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Viriato Moura

CAFÉ-COM-PÃO-BOLACHA-NÃO... Por Viriato Moura


 CAFÉ-COM-PÃO-BOLACHA-NÃO... - Gente de Opinião

Um sentimento de perda  acometeu os pioneiros de Rondônia, quando nossas marias-fumaças se calaram.

Esse nome popular lhes foi dado desde o século passado. Sendo  locomotivas a vapor, quando em movimento soltam fumaça. E Maria, um nome bem brasileiro, se juntou à fumaça que expelia: maria-fumaça.

Nós, que estamos plantados nestas terras de Rondon há muitas décadas, num tempo em que nossa Estrada de Ferro-Madeira Mamoré ainda cumpria suas funções, recordamos com sensação de grande perda o silenciar das velhas locomotivas, que quando em deslocamento emitiam um som que nossa criatividade lúdica traduziu com a onomatopeia “café-com-pão-bolacha-não...”. E emitia silvos, verdadeiros brados,  que acordavam as florestas por onde passavam e anunciavam suas presenças nas cidades.

A desativação da ferrovia e a imobilização de nossas marias-fumaças não encontraram, até então, nem encontrarão justificativa aceitável nos corações nativos para que fossem tiradas de circulação.
Porque o trem, em si, significa muito mais que  um meio de transporte. Nos remete a significados poéticos. No caso das nossas marias-fumaças, também ao amanhecer glorioso de nossa amada terra, que nasceu a partir da retumbante epopeia da construção de uma ferrovia por onde trafegaram, obra sem precedentes na história do Brasil e na da maioria dos países do mundo. 

O vate chileno Pablo Neruda disse que os poetas são feitos de fogo e fumaça. Completa Rubem Alves: “Toda maria-fumaça é uma saudade de ferro e fogo”.  Este concluiu que a felicidade custa pouco:  basta uma viagem de trem de ferro. Não é possível, portanto, esquecer as marias-fumaças como quem esquece outros meios de transporte. Porque elas levam mais que nossos corpos,  transferem-nos para um estado de enlevo. Por isso, onde quer que ainda existam, sempre há passageiros dispostos a viajar nas emoções que oferecem.

Adélia Prado traduz em belos versos seus sua relação com os trens que passaram por sua existência:

 

Um trem de ferro é uma coisa mecânica

Mas atravessa  a noite, a madrugada, o dia,

Atravessou minha vida, virou só sentimento. 

 

Com a nossa gente aconteceu o mesmo: as marias-fumaças da EFMM viraram só sentimento. Queremos, ainda que para curtos passeios simbólicos, os nossos trens de volta. Ao embarcamos num deles novamente, teremos a viva sensação  de estarmos viajando em direção à estação onde nos espera, ressuscitado, um passado que nos falta reviver.

            Café-com-pão-bolacha-não-café-com-pão-bolacha-não....

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