Quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O que é Bolsonarismo? Trem expresso da civilização capitalista? Condição anti-civilizatória?


O que é Bolsonarismo? Trem expresso da civilização capitalista? Condição anti-civilizatória? - Gente de Opinião

Trata-se de uma ideologia, um “tipo social”, uma “visão de mundo”, ou é produto e produtor de frações da realidade social? Será outra(s) coisa(s)?

          Numa resposta simples diria que é um fenômeno social que se eivou de movimentações político-partidárias. Este tipo de análise se verifica quando, por exemplo, analistas e cientistas políticos interpretam estatísticas alentadas pelo “partido-movimento” em determinadas regiões. Neste caso, interessa observar a repercussão da eleição de 2018 nas eleições municipais de 2020. Haverá enraizamento político-ideológico ou outros “fenômenos políticos” – como Doria, Partido Novo – provocarão a migração inversa de votos? É preciso recordar que, em 2018, ambos foram fortes aliados do bolsonarismo, especialmente, no segundo turno. Além do fato de que, em 2019, o PSDB de Doria – e outros PSDBs – é ocupante de cargos e de trincheiras bolsonaristas. Afinal, em 2020, de que lado estarão, do outro lado ou do seu próprio lado?

Ao contrário dessa sugestão, deve-se frisar que há muitos furos nesse "tipo especial" que poderia definir o bolsonarismo. No texto vou apenas listar alguns itens que deveriam ser colecionados para uma melhor compreensão. Em primeiro lugar, diria que há um amontoado de condições/características presentes tanto em homens quanto em mulheres, que revestem as “elites” e a vida comum do homem médio. Vejamos algumas:

“Herança escravocrata”: é a condição cultural autoexplicativa do racismo e da “adoração” pela contradição entre Casa Grande & Senzala. Do capitão do mato ao encarceramento massivo de negros e de pobres marginalizados. É o traço do “embranquecimento” que justifica a miserabilidade e exclusão de milhões de pessoas.

“Reacionarismo”: a herança escravista, que gerou o coronelismo e os “pequenos poderes”, a troca de favores, a hipocrisia que abona a corrupção privada, também retroalimenta o machismo, a desídia pública, o mandarinato nos três poderes, a violência gratuita, o racismo, o feminicídio e a misoginia, por exemplo.

“Servidão voluntária”: os chamados “Tempos Modernos” são marcados pela digitalização da vida, em que só faz sentido o que consta no smartphone e nas mídias sociais. É o reino da dissonância cognitiva porque predomina a “consciência imagética”. Se era verdade que “uma imagem valia por mil palavras”, hoje, não mais precisamos falar, bastando-nos aceitar os termos obscuros de uso e de licenciamento dos aplicativos. Voluntariamente, aceitamos ser controlados e creditamos uma fé canina nos títulos que circulam entre Facebbok, WhatsApp, Instagram e outros.

“Fascismo”: sinceramente, não me importo muito com o preciosismo conceitual, nesta verificação, pois, tanto faz se denominamos de neofascismo ou de proto-fascismo. Na verdade, o mais simétrico longitudinalmente seria “proto-fascismo”, porque sempre brota onde menos se espera ou quando menos se quer. Brecht dizia que “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Para nós, todavia, o Anti-intelectualismo é um caso típico. E, no exemplo nacional, retroalimenta-se do analfabetismo disfuncional.

 “Fascismo clerical-neopentecostal”: originário da denominada Ética Protestante e que inocentou o “crime da usura”, atualmente, revigora-se com a adoração da acumulação primitiva. No nosso caso, não importa de onde venha a fortuna. Para os nacionais, a “fortú” é a riqueza dos espertos – e importa menos ainda se for amealhada por sonegação fiscal e evasão de divisas. Aqui, basta ir contra a verdadeira meritocracia.

“Lumpesinato”: no país de sempre (País do Nunca), o sistema produtivo sucateado, desindustrializado, precarizado, terceirizado, reduzido às relações informais de trabalho, gerou um gigantesco contingente social de pedintes institucionais. Quando as políticas públicas entram em falência múltipla – por decisão governamental – o lumpesinato vai aos semáforos. Mas, sua (in)consciência social reverbera nos subtons de cima, por temerem o mesmo fim e, por isso, num grande amálgama identitário fazem grosso eco político. É óbvio que assim expressam seu analfabetismo disfuncional. As forças milicianas, crescentes dentro e fora do Estado, são seu braço armado e explorador.

“Desconexão com a realidade”: dissonância cognitiva, “non sense”, déficit de atenção social, distopia, “autismo social”, seja lá o nome que dermos, a realidade perdeu sentido para os desalentados, do mesmo modo que o realismo político não figura nos “grupos da família”. Para lá de algum tipo de ideologia, como "distorção", vivemos em tempo de diversão, infantilização.

Ainda destacaria o "valor de troca" imposto pela atual obsolescência do capital (financeirização, fluidez) e o aprofundamento do "valor de uso humano". Daí a "nova era" da banalização do Mal, da "naturalização da violência": o embrutecimento e o "emburrecimento social", o decréscimo abismal nos níveis de interatividade social. O suicídio do empresário, na TV, lembra o retorno do Suicídio Anômico, anímico.

Por fim, há que se contabilizar o “Golpe de 2016” que aniquilou a Política, a Polis, e o "nomos" evidentemente obrigatório à "fruição" do Estado de Direito. Por isso, sentimos no dia a dia que há crescente disparidade, divórcio, entre normatividade e normalidade. Esta sensação, por seu turno, corresponde à separação entre Direito e Ética (processo civilizatório) e à aceitação de que a exceção possa ser legitimada como regra.

Então, vivemos (in)felizes no Estado de Exceção Permanente, à espera dos mitos e dos salvadores fascistas. Ansiosos pela revolta de César, cantamos o Hino Nacional em continência moral com o cesarismo repressivo e regressivo.



Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)

Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 | Porto Velho (RO)