Sábado, 8 de março de 2014 - 18h06
No Brasil, o machismo convive com o racismo – e não têm nada de latente, são absolutamente expressos, declarados ou descarados, sobretudo se confrontados com a violência que lhes é peculiar. Mas, é inacreditável que depois de tanta luta, já dispondo de instrumentos legais suficientes, ainda tenhamos de observar, chocados, essas ações de extremo descrédito cultural. O que pode explicar tanto racismo e machismo atualmente? Além de condições especiais, a exemplo do substrato cultural que advém da escravidão, desde a África colonizada no Renascimento, esses crimes de intolerância também se refletem na homofobia, contra os idosos (que formam filas nos bancos), no menosprezo aos deficientes e no abuso moral/sexual de crianças e de adolescentes, na violência do machismo imbecil que mata milhares de mulheres todo ano no Brasil e da forma mais covarde e torpe.
Acontece que, apesar de todo avanço simbólico na doutrina dos direitos humanos e no direito internacional conservacionista da igualdade básica, da isonomia legal e da equidade moral e jurídica, a cultura sofre de um processo de embrutecimento. Em certos casos, como no acréscimo da violência, pode-se dizer que há um retrocesso civilizatório. Hoje, mais do que ontem, as grandes verdades e os grandes valores são coisificados pelo capital, pela ânsia de enriquecer e que torna todas as pessoas quantificáveis. Você vale o quanto é capaz de gerar. Ninguém vale por ser humano, mas sim como ser humano que gera riqueza e que agrega valor econômico ao capital investido. Isto aniquila a vaga noção que se tenha da dignidade humana.
Na melhor filosofia do Humanismo que ainda hoje embala o Positivismo Jurídico, o filósofo Imannuel Kant (em A Metafísica dos Costumes) define o alcance da Dignidade: “todos os bens podem ser quantificados e comparados, em equivalência, a outros bens semelhantes em valor quantitativo”. Adignidade é o valor de tudo aquilo que não tem preço ou que não pode ser substituído por outro equivalente; a vida do ser humano não pode ser reposta ou substituída por outrem (porque o ser humano é uma totalidade única); o ser humano qualificado moralmente/juridicamente não é passível de substituição.
Quanto ao machismo, ocorre, na prática, que a mulher ganhou o mercado de trabalho, provou que é mais inteligente e compromissada com a honestidade do que a maioria dos homens. Negros e deficientes ganharam legislações protetivas (como discrímen legal) e também retiraram uma parcela do status que antes era exclusiva ao homem branco mediano. Este homem branco mediano entrou, portanto, em choque e em conflito consigo e com a cobrança cultural machista – a que lhe disse que era melhor do que os outros.
Pois bem, o homem médio aprendeu na prática e em parte pelo avanço do processo civilizatório, aqui representado pela crescente proteção jurídica à equidade moral/social, que não é melhor do que ninguém. Na verdade, o homem médio aprendeu com grande sofrimento pessoal que os negros, as mulheres, os idosos e os homossexuais (e tantas outras minorias) podem ser ainda mais produtivos do que ele: o aproveitamento escolar da mulher já supera o dos homens. Fato é que as minorias, a começar das mulheres, são obrigadas a se preparar em dobro, a fim de permanecerem vivos no mercado de produção da vida social.
O homem médio aprendeu ou descobriu (nem sempre da melhor forma) que ele é apenas, mediamente, razoável. Aprendeu, muitas vezes perdendo a chefia, o comando ou o próprio emprego, que todos aqueles que ele julgava inferiores (dada esta cultura de megalodonte machista) são, no mínimo, tão bons (ou melhores) do que ele poderia supor em sua vã consciência de preconceitos. É preciso entender que esse conflito não é apenas cultural/moral, é muito real, de ordem econômica, implicando na perda de condições econômicas e de poder. O que o homem médio sabe fazer além de reagir cruamente diante do desemprego e da facilidade de sua companheira em interagir e ganhar cada vez mais espaço? Reage com violência.
Na sociedade moderna, por essas e muitas outras razões, o homem mediano perdeu poder e não sabe como reagir diante da impotência. Aliás, seu sentimento de perda de poder, de mando, é semelhante ao medo estrondoso da impotência sexual. O homem médio só aprendeu a ver o poder na relação que mantém com o mundo a partir do seu “falo”. Para ele que, medianamente, apenas sente os efeitos sem verificar as causas insurgentes, o poder é atrelado à sua virilidade. Esta é uma lição básica da Teoria Política, mas que na prática deixou o homem mediano incapacitado e impotente: “Se sou incapaz, vou acabar com tudo isso de uma vez”; “se não está comigo, porque sou impotente, não estará com mais ninguém”.
O homem não foi criado para perder o poder; ao contrário, a natureza biológica, a cultura da sobrevivência que exibiam e exigiam superioridade física ensinaram aos homens que deveriam estar no comando. De milhares de anos para cá, muita coisa mudou e a mais drástica das mudanças é a retirada do controle do poder. O poder, atualmente, é indiferente ao sexo, é ambidestro, obedece a um rizoma novo de contingentes globais. Contudo, o homem médio não é capaz de entender isso, não foi preparado para tanto. Sua família, sua escola eram machistas demais, centralizadoras e superficiais a ponto de não lhe ensinarem que ele, homem, é muito mais do um falo – viril ou não. A vida social precisa de virilidade, mas como determinação para se viver socialmente. É preciso ser bastante homem para respeitar as mulheres.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências e em Direito. Jornalista.
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de