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Vinício Carrilho

O que é Bolsonarismo? Trem expresso da civilização capitalista? Condição anti-civilizatória?


O que é Bolsonarismo? Trem expresso da civilização capitalista? Condição anti-civilizatória? - Gente de Opinião

Trata-se de uma ideologia, um “tipo social”, uma “visão de mundo”, ou é produto e produtor de frações da realidade social? Será outra(s) coisa(s)?

          Numa resposta simples diria que é um fenômeno social que se eivou de movimentações político-partidárias. Este tipo de análise se verifica quando, por exemplo, analistas e cientistas políticos interpretam estatísticas alentadas pelo “partido-movimento” em determinadas regiões. Neste caso, interessa observar a repercussão da eleição de 2018 nas eleições municipais de 2020. Haverá enraizamento político-ideológico ou outros “fenômenos políticos” – como Doria, Partido Novo – provocarão a migração inversa de votos? É preciso recordar que, em 2018, ambos foram fortes aliados do bolsonarismo, especialmente, no segundo turno. Além do fato de que, em 2019, o PSDB de Doria – e outros PSDBs – é ocupante de cargos e de trincheiras bolsonaristas. Afinal, em 2020, de que lado estarão, do outro lado ou do seu próprio lado?

Ao contrário dessa sugestão, deve-se frisar que há muitos furos nesse "tipo especial" que poderia definir o bolsonarismo. No texto vou apenas listar alguns itens que deveriam ser colecionados para uma melhor compreensão. Em primeiro lugar, diria que há um amontoado de condições/características presentes tanto em homens quanto em mulheres, que revestem as “elites” e a vida comum do homem médio. Vejamos algumas:

“Herança escravocrata”: é a condição cultural autoexplicativa do racismo e da “adoração” pela contradição entre Casa Grande & Senzala. Do capitão do mato ao encarceramento massivo de negros e de pobres marginalizados. É o traço do “embranquecimento” que justifica a miserabilidade e exclusão de milhões de pessoas.

“Reacionarismo”: a herança escravista, que gerou o coronelismo e os “pequenos poderes”, a troca de favores, a hipocrisia que abona a corrupção privada, também retroalimenta o machismo, a desídia pública, o mandarinato nos três poderes, a violência gratuita, o racismo, o feminicídio e a misoginia, por exemplo.

“Servidão voluntária”: os chamados “Tempos Modernos” são marcados pela digitalização da vida, em que só faz sentido o que consta no smartphone e nas mídias sociais. É o reino da dissonância cognitiva porque predomina a “consciência imagética”. Se era verdade que “uma imagem valia por mil palavras”, hoje, não mais precisamos falar, bastando-nos aceitar os termos obscuros de uso e de licenciamento dos aplicativos. Voluntariamente, aceitamos ser controlados e creditamos uma fé canina nos títulos que circulam entre Facebbok, WhatsApp, Instagram e outros.

“Fascismo”: sinceramente, não me importo muito com o preciosismo conceitual, nesta verificação, pois, tanto faz se denominamos de neofascismo ou de proto-fascismo. Na verdade, o mais simétrico longitudinalmente seria “proto-fascismo”, porque sempre brota onde menos se espera ou quando menos se quer. Brecht dizia que “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Para nós, todavia, o Anti-intelectualismo é um caso típico. E, no exemplo nacional, retroalimenta-se do analfabetismo disfuncional.

 “Fascismo clerical-neopentecostal”: originário da denominada Ética Protestante e que inocentou o “crime da usura”, atualmente, revigora-se com a adoração da acumulação primitiva. No nosso caso, não importa de onde venha a fortuna. Para os nacionais, a “fortú” é a riqueza dos espertos – e importa menos ainda se for amealhada por sonegação fiscal e evasão de divisas. Aqui, basta ir contra a verdadeira meritocracia.

“Lumpesinato”: no país de sempre (País do Nunca), o sistema produtivo sucateado, desindustrializado, precarizado, terceirizado, reduzido às relações informais de trabalho, gerou um gigantesco contingente social de pedintes institucionais. Quando as políticas públicas entram em falência múltipla – por decisão governamental – o lumpesinato vai aos semáforos. Mas, sua (in)consciência social reverbera nos subtons de cima, por temerem o mesmo fim e, por isso, num grande amálgama identitário fazem grosso eco político. É óbvio que assim expressam seu analfabetismo disfuncional. As forças milicianas, crescentes dentro e fora do Estado, são seu braço armado e explorador.

“Desconexão com a realidade”: dissonância cognitiva, “non sense”, déficit de atenção social, distopia, “autismo social”, seja lá o nome que dermos, a realidade perdeu sentido para os desalentados, do mesmo modo que o realismo político não figura nos “grupos da família”. Para lá de algum tipo de ideologia, como "distorção", vivemos em tempo de diversão, infantilização.

Ainda destacaria o "valor de troca" imposto pela atual obsolescência do capital (financeirização, fluidez) e o aprofundamento do "valor de uso humano". Daí a "nova era" da banalização do Mal, da "naturalização da violência": o embrutecimento e o "emburrecimento social", o decréscimo abismal nos níveis de interatividade social. O suicídio do empresário, na TV, lembra o retorno do Suicídio Anômico, anímico.

Por fim, há que se contabilizar o “Golpe de 2016” que aniquilou a Política, a Polis, e o "nomos" evidentemente obrigatório à "fruição" do Estado de Direito. Por isso, sentimos no dia a dia que há crescente disparidade, divórcio, entre normatividade e normalidade. Esta sensação, por seu turno, corresponde à separação entre Direito e Ética (processo civilizatório) e à aceitação de que a exceção possa ser legitimada como regra.

Então, vivemos (in)felizes no Estado de Exceção Permanente, à espera dos mitos e dos salvadores fascistas. Ansiosos pela revolta de César, cantamos o Hino Nacional em continência moral com o cesarismo repressivo e regressivo.



Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)

Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

 

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