Terça-feira, 15 de janeiro de 2019 - 15h58
Mas, qual é o direito
que vem do berço?
Há
uma sensação que me incomoda e a muita gente. Numa expressão, diria que é a
Idiocracia. Não vou traduzir ao pé da letra o que vejo nesta nomenclatura de
poder, exatamente para que, quem me lê possa tirar suas próprias conclusões.
Como
muitos, procuro entender melhor o que se passa à minha volta e comigo, desde 2013-2016.
Além dos fatos políticos conhecidos por todas e todos, esta data foi um marco
porque comecei a me separar de pessoas que, a par de muitos momentos de
convivência, até mesmo na infância, em um determinado ponto da tangente
política passaram a ser impossíveis de se manter no mesmo espaço.
E
darei um exemplo, para depois fazer uma espécie de autoanálise mental, psíquica
(se é que posso dizer assim). O fator decisivo em 2016 foi o Golpe de Estado,
contudo, o fato que desencadeou meu apartamento do convívio de alguns foi um vídeo
que me enviaram no WhatsApp.
Não
se preocupem que não costumo culpar o mensageiro – e, neste caso, menos a
mensagem do que o emissor. O vídeo trazia um gorila amestrado dando um soco
numa moça, pelas costas, simplesmente porque usava uma camiseta vermelha.
No
mesmo dia fui ao banco de camisa rosa. E, desde então, sempre fiz a mesma
pergunta: qual é o direito que cabe quando não se respeita direito algum, a
começar pelos básicos, aqueles que aprendemos no berço?
No
entanto, na mesma hora, antes de sair de casa, escrevi um famoso textão para
quem me enviou o conteúdo de sua própria covardia. Hoje, revendo o ocorrido, e
meio sem conseguir dormir, penso que cheguei (ao menos) ao início de uma
conclusão.
Para
mim, o vídeo foi uma demarcação do fascismo. E qual seria a diferença em
relação ao passado, uma vez que os tais fascistas sempre estiveram por aqui? A
diferença é que, no passado não muito longínquo, a Política era o intermédio de
nossas relações sociais.
Explico
melhor: desde sempre, fomos obrigados a conviver com os tipos sociais mais
diferentes e até estranhos, com muitas cores políticas e ideológicas. Ao longo
da vida conheci e em alguns casos convivi com tipos quem nem convém descrever
muito, porque ainda estão por aí.
Num
dos casos, no ambiente da Polis, lembro-me de ter conversado, por horas, com o
autor de um livro em favor da Pena de Antecipação da Morte: que é o nome
técnico adequado. O diálogo (retórico) sempre esteve pautado pela lógica dos
argumentos e das críticas.
Meu
adversário, devo dizer, era profundamente estruturado. Lúcido à sua maneira,
manteve-se absolutamente educado e gentil em rebater meus argumentos. Depois
disso até fui estudar mais a fundo o mesmo assunto.
Entretanto,
o que quero acentuar com este exemplo é que, este senhor – eu era bem jovem,
recém-formado e idealista, e ele já aposentado – representa muito bem o que
hoje nós chamamos de extrema-direita. (Não esquecer que sempre respeitou o
espaço do contraditório).
Sendo
assim, o que mudou?
Mudou
que, mesmo com diferenças absurdas, um abismo entre nós, nos mantivemos na
arena da Política. E quando se está na Política prevalece a “força das ideias”
– como ensinou Florestan Fernandes. Ao sairmos deste cenário, enlameados pelo
fascismo (lembrar do vídeo com o soco traiçoeiro na jovem indefesa), aderimos à
“ideia da força”.
No
meu sentimentalismo de hoje, tenho que, diante de alguém que defendeu a
eliminação física de outro ser humano, entre nós estabeleceu-se uma clara e
evidente linha divisória: nossas diferenças eram grandes no começo da conversa
e ficaram enormes no final. Mas, sempre respeitosa.
Mesmo
no abismo, nem por isso ele quis me eliminar (fisicamente) e nem eu a ele – a
não ser pelo jogo da retórica. Ninguém que entra num debate desses quer ceder
um milímetro a seu debatedor e adversário. E que ninguém se iluda, a Política
não é para santos.
São
posições, visões de mundo, que não sobrevivem uma a outra: são antitéticas,
opostas, contraditórias, excludentes, antagônicas. (Mas, nunca desejamos o mal
ao outro). Na Política ninguém quer convencer, todos querem vencer. Não há
pódio para o segundo colocado.
No
fascismo, que substituiu a arena política por um ringue de Pit Bulls (vídeo do
soco covarde), não há mais diferenças, divergências. No fascismo há desejos
primários, bárbaros, como o ódio que cresce nos dois lados da luta. Confesso
que, no mínimo, desejo que muitos desses gorilas amestrados sejam enjaulados nos
piores presídios nacionais. E eles, com certeza, desejam minha cabeça numa
bandeja.
Enfim,
indiferente às diferenças e divergências políticas, no fascismo cresce apenas a
distância. Os discursos são incompreensíveis para os dois lados.
Fascistas
e antifascistas falam dialetos marcianos, num diálogo de surdos-mudos sem
domínio de Libras. Além disso, aumenta a clivagem, a distância mental, moral, vibratória,
das pessoas. Até que a distância física seja o mais recomendável.
Muitos
ainda dizem que a relação emocional, típica de parentesco, piora as coisas. De
minha parte, confirmo e concordo, e me arrisco a pensar que isto não se junta
mais. Muitos desses, hoje sem a carapaça – que até foi de hipocrisia em muitas
ocasiões –, terão que prestar contas à história, logo após serem desmentidos
pela realidade.
Por isso, dá para dizer que o
fascismo cresce onde termina a Política. Também dá para dizer que sem o direito
que nasce no berço, não há Política alguma que resista. Sem educação básica,
não há convivência.
Concluindo
pela fórmula, neste momento sintetizaria assim: na Política vigoram as
diferenças e as divergências da diversidade; no fascismo, só cresce a distância
com as adversidades. Na Política há adversários (e pode haver inimigos);
contudo, no fascismo só há amigos e inimigos. Inclusive, trata-se de uma distância
tão grande que alguns cairão na borda da Terra Plana. Portanto, aqui jaz a Política,
e mesmo que o mundo dê voltas, não há ataduras que nos tragam para o mesmo raio
de ação.
*Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor
Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd
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