Quarta-feira, 6 de março de 2013 - 19h36
Um sentimento de perda acometeu os pioneiros de Rondônia, quando nossas marias-fumaças se calaram.
Esse nome popular lhes foi dado desde o século passado. Sendo locomotivas a vapor, quando em movimento soltam fumaça. E Maria, um nome bem brasileiro, se juntou à fumaça que expelia: maria-fumaça.
Nós, que estamos plantados nestas terras de Rondon há muitas décadas, num tempo em que nossa Estrada de Ferro-Madeira Mamoré ainda cumpria suas funções, recordamos com sensação de grande perda o silenciar das velhas locomotivas, que quando em deslocamento emitiam um som que nossa criatividade lúdica traduziu com a onomatopeia “café-com-pão-bolacha-não...”. E emitia silvos, verdadeiros brados, que acordavam as florestas por onde passavam e anunciavam suas presenças nas cidades.
A desativação da ferrovia e a imobilização de nossas marias-fumaças não encontraram, até então, nem encontrarão justificativa aceitável nos corações nativos para que fossem tiradas de circulação.
Porque o trem, em si, significa muito mais que um meio de transporte. Nos remete a significados poéticos. No caso das nossas marias-fumaças, também ao amanhecer glorioso de nossa amada terra, que nasceu a partir da retumbante epopeia da construção de uma ferrovia por onde trafegaram, obra sem precedentes na história do Brasil e na da maioria dos países do mundo.
O vate chileno Pablo Neruda disse que os poetas são feitos de fogo e fumaça. Completa Rubem Alves: “Toda maria-fumaça é uma saudade de ferro e fogo”. Este concluiu que a felicidade custa pouco: basta uma viagem de trem de ferro. Não é possível, portanto, esquecer as marias-fumaças como quem esquece outros meios de transporte. Porque elas levam mais que nossos corpos, transferem-nos para um estado de enlevo. Por isso, onde quer que ainda existam, sempre há passageiros dispostos a viajar nas emoções que oferecem.
Adélia Prado traduz em belos versos seus sua relação com os trens que passaram por sua existência:
Um trem de ferro é uma coisa mecânica
Mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
Atravessou minha vida, virou só sentimento.
Com a nossa gente aconteceu o mesmo: as marias-fumaças da EFMM viraram só sentimento. Queremos, ainda que para curtos passeios simbólicos, os nossos trens de volta. Ao embarcamos num deles novamente, teremos a viva sensação de estarmos viajando em direção à estação onde nos espera, ressuscitado, um passado que nos falta reviver.
Café-com-pão-bolacha-não-café-com-pão-bolacha-não....
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