Quarta-feira, 17 de julho de 2013 - 11h05
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
Independentemente do debate teórico ou axiológico acerca do reconhecimento ser ou não um dos fundamentos da afirmação geopolítica de um Estado nascente, os casos concretos são uma realidade inegociável: a Palestina é um exemplo.
Para muitos autores, o reconhecimento externo da soberania dos Estados independentes ou em formação não é um elemento essencial de sua afirmação soberana. Portanto, o reconhecimento seria dispensável, uma vez que o mais importante seria a viabilidade político-administrativa interna a fim de que se pudesse sustentar a soberania internamente. A própria política internacional, a qualidade de sua ação diplomática, a partir de uma política exterior atuante, seria mais eficiente na busca por reconhecimento. Neste sentido, contariam mais a Independência em si (soberania stritu sensu); a Ordem Jurídica eficaz (império da lei) e a garantia de uma Legitimidade obtida internamente.
Mas, há que se considerar o reconhecimento – como requisito e formalidade jurídica – entre os elementos de formação do Estado e a sua decorrente capacidade de manter relações com outros Estados, a começar pelo respeito à Convenção Interamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933[2]:
Artigo 1º. O Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes requisitos:
a) População permanente.
b) Território determinado.
c) Governo.
d) Capacidade de entrar em relações com os demais Estados[3].
Pode-se indagar porque os Estados não definiram a soberania como elemento essencial ao Estado e isto se deve ao fato de que, ao constatar-se a soberania, sobretudo internamente, o próprio governo constituído irá em busca do reconhecimento. Assim, a soberania seria inerente, até mesmo óbvia ao governo, que só teria capacidade administrativa, governabilidade, capacidade de controle social e político, à medida em que tivesse sua soberania atestada. Se a soberania é contestada, ainda mais veementemente, confundindo-se governo e Estado, a crítica ao governo ameaça a segurança da Razão de Estado.
Por isso, no texto da lei, a soberania é implícita, inerente. Juridicamente, para o reconhecimento do Poder Político, a soberania é conditio sine qua non. Desse modo, para o direito internacional seriam elementos fundacionais de todo Estado: povo, território, governo e reconhecimento. Depois, explicitamente, em seus artigos 6º e 7º, a Convenção de Montevidéu, a convenção dos Estados soberanos (anexo 01), trata do reconhecimento como fonte da legitimidade do Poder Político:
Há duas correntes predominantes quanto ao reconhecimento:
a) teoria constitutiva: quando o Estado recebe o status afirmativo de sua inclusão no cenário internacional, com o reconhecimento da condição de que a partir do ato institucional de efetivação do Poder Político, pode ser considerado como um sujeito de Direito Internacional Público. Aqui, subentende-se a ocorrência de uma legitimidade advinda das principais potências internacionais, como se outros Estados declarassem ser reais as intenções e a própria existência daquele determinado Estado. Necessita-se de declaração formal.
b) teoria declaratória: apenas observa-se que o Estado é um novo ente jurídico de relações internacionais. Sem que haja a emissão de uma declaração formal acerca da existência do novo Estado, porque se entende que uma declaração significaria uma espécie de concessão por parte dos demais Estados membros. A luta pela descolonização, por exemplo, sofreria graves restrições por parte do Direito Internacional Público se as colônias ficassem à espera desse direito concedido, dessa concessão para afirmar a legitimidade de sua existência.
A ideia do reconhecimento internacional da soberania tem uma necessidade e urgência mais ou menos evidentes, a exemplo do que se passa com a Palestina em busca da afirmação de sua existência independente, junto à ONU. A declaração do Presidente dos EUA Barak Obama, em visita a Israel em 2013, reafirmando a legitimidade da pretensão palestina é outro indicativo de que o reconhecimento é um elemento politicamente, estrategicamente muito relevante para a delimitação da geopolítica:
"Os palestinos merecem ter seu próprio Estado. Os Estados Unidos estão completamente comprometidos para ver um Estado da Palestina independente e soberano", afirmou Obama, que também defendeu a "solução de dois Estados" para os conflitos entre Israel e Palestina. Segundo Obama, esse é um objetivo que só pode ser alcançado "através de negociações diretas"[5].
Ou seja, a necessidade do reconhecimento, além de quesito jurídico na ordem internacional, ainda corrobora e fortalece o Princípio da Autodeterminação dos Povos, como consta de nossa CF/88:
Art. 4º: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I. independência nacional;
II. prevalência dos direitos humanos;
III. autodeterminação dos povos;
IV. não-intervenção;
V. igualdade entre os Estados;
VI. defesa da paz;
VII. solução pacífica dos conflitos;
VIII. repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX. cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X. concessão de asilo político.
Dependendo da opção teórica ou ideológica, pode-se entender que a afirmação do princípio proposto no artigo 4º da nossa Carta Política tanto eliminaria a necessidade do reconhecimento, quanto veríamos aí um complemento afirmativo, como dado de segurança jurídica, de que o Estado brasileiro é atento à necessidade do reconhecimento da livre-convicção dos povos.
Sem dúvida, sob o alcance do Princípio da Autodeterminação dos Povos, o reconhecimento à formação e independência do Estado está relacionado à soberania. Pois, obviamente, sem soberania não haveria reconhecimento; do mesmo modo como se busca pelo reconhecimento para fortalecer a soberania. Como visto, vale o mesmo raciocínio elaborado para se destacar a relação intrínseca entre soberania e legitimidade do governo (se há um governo operante é porque há aceitação, logo, há soberania).
Como atributo fundamental, a soberania faz do Estado o titular de competências políticas especiais – limitadas tão-só pela equiparação encontrada nas relações internacionais. A soberania tem forte impacto jurídico externo: “Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais” (Rezek, 2011, p. 260). Em todo caso, de acordo com abordagem diversa, o reconhecimento não é de caráter constitutivo, mas unicamente declaratório da qualidade estatal.
Para tanto, a Carta da OEA (Bogotá, 1948) é esclarecedora:
Artigo 13: A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem o direito de defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre os seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus tribunais. O exercício desses direitos não tem outros limites senão o do exercício dos direitos de outros Estados, conforme o direito internacional.
Alega-se contra o reconhecimento o fato de se apoderar de ideologia colonialista, como se os Estados imperiais precisassem autorizar outros a existir. O que leva ao tema do reconhecimento de governo: neste caso, a ruptura da ordem institucional, como golpes de Estado, quarteladas, golpes institucionais, revoluções[6], implicam em governos diferentes daqueles com os quais já se mantinham relações diplomáticas.
Neste caso, em tese, como houve quebra de continuidade na manutenção das intenções diplomáticas, as tratativas com o “novo” governo partiriam do zero e este início de conversações poderia (ou não) evoluir para o reconhecimento do governo golpista. Outro aspecto a se diferenciar nesta abordagem é o fato de que se reconhece o governo, não há propriamente reconhecimento de Estado. Isto haveria em se tratando de formação de Estado – e não de governo – por desmembramento (seria o exemplo da descolonização) ou anexação.
Há para isso uma forma tácita e outra expressa. Na primeira, expressa-se a simples manutenção das relações diplomáticas anteriormente assumidas; na segunda, expressa-se juízo de valor sobre os novos governos. A prática contemporânea valoriza a legitimidade, não se relacionando abertamente com os governos golpistas até que o processo democrático seja restabelecido, mas também exime-se do escárnio público contra os golpes perpetrados (Rezek, 2001).
Bibliografia
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 13ª Edição , São Paulo, Editora Saraiva, 2011.
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ANEXO 01
ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL
CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS E DEVERES DOS ESTADOS
c Assinada em Montevidéu, Uruguai, em 26-12-1933.
Art. 1º O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos:
I – população permanente;
II – território determinado;
III – governo;
IV – capacidade de entrar em relações com os demais Estados.
Art. 2º O Estado federal constitui uma só pessoa ante o direito internacional.
Art. 3º A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos demais Estados. Ainda antes de reconhecido, tem o Estado o direito de defender sua integridade e independência, prover a sua conservação e prosperidade, e conseguintemente, organizar-se como achar conveniente, legislar sobre seus interesses, administrar seus serviços e determinar a jurisdição e competência dos seus tribunais.
O exercício destes direitos não tem outros limites além do exercício dos direitos de outros Estados de acordo com o direito internacional.
Art. 4º Os Estados são juridicamente iguais, desfrutam iguais direitos e possuem capacidade igual para exercê-los. Os direitos de cada um não dependem do poder de que disponha para assegurar seu exercício, mas do simples fato de sua existência como pessoa de direito internacional.
Art. 5º Os direitos fundamentais dos Estados não são suscetíveis de ser atingidos sob qualquer forma.
Art. 6º O reconhecimento de um Estado apenas significa que aquele que o reconhece aceita a personalidade do outro com todos os direitos e deveres determinados pelo direito internacional. O reconhecimento é incondicional e irrevogável.
Art. 7º O reconhecimento do Estado poderá ser expresso ou tácito. Este último resulta de todo ato que implique a intenção de reconhecer o novo Estado.
Art. 8º Nenhum Estado possui o direito de intervir em assuntos internos ou externos de outro.
Art. 9º A jurisdição dos Estados, dentro dos limites do território nacional, aplica-se a todos os habitantes. Os nacionais e estrangeiros encontram-se sob a mesma proteção da legislação e das autoridades nacionais e os estrangeiros não poderão pretender direitos diferentes, nem mais extensos que os dos nacionais.
Art. 10. É interesse primordial dos Estados a conservação da paz.
As divergências de qualquer espécie que entre eles se levantem deverão resolver-se pelos meios pacíficos reconhecidos.
Art. 11. Os Estados contratantes consagram, em definitivo, como norma de conduta, a obrigação precisa de não reconhecer aquisições territoriais ou de vantagens especiais realizadas pela força, consista esta no emprego de armas, em representações diplomáticas cominatórias ou em qualquer outro meio de coação efetiva. O território dos Estados é inviolável e não pode ser objeto de ocupações militares, nem de outras medidas de força impostas por outro Estado, direta ou indiretamente, por motivo algum, nem sequer de maneira temporária.
Art. 12. A presente Convenção não atinge os compromissos contraídos anteriormente pelas Altas Partes Contratantes em virtude de acordos internacionais.
Art. 13. A presente Convenção será ratificada pelas Altas Partes Contratantes, de acordo com os seus processos constitucionais. O Ministério das Relações Exteriores da República Oriental do Uruguai fica encarregado de enviar cópias devidamente autenticadas aos Governos, para o referido fim. Os instrumentos de ratificação serão depositados nos arquivos da União Pan-americana, em Washington, a qual notificará o referido depósito aos Governos signatários. Tal notificação terá o valor de troca de ratificações.
Art. 14. A presente convenção entrará em vigor entre as Altas Partes Contratantes na ordem em que forem depositando suas respectivas ratificações.
Art. 15. A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas poderá ser denunciada mediante aviso prévio de um ano à União pan-americana, que o transmitirá aos demais Governos signatários. Decorrido este prazo, cessarão os efeitos da Convenção para os denunciantes, subsistindo para as demais Altas Partes Contratantes.
Art. 16. A presente Convenção ficará aberta à adesão e acessão dos Estados não signatários. Os instrumentos respectivos serão depositados nos arquivos da União Pan-americana, que dará comunicação dos mesmos às outras Altas Partes Contratantes.
Em fé do que, os Plenipotenciários em seguida indicados firmam e selam a presente Convenção em espanhol, inglês, português e francês, na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, no vigésimo sexto dia do mês de dezembro do ano de mil novecentos e trinta e três.
Reservas
....................................
Os senhores Delegados do Brasil e do Peru fizeram constar o seguinte voto particular com respeito ao art. 11 da presente Convenção; “Que aceitam a doutrina em princípio; mas não a julgam codificável por haver países que não firmaram ainda o Pacto antibélico do Rio de Janeiro, do qual ela faz parte, não constituindo, portanto, direito internacional positivo pronto para a codificação”.
[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Recepcionada no Brasil pelo DECRETO Nº 1.570, DE 13 DE ABRIL DE 1937, de Getúlio Vargas.
[3]Veja-se que a lei define os elementos básicos de composição do Estado, nas letras a, b e c, além de consignar o reconhecimento internacional.
[4]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D1570.htm.
[5]http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/03/21/obama-chega-de-helicoptero-em-ramallah-e-e-recebido-por-abbas.htm, acesso em 21/03/2013.
[6]Pode-se lembra aqui a Revolução Islâmica, no Irã de 1979. Na década de 1970, o governo era exercido pelo xá Reza Pahlevi, com forte concentração de poderes em um pequeno grupo de apaniguados. O ativista com maior expressão política, aiatolá Khomeini, vivia exilado em Paris. Com forte clima de enfrentamento político-religioso, no dia 1º de abril, o Irã foi declarado uma República Islâmica, com a ascensão ao poder do aiatolá Khomeini.
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