ocidente e no Brasil.Pode-se reler a história de messias como Maomé e Moisés ou a trajetória dos vários Aiatolás. Para alguns, obtém-se o mesmo efeito com Dalai Lama. A maioria dos Estados teocráticos tem essa forte presença de líderes carismáticos. ainda vemos que há uma nítida competência cognitiva para organizar e para liderar, na forma de Estados baseados na dominação tradicional e carismática (M. Weber). Por fim, restariam formas mais fortuitas, impuras, muito ocasionais, sem referências tradicionais que a literatura especializada pudesse apontar com mais constância.
Formações Típicas e Atípicas do Estado
Além do que viemos analisando, ainda pode-se dizer que há formação de Estados seguindo fórmulas típicas e atípicas (Dallari, 2000).
Aqui temos a união de Estados ou o desenvolvimento posterior de certa sociedade, até atingir a forma de uma Federação, a exemplo dos EUA. De certo modo, também pode ser por desdobramento ou derivação de um Estado anterior, a diferença é que, neste caso, a origem do novo Estado será o Estado antecedente e não propriamente a associação voluntária entre pessoas e grupos. Vemos facilmente que há maior constância de fatores observáveis, e que os casos são mais rotineiros. Portanto, há maior possibilidade dessas formas de Estados se desenvolverem.
Já as formas atípicas, como o próprio nome diz, não são comuns e nem o desdobramento das funções públicas desses Estados é rotineira ou facilmente catalogada. Temos como exemplos diretos os casos do Estado de Israel e do Estado do Vaticano: ambos com a 2ª Guerra como cenário político.
Desse modo, de posse dos elementos, das teorias e de algumas hipóteses sobre a formação do Estado, agora podemos analisar os principais tipos históricos de Estados e de suas respectivas civilizações.
Bibliografia Básica:
BALANDIER, Georges. Antropologia Política. São Paulo : Difusão Européia do Livro & Editora da Universidade de São Paulo, 1969, pp. 141-146.
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 4ª ed. Brasília-DF : Editora da UNB, 1985.
______ Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.
CARTLEDGE, Paul. O poder e o Estado. IN : Cartledge (org.). História Ilustrada da Grécia antiga. Rio de Janeiro : Ediouro, 2002, pp 202-237.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9ª ed. Rio de Janeiro : Editora Civilização Brasileira, 1984.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. 3ª ed. Coimbra-Portugal : Coimbra Editora, 2000.
VICO, Giambattista. A Ciência Nova. Rio de Janeiro : Record, 1999.
WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia. São Paulo : Companhia das Letras, 1986.
[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Antropologia Política seria a expressão mais correta e poderia ser simplificada como o ramo da Antropologia que se detém a analisar as formas iniciais, fundacionais do poder (social), e como área em que se destaca o Poder Político assegurado pela estrutura do Estado.
[3]São regras formalizadas porque seguem uma forma, uma maneira recorrente de serem tratadas, além de um ritual que envolve tanto sua produção quanto sua execução.
[4]Imortalizado pelo Mito de Prometeu, o Homo faber promoveu a transformação do homem selvagem em ser social.
[5]No caso brasileiro, o Direito é postulado pelo Estado – entendendo-se o Direito agora simplificadamente como “conjunto de normas sociais dotadas de coerção”. Mesmo que nem todo o Direito seja produzido pelo Estado, de alguma forma todo o Direito deverá receber sua autenticação ou reconhecimento estatal, quer seja como chancela premial, quer seja como ação punitiva.
[6]Equiparada talvez às muralhas que protegiam Tróia, diante das forças militares esmagadoras da Grécia antiga. Este caso ainda envolto muito mais em mitologia do que em indicações históricas e ainda que existam indícios, como pinturas da época, sinalizadores.
[7]Com territórios cedidos, desmembrados do antigo espaço geográfico a que se vinvulavam.
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