Sexta-feira, 13 de setembro de 2013 - 11h55
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
O tema que dá título ao texto, como todos os clássicos, não se esgota em uma única abordagem e nem se submete apenas a esta ou àquela escola de interpretação. Uma abordagem histórica, mas liberal, terá, por exemplo, em Bobbio (2000), um desfecho apontando os avanços da conquista da liberdade; outra, igualmente a partir do pensamento clássico, mas de corte crítico-marxista, abordará a legitimidade do poder (Coutinho, 2011).
Entretanto, há uma tradição na análise da política – como esfera autônoma das realizações humanas – que recorre à Grécia clássica de Platão e de Aristóteles (século V. a. C.) para definir um entendimento analítico (científico). São destacados três pontos: I - A política em si, como prática (Arete[2] = adaptação perfeita, excelência, virtude); II - A elaboração de uma teoria; III - A implicação de uma filosofia.
As reflexões de Platão sobre os tipos de governo, justiça, virtude, estabilidade política marcaram todo o pensamento político. Basta-nos pensar na Prudência de São Tomás de Aquino[3] ou na virtù em Maquiavel (1994). Em todo caso, com Platão, pela primeira vez, relacionaram-se as instituições, as atitudes e as ideias com os processos e os resultados.
Além do mais, pode-se dizer, “metaforicamente”, que Aristóteles já se indagava sobre a Razão de Estado, ao diferenciar o Chefe da República do chefe de família — organizar o Estado não era o mesmo que cuidar de uma família numerosa. Há uma “diferença específica” entre tais poderes — para Aristóteles, a família é quem “satisfaz as necessidades da vida”: “Assim, a família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas que comem, como diz Carondas, o mesmo pão e se esquentam, como diz Epimênides de Creta, com o mesmo fogo” (Aristóteles, 1991, p. 03).
A sociedade é, em si mesma, já um resultado: um conjunto de casas forma uma aldeia e a cidade surge da família retirada de sua natureza[4]. O “governo da sociedade humana”, portanto, nada mais é do que o das “famílias organizadas”. As cidades devem conservar a existência e buscar o bem-estar. Este é o “desígnio de sua natureza”. O homem sem esta “natureza cívica” é um ser sem leis que só “respiraria a guerra”, como “ave de rapina pronta a cair sobre os outros” (“autoconservação no estado de natureza”).
Esses homens que vivem sozinhos, ou são Deuses ou são brutos — daí a “função civilizatória” do direito: “O discernimento e o respeito ao direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos” (Aristóteles, 1991, p. 05 – grifos nossos). Como o Estado é formado por famílias[5], convém tratar do “governo doméstico” ou despótico. Este poder seria dividido entre despotismo (senhor/escravo), marital (marido/mulher), paternal (pai/filho).
Só muito tempo depois, no Renascimento de Maquiavel e da formação do Estado-Nação, é que se separou a política da moral e, posteriormente, havendo a dicotomia entre Estado e sociedade. O industrialismo – no pós-acumulação primitiva (Marx, 1977)[6] – reforçaria a sugestão de autonomia da esfera política. Com maior destaque para nove elementos de confluência:
1. Base Racional para o Pensamento e Ação: a Teoria Política consiste na busca sistemática do conhecimento fidedigno sobre os assuntos relacionados com a esfera pública, com o objetivo de melhorar as condições da vida humana no interior da associação política.
2. Âmbito da Política: compartilhamento das instituições públicas, como res publica, commonwealth (Comunidade de Nações). Trata-se, de modo preciso, da fixação de um coletivo político – o que, em tese, de acordo com a Teoria Geral do Estado, a partir do Moderno, implicou na delimitação do território ou elemento físico do Estado.
3. Unidade Básica de Análise: a Teoria Política clássica estabeleceu a Polis como unidade básica de análise. Por ser a unidade política de referência mais ampla no mundo antigo, inspirou nos modernos a ideia de se analisar a totalidade política. Uma Teoria Política tão ampla quanto a realidade a ser investigada.
4. Conceito de Ordem: se a sociedade política é um todo, a conclusão implica em um conceito de ordem. O que também se confere no reconhecimento de uma classe determinada de estruturas políticas analisáveis e que envolvem, entre outros, a distribuição de funções e as formações institucionais vigentes. Como toda relação de poder tem pontos de conflito, a Teoria Política se propôs a analisar a origem desses conflitos e os princípios de justiça que devem reger todo sistema político. O que, por fim, levou à necessidade de se estudar a desordem, como desequilíbrio na sistemática de aplicação dessa mesma justiça.
5. Método Comparativo: o método comparativo permitiu ampliar o mapa conceitual e os cenários políticos relacionados, bem como estabeleceu uma gama maior de alternativas.
6. Busca da Perfeição Absoluta: a comparação revelou uma diversidade incrível de fenômenos políticos, elevando-se a proposta de determinar a melhor formação constitucional, tal qual eleger a mais desejável e a que serviria de modelo eficaz, como se fosse possível e desejável alçar a política no sentido de um absoluto[7].
7. Relação entre Teoria e Prática: procurava-se desenvolver o Estado Ideal, reduzindo-se as experiências políticas a proporções manejáveis e que estivessem de acordo com uma nova ordenação, de modo que qualquer analista pudesse visualizar as estreitas relações do conjunto político prescrito. A preocupação ou convicção fundamental sobre a melhor forma de governo baseava-se no propósito (de ordem prática) de que a teoria pudesse clarear e modificar a realidade sempre transformável.
8. Amálgama de elementos: solidificou-se uma tradição na análise dos elementos constantes, fundamentais e isto aproximou a Teoria Política da Teoria Geral do Estado, sobretudo quanto ao estudo do(a): i. natureza, origens e finalidades do Estado; ii. a Teoria do Contrato Social; iii. a relação entre Igreja e Estado (Estado Laico); iv. a soberania (Razão de Estado); v. a relação Estado/sociedade (Estado-Nação); vi. a melhor forma de governo; vii. implicações do direito natural (ou Prudência) sobre a política (Vera, 2005).
O nono elemento, no mundo moderno, confere com a tarefa de fortalecer o Poder Legislativo como um preceito básico, inaugural do moderno pensamento político liberal, mas, que em seguida se configurou como regra elementar para todo o Estado contemporâneo. Isto também se vê no conceito de Comunidade Civil ou commonwealth: “Como a forma de governo depende da atribuição do poder supremo, ou seja, do Legislativo, é impossível conceber que um poder inferior possa prescrever a um superior, ou que um outro além do poder supremo faça as leis, a maneira de dispor o poder de fazer as leis determina a forma da comunidade civil” (Locke, 1994, p. 160 – grifos nossos).
De modo direto, ainda podemos pensar que desde então o Poder é orgânico, exatamente, porque é social[8] e isto reflete a capacidade humana para se propor formas de organização social que nem sempre se esgotam no uso da coerção. Assim, o Poder Social é a capacidade humana:
· Constitutiva ou própria à fabricação de resultados que afetem outros;
· Sistêmica de realizar objetivos coletivamente vinculatórios;
· Organizacional de disciplinar e modelar desejos, ações, discursos e a própria subjetividade;
· Racional e voltada à dominação, em busca de resultados precisos.
Desde este ponto da inflexão teórica temos uma concepção organicista de Estado, no tocante a duas vertentes: i) no modelo absolutista da soberania (Hobbes, 1983); ii) como reflexo da necessidade de haver controle social diante da desagregação social provocada pelo industrialismo (Durkheim, 1999).
Por fim, devemos pensar que as formações denominadas de organicismo estatal ou de Estado Orgânico guardam suas principais referências em dois grandes momentos da história da Teoria Geral do Estado: a) os clássicos da antiga Grécia; b) os contratualistas, no Renascimento.
Bibliografia
AQUINO, Santo Tomás de. Escritos Políticos. Petrópolis-RJ : Vozes, 1995.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.
COUTINHO, Carlos Nelson. De Rousseau a Gramsci. São Paulo: Boitempo, 2011.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1999.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.
KELSEN, Hans.Derecho y paz em las relaciones internacionales. México : Fondo de Cultura Económica, 1986.
_____ Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1998.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis-RJ : Vozes, 1994.
MAQUIAVEL, Nicolau. A mandrágora. (2ª Edição). São Paulo : Brasiliense, 1994.
MARX, Karl. A Origem do Capital: a acumulação primitiva. 2ª Ed. São Paulo : Global Editora e Distribuidora LTDA, 1977.
______ Escritos de Juventud. México : Fondo de Cultura Económica, 1987.
VERA, Fernando Harto de. Ciencia política y Teoría Política contemporaneas: una relación problemática. Madrid : Editorial Trotta, 2005.
[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Note-se que aríete significa um instrumento de guerra medieval.
[3]A maior corrupção de um governo livre é desviar-se deste Bem Comum, classificando-se como governo tirano e despótico: “Daí ameaçar o Senhor tais governantes por Ezequiel (34,2): ‘Ai dos homens que a si mesmos se apascentavam (como procurando os seus próprios interesses) – porventura não são os rebanhos apascentados pelos pastores” (Aquino, 1995, 128-129).
[4]Hoje, diríamos que a sociedade é uma associação de famílias que foram desnaturadas, retiradas de sua condição original, isto é, a sociedade é uma construção artificial, uma construção política como Polis.
[5]Em Roma seriam os patrícios.
[6]Marx analisa a função de mera repressão social desempenhado pelo Código Penal do século XVI: “Marx se refere ao Código penal de Carlos V (A Constitutio criminali Carolina), aprovado em 1532 pela Dieta imperial de Regensburgo. Este código se caracterizava pelo extremo rigor de suas penas” (Marx, 1987, p. 717).
[7]Vale a lembrança de que até hoje a Constituição de Weimar é celebrada como um marco do Estado Democrático, imaculada, mas raramente é defenestrada pela análise crítica de que teria conteria o preceito jurídico permissivo do Estado de Exceção do nazismo. Em Hobbes, nunca é demais relembrar, a soberania é um absoluto.
[8]A afirmação quer dizer muitas coisas, uma vez que a soberania do Estado sobre a sociedade – como pressuposto de um poder que se exerce de modo absolutista – não considera ou não valoriza adequadamente/significativamente o povo como elemento de formação do próprio Estado. Também afirmações do tipo “O Estado é direito” (Kelsen, 19989) assinalam somente aspectos formais do próprio Estado (como a normatização do Poder Público, em determinado território) sem considerar o elemento material (Povo). Para Kelsen, o Estado é uma “ordem da conduta humana”, dotado de poder para que suas ordens sejam cumpridas por todos. Desse modo, o Estado é, ou uma parte ou, o próprio ordenamento jurídico. Ou seja, o Estado tem a natureza de direito. Os indivíduos estão sujeitos ao Estado. Em relação ao monismo, sua crítica se inclina a constatar que nenhum Estado soberano poderia admitir contestação a sua estrutura normativa, sob o risco de invalidar a defesa nacional de sua soberania (Kelsen, 1986).
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