Sexta-feira, 29 de março de 2013 - 19h20
A agenda de pacientes do Dr. Alberto, conceituado psicanalista que atende num confortável consultório na Visconde de Pirajá, em Ipanema, no Rio, encaminhava-se para o final. Da recepção, sua secretária, pelo interfone, informou-o que seu próximo paciente veio acompanhado e fazia questão de que a mulher que estava com ele presenciasse a consulta.
Era paciente de primeira vez. Mostrava-se um tanto ansioso, quando cumprimentou o médico, e logo sentou-se a sua frente junto com a acompanhante. Enquanto o Dr. Alberto lia sua ficha digitada no computador pela recepcionista, onde constava sua identificação, Fabiano Alves Mascarenhas, 42 anos, branco, divorciado, professor universitário parecia não se conter: queria desabafar algo que denotava lhe tirar o fôlego.
– Qual o motivo de sua consulta, Fabiano? – perguntou o médico.
– Doutor, antes de dizer o que sinto, queria falar dessa aí – apontando com o indicador em riste para Alice, que estava sentada a seu lado.
– Tudo bem, fique à vontade, pode falar.
– É o seguinte: ela diz estar aqui comigo por piedade. É, por piedade. Já me divorciei dela há seis meses. Quando ela soube de meu estado de saúde, apareceu dizendo que queria me ajudar. Papo furado doutor; mentira!
– Como assim, Fabiano? O que há de errado nisso? Ela, ao saber que você não estava bem, por ter sido sua esposa achou que você precisava de apoio – tentou contemporizar, o médico.
– O senhor está dizendo isso porque não sabe o que aconteceu – disse enfático Fabiano, alternado seu olhar entre o Dr. Alberto e Alice.
A essa altura do diálogo, o doutor e a mulher já haviam sido contaminados pelo estado ansioso de Fabiano. Alice, além disso, quase que imóvel, apenas ouvia as declarações do marido; todavia, diante de sua última frase, imaginou o que estava por vir.
– Pois é, doutor. Olhe para o rosto dessa mulher; veja que lindos olhos azuis, como um céu sem nuvens em dia de sol. E a boca, que parece ter sido pintada por um artista inspirado. Que lindo esse rosto, não doutor? – o médico, ainda confuso, olhos fixos no belíssimo rosto de Alice, concordava mentalmente com as palavras de Fabiano.
Ainda em silêncio, Alice sentiu, enquanto Fabiano fez uma sutil interrupção como quem aguardava o endosso do médico sobre a beleza de sua face, que o que ele pretendia dizer ia de mal a pior. Sem quase se mexer na cadeira, como um réu que ouve sua sentença, parecia estar fazendo uma expiação de culpa.
A essa altura, o Dr. Alberto começou a se preocupar com o tempo da consulta que estava avançado (as consultas com psicanalistas, como é o caso do Dr. Alberto, têm tempo cronometrado), e, até aquele momento, ele não conseguira direcionar a conversa para a anamnese que pretendia fazer do seu paciente.
– É doutor, o senhor deve estar pensando: afinal, onde esse cara quer chegar? Eu lhe respondo agora e logo o senhor vai entender: quando eu era casado com essa mulher, ela passava noites ao computador, as vezes até altas horas da madrugada. Eu ficava deitado assistindo televisão até dormir, e ela ia para o outro aposento da casa onde estava o tal computador. Quase toda noite era isto: eu deixado de escanteio, e ela ao computador.
– E o que há de mal nisso, Fabiano? – interveio o médico tentando adiantar a conclusão do relato de seu paciente.
– Aí está... Aparentemente nada, nos dias atuais em que as pessoas dão mais atenção aos celulares e aos computadores que às pessoas. Mas eu cismei com aquilo, doutor. Achei estranho. Quando ela voltava para a cama e eu ainda estava acordado, percebia sua carinha de quem gostou do que havia feito. Não estava nem aí para mim.
– Você já conversou com ela sobre isso? – interrogou o Dr. Alberto.
– Sim, mas antes investiguei. Certa noite, quando ela menos esperava por achar que eu havia adormecido, levantei-me cuidadosamente em silencio e a flagrei em atitudes sexuais diante do computador. Na tela, um cara repetindo junto com ela palavras obscenas em inglês, tipo “fock me, fock me” e mostrando suas partes daquele jeito.
Mesmo diante dessa acusação explicita, Alice permanecia impassível. Mas Fabiano continuava determinado em desabafar.
– Agora, doutor, o senhor entendeu porque larguei essa devassa. A vagabunda, pelo facebook, já havia até marcado encontro com o gringo, em Londres. Quando planejou essa viagem, justificou para mim iria passar um mês lá para melhorar seu inglês.
Nesse ponto, o médico achou que a história da separação de Fabiano com Alice estava contada. E tentou encaminhar a consulta para seu verdadeiro objetivo: saber qual enfermidade mental que o acometia para, em seguida, estabelecer um plano terapêutico. Mas o enganado ainda tinha algo a dizer.
– Finalizando, doutor: sabe o que essa traidora fez? Para convencer o gringo a gostar dela, colocou somente a foto desse rosto bonito em seu perfil no face. Diante de tanta beleza, o cara topou conhecê-la pessoalmente. Foi o que aconteceu logo após nos separarmos. Dias depois, ela foi encontrá-lo em Londres como haviam combinado. Mas ela quebrou a cara, doutor, deu-se mal. E logo após o desembarque. Veja aí, doutor: gorda, barriga grande, esses peitões que além de grandes são moles. Ou seja: a cara, que endoidou o gringo, uma beleza; o resto, um tribufu. O gringo largou-a no hotel e desapareceu, escafedeu-se. Como não deu para ela, resolveu voltar, frustrada e deprimida pela rejeição sofrida. Por isso ela está aqui, fingindo-se de boazinha, solidária, dizendo-se com peninha de mim. Agora quem não quer sou eu. Estou meio ruim da cabeça, mas não sou otário – concluiu o consulente.
Diante da situação constrangedora, o Dr. Alberto limitou-se a dizer:
– Lamento, Fabiano, seu tempo de consulta terminou; preciso atender outro paciente agendado. Volte na próxima semana para falarmos sobre seu problema de saúde.
O médico e o casal se levantaram, e, ao se despedir do Dr. Alberto, na porta do consultório, Fabiano lançou, municiado de um sorriso jocoso, seu derradeiro petardo contra Alice:
– Dá mais uma olhadinha aí no material, doutor: a cara, uma belezura; o resto, um tribufu.
Pedir segunda opinião médica: um dilema dos pacientes
Até que ponto é válido ouvir uma ou mais opiniões de outros médicos quando se quer avaliar a do médico que nos trata? Essa atitude tem resultados pr