Sábado, 29 de junho de 2024 - 07h55
Sou médico de longa caminhada. Desde os
primeiros passos da minha jornada percebi, felizmente, que a ciência que
abracei profissionalmente não permitia arroubos de prepotência: o médico
precisa ter noção clara de suas limitações pessoais e da medicina. O mais
importante aforismo de Hipócrates, o pai da medicina, postula: “Primeiro não
causar dano”.
A despeito do muito que a medicina
avançou nas últimas décadas, ainda não domina, como seria o ideal, todos os
meios que levam à cura. Há sempre riscos, ainda que, por vezes, estatisticamente
pouco significantes, de algo dar errado. Mesmo os médicos mais sábios e
experientes estão sujeitos a resultados que não desejam dos tratamentos que
prescrevem.
O complexo biopsicossocial que
contextualiza cada indivíduo faz com que ele possa responder de maneira
diferente a qualquer abordagem, médica ou não. O médico precisa ter consciência
de que ele próprio, o modo como se comporta com seu paciente, pode fazer toda a
diferença no resultado de sua conduta terapêutica. Paracelso (1493-1541),
médico e físico de nomeada, assim escreveu: “A medicina não é simplesmente ciência,
mas também uma arte. A personalidade do médico pode funcionar mais
poderosamente sobre o paciente que as drogas por ele empregadas”.
A boa relação médico-paciente,
portanto, deve merecer acurada atenção do profissional, para o bem de ambos.
Lamentavelmente, ainda não se dá importância devida a esse pressuposto basilar
na formação médica. Profissionais assim formados são mais suscetíveis a
insucessos. Benedictus Philadelpho Siqueira (1937-2014), professor na UFMG durante
décadas, que foi um dos maiores defensores da qualidade do ensino médico no
país, dizia que os médicos recém-egressos das escolas de medicina tornam-se
técnico-equipamentos dependentes que fazem e veem maravilhas com as máquinas e
nada ou pouco sabem a respeito dos seres humanos.
Em dois períodos de sua atuação, o
médico está mais sujeito a cometer erros: no início de sua carreira, quando
ainda não tem conhecimento e experiência suficientes, e depois de muitos anos
de profissão, quando tende a achar que domina sua conduta médica a ponto
de subestimar certos protocolos que precisam ser seguidos com rigor científico.
Um profissional que trata da saúde de
seus semelhantes jamais deve ser impulsivo, indisciplinado, desatento. Porque,
por óbvio, sua irresponsabilidade pode fazer a diferença entre a melhora e a piora,
ou até cura e a morte de seus pacientes. Reitere-se: mesmo que ele possua
muitos conhecimentos de medicina, essa condição, por si só, não lhe é o bastante
para que obtenha os melhores resultados terapêuticos. Portanto, não deve
deixar de cultivar a humildade. Deve, isto sim, atualizar-se sempre, não ter
vergonha de perguntar de quem julga que sabe mais ele, tem mais vivência, ou
até encaminhar seu paciente a colegas mais aptos a curá-lo. Confúcio (551-479
a.C), filósofo chinês mais conhecido no mundo ocidental, ensina que a humildade
é a única base sólida de todas as virtudes. E virtudes é o que mais o médico
precisa para exercer a medicina como deve ser exercida.
A prepotência do médico pode provocar
muitos danos à saúde daqueles que ele trata. Uma vaidade exacerbada é
perniciosa e anticientífica, por isso deve ser proscrita da conduta médica — a soberba
é própria dos néscios e daqueles com índole deformada. Diferente disso, o médico deve dar a seu
paciente impressão de segurança, confiança e compreensão. É de médicos assim —
somente desses — que a medicina precisa para dar o melhor que pode àqueles que
dela precisam.
*Viriato Moura é médico, docente da
Faculdade Instituto Rio de Janeiro e Instituto Universitário Rio de Janeiro,
jornalista, artista plástico, cartunista, chargista, autor de 21 livros, 3
opúsculos e participou de 9 coletâneas literárias.
Recebeu diversas honrarias
a nível municipal, estadual e nacional, sendo as mais recentes: Comenda Dr. Ary Tupinambá Penna Pinheiro,
concedida pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia; Comenda
Moacyr Scliar – Medicina, Literatura e Arte, outorgada pelo Conselho Federal de
Medicina; Doutor Honoris Causa, titulo concedido pelo Instituto
Faculdade Rio de Janeiro.
É membro da Academia Rondoniense de
Letras, Ciências e Artes, da Academia de Letras de Rondônia e da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores.
Pedir segunda opinião médica: um dilema dos pacientes
Até que ponto é válido ouvir uma ou mais opiniões de outros médicos quando se quer avaliar a do médico que nos trata? Essa atitude tem resultados pr