Sábado, 4 de junho de 2011 - 18h32
A situação em que o atual governo encontrou o atendimento aos pacientes vítimas de trauma em Porto Velho, em particular daqueles acometidos por fraturas, não é de agora. Outros governos que por aqui passaram olharam – se é que olharam – com desprezo para aquela pobre gente que não tendo um plano de saúde e não podendo pagar assistência particular ficou a mercê do descaso num ambiente desumano e absolutamente inaceitável. Mais de 300 pacientes vítimas de fraturas esperavam nos primeiros dias de janeiro deste ano tratamento para suas lesões. Atualmente esse número é bem maior, se considerarmos que muitos deles estão em casa aguardando chamado para serem operados.
Sou ortopedista atuante nesta cidade desde fevereiro de 1977. Tenho a obrigação intransferível de contar a verdadeira história que levou à essa situação que depõe contra os princípios fundamentais de cidadania e de humanidade.
Não é de agora que a quase totalidade dos municípios de nosso Estado não dispõe de estrutura para atender as vítimas de trauma. Por isso resta-lhes a alternativa de enviá-los, aos montes, para Porto Velho – a maioria deles para o Hospital e Pronto Socorro João Paulo II. Isso representa uma demanda que, decididamente, a unidade não tem meios para resolver em tempo hábil em condições adequadas.
Todavia, para que se seja justo, é preciso que digamos que os prefeitos, particularmente aqueles dos municípios menores e mais distantes da capital, têm muita dificuldade em contratar ortopedistas uma vez que essas cidades não oferecem atrativos para esses especialistas, além de não disponibilizarem condições hospitalares adequadas para realização de cirurgias ortopédicas. Diante disso, só lhes resta encaminhar esses pacientes para o João Paulo II. O número desses especialistas é insuficiente em todo o Estado, inclusive na capital.
Muitos dos que foram aprovados em concursos feitos pelo governo anterior pediram demissão. Não aceitaram se submeter a trabalho tão exaustivo pelo salário que recebiam. O vizinho estado do Acre paga o dobro do que se paga por aqui. No mais, sem o incentivo à produtividade, não há estímulo nem comprometimento suficiente com o trabalho.
Outro fator que desestimula o profissional a trabalhar com salário insatisfatório é o fato de ele poder ser melhor remunerado atuando para os convênios e atendendo pacientes particulares. Com o advento das hidrelétrica do Madeira, houve um aumento importante nesse tipo de demanda.
Devido ao exagerado número de vítimas de trauma que procura o Hospital João Paulo II, as condições de trabalho têm sido cronicamente precárias e até arriscadas. Faltam leitos (muitos pacientes ficam em macas e até no chão), salas cirúrgicas e até material. O Conselho Regional de Medicina de Rondônia (Cremero) já realizou reiteradas fiscalizações em governos anteriores, atestou a falta dessas condições e pediu providências, que não foram tomadas a contento naquela ocasião, segundo aquela instituição de ética médica.
Enquanto a maioria dos municípios de Rondônia não tiver condições de atender adequadamente seus habitantes que forem vítimas de traumatismos, o problema, a despeito do que se fizer, continuará existindo. Não é possível suportar essa abusiva centralização de atendimento. Mesmo que sejam contratados mais profissionais e até que sejam melhoradas as condições de atendimento do João Paulo II (neste governo já o foram), o número de pacientes operados será sempre menor que os novos casos que chegam diariamente àquela unidade pública de emergência.
Quanto aos ortopedistas (faltam também outros especialistas ligados às lesões traumáticas como anestesiologistas, neurocirurgiões, cirurgiões gerais, cirurgiões bucomaxilofaciais, cirurgiões plásticos, entre outros), enquanto não houver estímulo financeiro (ganhar pela produtividade é fundamental) e de condições de trabalho, dificilmente o governo conseguirá formar a equipe de que necessita para resolver o grave problema.
As condições de trabalho são fundamentais. O profissional precisa ter meios técnicos que geram a tranquilidade e segurança em seu ambiente de laboral. Grande parte dessas cirurgias ortopédicas são complexas, demandam tempo considerável para sua execução e exigem um acompanhamento prolongado (a maioria entre 6 meses a 1 ano). Ou seja: para atender bem o paciente, o médico que o opera deve fazer seu acompanhamento até seu restabelecimento. Quando isso não acontece, geralmente o resultado fica aquém do que poderia ser alcançado. Operar pacientes ortopédicos em “escala industrial” somente para esvaziar os leitos hospitalares e não lhes dar um pós-operatório adequado os expõe a sérios riscos de complicações.
Ainda veremos muita água do Madeira passar pela suas usinas antes que o serviço público atinja a eficiência necessária, compatível com seus altos custos. É ilusão achar que a assistência às vítimas do trauma em Rondônia, em especial às acometidas por fraturas no contexto em que hoje se encontram, seja resolvida tão somente com as medidas que possam ser praticadas no âmbito dos hospitais públicos. Há décadas que se espera por esse tipo de solução nas unidade públicas de saúde – sou testemunha vivencial disto! Mesmo porque o governo terá muitas dificuldades, pagando o que paga, de otimizar essas condições assistenciais, principalmente no que tange a contratação de especialistas devidamente comprometidos em levar adiante esse projeto de atenuar ou até resolver, de uma vez por todas, esse desassistência crônicas aos pacientes ortopédicos.
O governo anterior fez concurso para contratação de ortopedistas, entre outras especialidades. Muitos dos profissionais que foram aprovados, sequer tomaram posse, e outros, em pouco tempo, pediram para sair: muito trabalho e muita responsabilidade por pouco dinheiro. Negociações foram feitas, reiteradas vezes, pelas autoridades estaduais de saúde, mas resultaram infrutíferas. Uns médicos voltaram para suas cidades de origem, outros foram para o Acre receber salário dobrado. Esgotadas as tentativas no âmbito público, o governo anterior contratou a iniciativa privada para atender os casos excedentes que necessitavam de cirurgias ortopédicas. A prática, instituída a partir de agosto de 2009, teve a participação de três hospitais (os outros não quiseram participar). O resultado, sob todos os aspectos, mostrou-se satisfatório. Foi mais barato, visto que um paciente, face à espera prolongada para se submeter a tratamento cirúrgico, que era (pasmem!), em média, de 42 dias, custou aos cofres públicos (pasmem mais uma vez!) R$ 17.500,00 em 2010. Operá-lo em hospitais privados custou 25%, em média, desse valor. A terceirização dos casos excedentes foi também satisfatória pela rapidez do atendimento. Os hospitais operaram, em média, 12 pacientes por dia e, no pequeno período em que atuaram (houve várias interrupções por questões burocráticas) foram tratadas 1500 fraturas em 1400 pacientes.
A Constituição Federal, em seu artigo 196, é clara: saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Quando o Estado não tem condições de oferecê-la dignamente, não há o que discutir: precisa buscar solução em quem pode dá-la. Não pode haver prioridade maior que a saúde.
Sei da preocupação e do empenho do governador Confúcio Moura em solucionar o grave problema. Sei que ele tem pressa posto que a fratura é exposta e já está passando – e muito – do tempo de ser tratada. Mas lamento dizer que todas as medidas propostas até agora não foram e nem serão suficientes para resolver o problema com a urgência que ele exige. Algumas, quando muito, terão resultados paliativos temporários. Afirmo isto embasado na atenção continuada ao problema, que vivenciei, como gestor público (inaugurei e dirigi o Hospital de Base Ary Pinheiro durante o governo de Jorge Teixeira), e vivencio na iniciativa privada (sou proprietário de uma hospital há 23 anos) e ainda como ortopedista atuante em Porto Velho há 34 anos. Ou se faz tudo que precisa ser feito a curto, médio e longo prazos, ou o problema continuará fazendo vítimas por muito tempo.
NOTA DO AUTOR – O experiente médico Orlando Ramirez acaba de assumir a pasta da Saúde com recomendação expressa do governador Confúcio Moura para dar prioridade à grave questão da ortopedia. Orlando, que conheço de longa data, pensa pragmaticamente e assume o cargo com o propósito de resolver a questão de uma vez por todas. Ele discorda veementemente de medidas paliativas temporárias. O novo secretário coordenou pioneiramente, no governo de José Bianco, uma ação resolutiva em relação a esse problema. Deu o resultado esperado.
Desejo firmemente, e com sinceridade, que o atual governo tenha sucesso em suas investidas para solucionar o grave problema crônico da saúde estadual, que não se restringe, como se sabe, às deficiências no atendimento às vítimas do trauma. Sendo o governador um médico de larga experiência, temos razões para admitir que, dessa vez, nossa população será assistida, neste mister, como merece.
Fonte: Viriato Moura / jornalista DRT-RO 1067 - viriatomoura@globo.com
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