Domingo, 12 de maio de 2013 - 10h02
Talvez realmente seja uma missão impossível redigir um manual de Ciência Política e de Teorias do Estado que o povo consiga acompanhar. A dificuldade, todavia, não está na linguagem, mas sim na capacidade do autor explicar que nem tudo que ele lê, de fato ocorre e, ao contrário, que nem tudo que ocorre, deveria ser como é.
Costuma-se dizer que, se na prática a teoria é outra, é porque a teoria está errada, ou seja, uma explicação que não encontra suporte na realidade dos fatos parece inconclusa, desprovida de realismo, longe da verdade dos fatos. Em política, sobretudo nas instituições políticas brasileiras (e na América Latina), comumente se vê o oposto: a realidade é outra porque até mesmo os conceitos foram deturpados e o que se critica como política, em suma, é a corrupção da política. Neste caso, portanto, a teoria está correta, apenas estamos analisando pelo lado do avesso, incapacitados de compreender pela inversão provocada no fenômeno. Infelizmente, habituou-se tomar a corrupção institucional e conceitual como se fora o recurso normal, validável e ainda se quer adequar a teoria política a este efeito perverso da realidade política nacional. O inescrupuloso, inclusive, apoiaria, pois ainda teria o apoio de uma teoria política do cinismo.
O Poder Político é o poder de comando, de governo; é o poder como formulação, exercício e controle da soberania política. Quando olhamos a realidade brasileira e da América Latina, entretanto, toda a construção epistemológica – de entendimento e suporte racional das principais instituições políticas – parece ruir sem lógica. Toda a orquestração inteligente, arquitetada com coerência e sintonia, que deveria surgir da análise dos instrumentos que suportam o Poder Político se desmorona. No lugar do entendimento surge uma tremenda confusão e desordem institucional, pois aqui teoria política na prática é outra. Na vida comum do homem médio, os instrumentos do poder não servem ao povo, mas sim ao próprio poder. E é isto que confunde até os iniciados na análise do poder, do direito e da teoria política.
Poder Político
Originariamente, a Antropologia Política nos mostra que o poder político poderia ser de um grupo oude uma assembleia, a exemplo dos conselhos de anciãos que orientam as ações de seus representantes, desde as gens, ou entre os índios, até as modernas assembléias legislativas. Outra estrutura do Poder Político é o encargo do soberano, mais comum ante a longeva história do abuso de poder, está no uso que fazia o rei ("o Estado sou eu" –lembremos deLuís XIV, na França), ou então o Estado atual, em que se dividem as funções de gestão política.O Poder Político organizado na forma estatal, portanto, seria uma variável dentre várias.
Para nós que vivemos na América Latina, resta a dúvida de que só o Executivo parece ser um poder de fato e talvez não passe mesmo de nomenclatura, pois soberano é quem manda, ou seja, quem destina o dinheiro, as forças políticas e os recursos da máquina administrativa. Talvez o Estado Capitalista seja mesmo apenas um engodo e esta divisão de poderes não passe de fantasia ou ideologia liberal.Contudo, temos de diferenciar nossas premissas – se faremos uma análise como se vê desde Montesquieu e então temos três poderes que se completam mais ou menos harmonicamente. Pensemos em Estados definidos, organizados, como Suíça, Áustria, Alemanha e no papel desempenhado pelo Tribunal Constitucional.
Neste caso, a soberania é uma só, é una, e será o poder repartido apenas como forma de controle interno exercido sobre o próprio poder. A soberania é prevista nas constituições modernas como pertencentes ao povo de cada país, sendo manifesta por meio da democracia direta, a exemplo dos Cantões suíços, ou em determinados momentos, nos plebiscitos e referendos, como visto no Brasil, ou então por meio de uma assembléia legislativa. Isto constitui a soberania popular. Em todo caso, a divisão dos poderes nada mais fez do que avançar a chamada soberania legislativa (Parlamento) como forma de se restringir, punir os possíveis abusos de poder cometidos pelo Executivo. A divisão de poderes, entretanto, serve para inibir, impedir que também o Legislativo cometa desvios (forjando emendas constitucionais contra o Judiciário, numa espécie de ditadura legislativa) ou, então, para que o Judiciário não se arvore em legislador (uma das críticas assumidas por causa da crescente judicialização da política, no exemplo do mensalão – mas, onde está a ilegalidade do julgamento do mensalão?).
Historicamente, a ação do Parlamento, contra um Executivo muito forte (dotado de toda a soberania), coincide com o surgimento do Estado Liberal – Locke já falava de uma divisão de poderes, em que o Judiciário decorreria do Legislativo. Mas antes dele, desde o Rei João Sem Terra ou com a lei de Habeas corpus, e os demais direitos civis, o próprio direito foi utilizado como instrumento de garantia da divisão dos poderes e como forma eficaz de seu controle. Desse modo, há uma divisão de poder sim, porque o Executivo desde então não pode tudo ou contra todos, precisa barganhar suas ações com os outros poderes e ainda zelar pela legitimidade e legalidade de suas ações. Mas, também se trata de uma divisão de funções – e não propriamente de poder – se pensarmos que o poder de mando, nas democracias liberais, pertence ao povo (com os efeitos da soberania popular).
A soberania depositada no Poder Político, juridicamente, pode ser vista na extensão do poder erga omnes acumulado na lei. É o direito que exerce a “coerção contra todos” e não o Poder Político. Neste sentido, a soberania pertence ao direito e não ao Executivo ou ao Legislativo. E nem mesmo pertence a soberania ao Judiciário, que tem apenas a função de intérprete legal. O Poder Político pode até ser a fonte do direito, porém, a partir da fase de superação do modelo de Estado Absolutista (em que a soberania é do Soberano: rei ou órgão de poder) e desde que haja autocontrole do poder, não pode o Estado criar o antidireito em nome de sua soberania legislativa. Esta é uma das restrições ao Poder Político enfeixado no soberano que vem sendo articulada desde o século XIX: não pode o Estado criar um antidireito que desobrigue o poder e permita-lhe agir como de interesse de poucos; não pode o Estado formular uma desculpa legal que torne sinônimos o governo (como função transitória de poder) e o próprio Estado (como entidade meio de estabilidade política e institucional). Uma das garantias do Estado de Direito é exatamente a divisão dos poderes e a garantia de que nenhum dos três poderes utilizar-se-á do Estado contra a sociedade e seus cidadãos.
Brasil e América Latina
No Brasil, pela série histórica de desvios, de desmandos e de abusos de fato e de poder, do Executivo sobre os demais poderes, às vezes até duvidamos de que existam outros poderes (o AI-5 da ditadura militar, de 1967, de triste lembrança, é um exemplo marcante, assim como o Estado Novo, de Getúlio Vargas). Ou, recentemente, com os exemplos da PEC 37, que limita a capacidade investigativa do Ministério Público, beneficiando a corrupção política e de outra quesubmete decisões do Supremo Tribunal Federal para análise final e possível alteração pelo Congresso Nacional (PEC 33). A soberana decisão do STF perderia validade jurídica em todo seu conteúdo; em razão de interesses políticos partidários ou de grupos de pressão, seria criado um direito que se adéqüe aos interesses do governo de plantão e não ao Estado e ao povo. Este é um exemplo de ditadura legislativa e infelizmente foi dado pelo Brasil – o nazismo, ao criar a Lei de Plenos Poderes, encontraria no Legislativo brasileiro uma ressonância em estrutura legal.
Na Argentina, parte do conselho superior da magistratura será eleita – em atitude eleitoreira, populista – e também terá efeitos semelhantes ao que se ameaça criar no Brasil. No mesmo contexto dos abusos de poder ou golpes contra a ordem jurídica democrática, a Constituição do Paraguai prevê o impeachment, mas não exatamente em toque de caixa. No dia 22 de junho de 2012 o presidente Fernando Lugo foi destituído do cargo, condenado por “mau desempenho”, em processo de impeachment que durou 36 horas. A Bolívia, desde sua independência em 1825, recebeu cerca de 150 tentativas de golpes de Estado ou tomadas de poder não constitucionais, como se tivesse um presidente eleito a cada 14 meses. Em 1979, o país teve três presidentes. Entre 1978 e 1982 foram nove dirigentes.
Isto ocorre porque a democracia sempre foi tímida na América Latina, seja em governos de direita ou de esquerda; a politização das lides políticas nunca foi regida pacificamente, porque o Executivo sempre decretou variados tipos de golpes contras as instituições democráticas e populares.
Porém, quando mais uma vez olha-se para a história política da Humanidade vemos outras construções que não são apenas simbólicas, mas realmente recursais da divisão de poderes. Veja-se a força instituída ao Legislativo nos países parlamentaristas (repartindo-se o Executivo em dois: com Chefe de Estado e Chefe de Governo, separadamente) ou a força decisiva/descritiva do poder, assumida pela Suprema Corte nos EUA. Mesmo as leis de exceção, aprovadas após o 11/09, tiveram de ser chanceladas, interpretadas pelo Judiciário. A Suprema Corte não analisou, por exemplo, se a quinta emenda terá sua ação restringida por tais leis. E enquanto isso não ocorre as leis de exceção merecem debate jurídico, lá e aqui. Estas são formas efetivas, reais de se ver/pensar a soberania popular que se equilibra na divisão dos poderes, ora se fortalecendo o Parlamento, ora vertendo-se sob a ação independente do Poder Judiciário.
Desse modo, se a teoria pode e deve ser melhorada é porque não está errada, isto é, a teoria política prevê a perfectibidade, um ajustamento com o melhor dever-ser do poder e não é uma mera ideologia (um falseamento, encobrimento dos sentidos que impede a apreensão mais adequada do fenômeno social); ocorre, então, que a prática deve ser convulsionada por uma análise crítica. Na prática, a teoria está ajustada a uma realidade funcional e não exatamente preparada para atuar na sua deformação; em tese, a prática corrompeu todos os laços com o intuito organizativo da sociedade (como poder social) e do Estado (como Poder Político).
Por fim, pode-se dizer que a soberania é única, com o Estado regulado pelo direito; Estado este que não pode atuar contra as normas de contenção do próprio poder (criando o antidireito para anular as regras democrática de autocontrole do Poder Político) e nem contra a sociedade e seus cidadãos. Para facilitar essa tarefa, há a divisão de poderes, a fim de que a soberania não converta as prerrogativas do Executivo – o poder que manipula concretamente os recursos políticos e econômicos – em abuso de poder. Na teoria política correta temos uma soberania e vários poderes; mas, na prática corrupta, viceja um poder que se traveste de soberano.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q
Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr
Ensaio ideológico da burocracia
Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de