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Viriato Moura

A ARTE DE PERENIZAR O INSTANTE



Os instantes sempre são outros. Henri Cartier-Bresson, um dos mais importantes fotógrafos do século 20, escreveu: "De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório". A oportunidade de captar a imagem através de determinada fotografia é, portanto, única. Ainda que se fotografe algo inerte e no mesmo ângulo, as circunstâncias em que a foto é feita voa sem parar do pretérito para o futuro nas asas incansáveis do tempo.A ARTE DE PERENIZAR O INSTANTE - Gente de Opinião

Ao congelar o momento, a fotografia oportuniza à imagem captada deixar-se ver mais, por mais tempo, e com maior acuidade. Paradoxalmente, a imobilidade, que se antagoniza a concepção de vida, possibilita vida duradoura ao instante único e definitivo fotografado. Definitivo porque único, impossível de ser reproduzido tal qual foi. Ao acionar o botão da câmera, o fotógrafo, consciente ou não de seu ato, registra um átimo de sua existência e da existência do mundo na dimensão da imagem que fotografa.

Uma imagem, como se sabe, vale mais do que muitas palavras. Há algumas que, por mais bem descritas que sejam, não serão suficientemente mostradas como faz a fotografia, porque é através dela que os instantes se expõem tal como são. Daí a importância da fotografia como documento, como testemunha de um acontecimento, de uma existência.

Ao contemplarmos uma foto, geralmente vemos muito além das imagens nela contidas. Viajamos no tempo de nossos sentimentos. A fotografia se transmuta a cada olhar. Que é sempre pessoal, contextualizado à individualidade de cada um de ver as coisas, de ver a vida. Acrescentamos ou subtraímos da foto formas, cores, sabores, sons e até odores. Sensações, enfim. Por vezes, recriamos a imagem vista a ponto de a sentirmos outra, diferente daquela que o fotógrafo clicou. Porque arte que é, a fotografia tem o poder de transmitir a quem a vê além do propósito de quem a fez. Os estímulos captados por nossos órgãos dos sentidos exumam nossas vivências passadas, nossa história existencial, dando-lhes a vida que, por vezes, a memória enterrou.

A fotografia, na condição de arte, é plantada no jardim dos significados. Há jardins férteis, onde a terra faz crescer tudo que nela se plantar. Mas há terrenos áridos, onde em se plantando nada ou quase nada dá. O que para alguns poderá contar uma longa história − talvez de uma vida inteira −, fazer rir ou chorar, para outros não passa de uma visão muda às suas emoções surdas.

O valor de cada foto é, fundamentalmente, emocional. Uma foto pode ser tecnicamente bem feita e nada dizer em termos de arte. Porque não dialoga com a emoção de quem a contempla. A qualidade artística da foto nem sempre está na dependência da qualidade da câmera que a registra. Por vezes, um equipamento simples em mãos talentosas pode captar muitas emoções: encantos e desencantos.

O sentido estético do belo e do feio contido na fotografia por vezes transcende a lógica dualista que os paradigmas definem como belo e como feio. "Quem o feio ama, bonito lhe parece", diz um adágio popular. Há gosto e desgosto para tudo. Ao fotografo cabe explicitar em suas fotos sua verdade estética, que pode agradar ou desagradar, ser compreendida ou não. Nem sempre é pelo número de pessoas que cativa com o seu gosto estético que se deva atribuir maior mérito ao autor de uma foto. Ele pode estar propondo uma nova linguagem, um novo estilo de expressar sua arte. As pessoas podem não conseguir sintonizar com sua proposta de pronto. Ser reconhecido nesse mister, por vezes leva tempo, muito tempo. A história da arte mostra alguns desses exemplos.

A intenção do fotógrafo pode ser subestimada e até anulada por quem vê a foto por ele feita. Ao mostrá-la, como acontece com tudo que se atira em direção às emoções alheias, seu autor corta o cordão umbilical que o une sua obra, e a entrega de coração aos sentimentos do mundo que a contemplará. Com bons ou maus olhos.

Uma ressalva: muitos apenas apertam o botão da câmera fotográfica, sem se deter na importância e na extensão de seu ato. Esses, nem sequer devem sem considerados autores da foto – agem apenas como acionadores do clique. O que tipifica a autoria da fotografia enquanto expressão artística não é o ato em si de fotografar, mas a intenção em relação a imagem captada.

Em sendo uma das artes visuais, a fotografia está autorizada a romper com os conceitos e preconceitos e a pular de cabeça e sem medo na dimensão da fantasia, do inusitado, do imponderável e até do absolutamente incompreensível. É a licenciosidade poética de que a fotografia precisa para se assumir de modo eficaz à condição de instigadora de emoções. Esta, definitivamente, a razão de qualquer expressão humana que pretenda ser arte.


NOTA DO AUTOR – Nesta quarta-feira, a partir das 15h, na Biblioteca Francisco Meirelles (próxima à Prefeitura), será lançada a exposição itinerante intitulada Fotos de Celular, de autoria do confrade Júlio Olivar, tendo como curadora a artista visual Angella Shilling, ambos da Academia Rondoniense de Letras. Uma boa pedida para os admiradores dessa arte.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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