Domingo, 24 de fevereiro de 2013 - 00h40
Ser moderno é estar presente, como diz a letra da música do Engenheiros do Hawaii:
“O Papa é Pop!
O Pop não poupa ninguém”
Isto também queria expressar o empresário, pintor e cineasta estadunidense Andy Warhol (1928-1987). O ícone da pop art inaugurou o eterno debate acerca da modernidade ser ou não-ser arte. Como modernista não seria decente deixar de celebrar Marilyn e a coca-cola:
Aliás, a mesma coca-cola que enfeitiçou Che Guevara:
A arte e o mundo modernos sao feitos de imagens.
A própria razão é um feito da imagem.
Assim, a razão imagética ignora o que nao pode ser visto/tido.
Na modernidade impera a regra de São Tomé: ver para crer.
O curioso é que deveria ser “valer para crer”.
Afinal, como é que se crê em algo sem valor?
Em suma, os valores da modernidade não exigem reflexões.
Que valor há no que não se presta ao consumo?
Por isso, só vale o que se vê[1].
No fundo, antes dele, o pensador perseguido pelo nazismo Walter Benjamin (1996) já dizia que poucas obras serão de fato consideradas como arte; vivemos sob a era da reprodutibilidade técnica em que a arte perdeu sua aura. Hoje, com um menor rigor analítico – pois nada parece ter qualquer sombra de aura – talvez se diga que a arte está ao gosto do freguês – isso mesmo, porque arte que se presta tem que ser vendida - e cara! Lembro-me de uma obra de artista sem grande renome em que se expunha a grandeza épica do período do Neolítico – quando o homem combinou técnica, arte e política.
Como faziam esses vasos, sem nenhuma tecnologia?
Foi um período tão prodigioso que logo depois a Humanidade criaria os primeiros Estados, no Vale do Ür (atual Iraque), com os Sumérios.
A fundação das cidades permitiria aos Sumérios lançar as fundações da política
Sou aparvalhado pelo Neolítico, assim como Levi-Strauss em Pensamento Selvagem (1989), mas naquele dia nao tinha a grana necessária para adquirir a instalação. Poucos veriam ali uma obra de arte, mas para mim era como o neolítico, estava além da arte e da política. Nao ter comprado me marcou com uma frustração que tenho ainda hoje.
Em todo caso, uma das poucas coisas que aprendi com a modernidade é que não há lugar para os preconceitos e isto se reflete, de certo modo, nessa capacidade infinita de associar o passado mais longínquo com o futurismo que bate à porta.
A modernidade não é algo simples de se definir. Aliás, esta é uma das exceções quando se alega que a complexidade não é sinônimo de dificuldade. Neste caso, a complexidade de seus componentes, as mudanças estruturais históricas, torna o assunto difícil de ser decifrado. Apenas muito parcialmente é que se pode dizer que a modernidade é um estilo de vida iniciado no Iluminismo, uma construção social do mundo burguês, pondo fim a toda forma de contemplação desinteressada dos assuntos da vida. Alguém diria que se trata da construção do realismo político frente à metafísica.
Em todo caso, a renúncia do Papa, ao menos em um aspecto, rearticulou o passado e o presente, o antigo e o novo, as tradições e a modernidade. Como se sabe, haverá um conclave para a escolha do novo Papa e este momento é cercado de um ritual e liturgia incomparáveis na vida moderna, consumida pela pressa, pelo tecnicismo e consumo globalizado. O conclave (quer dizer com chave, fechado, de portas fechadas, sem exposição ao público) tem por função principal preservar esta escolha dos olhos mundanos e de suas implicações. O Papa representa Deus na Terra e sua escolha é santa, deve ser pura, isolada dos leigos e/ou infiéis. Não sei e não vou procurar saber, ao menos agora, se a razão política é esta mesma ou outra, como é comum ocorrer com toda opção/escolha política.
Em outro aspecto, a escolha do Papa também religará passado e presente. O próprio Papa foi quem abriu sua agenda para a modernidade, ao contrair uma conta no twitter (@pontifex):
“Queridos amigos, estou contente por estar em contacto convosco pelo Twitter. Obrigado pela vossa resposta generosa. Eu vos abençoo a todos” (primeira mensagem do Papa).
Agora, diante do conclave (com sete chaves), a Igreja quer restringir a comunicação com o mundo moderno. Não deixa de ser curioso, na verdade nunca imaginei em minha vida que um dia fosse repercutir a notícia de que os bispos presentes ao conclave que twitarem serão punidos.
O mais estranho é a pena gravíssima de excomunhão[2]aos bispos twiteiros. Uma ironia, sem dúvida, pois os punidos serão demandados diretamente do mundo pós-moderno para a Idade Média, quando a metafísica ditava quem podia ou não se comunicar com o mundo.
Tento ser um homem do meu tempo, ainda que me resguarde o direito de não ser obrigado a conviver e consumir todas as besteiras que se colocam como regra para a maioria. Já pesquisei muito sobre tecnologia, mas isso faz dez anos e meu objetivo era extrair um componente político da realidade maquínica que se abria com a era das redes sociais. Hoje é fácil, diria que é óbvio demais, falar das redes sociais de comunicação, mas, há dez anos, era falar do mundo moderno. Lembro-me que na defesa da tese de doutorado alguém me acusou de levar modernices para a academia. Felizmente, minha orientadora, Prof.a. Maria Victoria Benevides, resolveu o impasse metafísico com imensa generosidade intelectual, pois sempre esteve atenta à modernidade. Quem imaginaria que a pós-modernidade levaria um quase-papa (todo arcebispo no conclave é papável) a ser excomungado, excluído do mundo? Só por Deus! – como se diz por aí.
Bibliografia
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. IN : Obras Escolhidas. São Paulo : Brasiliense, 1996.
LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. Campinas, SP : Papirus, 1989.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]http://jus.com.br/revista/texto/23782/para-uma-teoria-do-estado-pos-moderno-a-razao-politica-no-entendimento-do-direito
[2]http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1235570-cardeal-que-tuitar-no-conclave-sera-punido.shtml.
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