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Viriato Moura

Literatura Minimalista: Haicai


Literatura Minimalista: Haicai - Gente de Opinião

Haicai é um pequeno poema de dezessete sílabas, originário do Japão, a partir de manifestações poéticas chinesas antigas, composto por três versos, sendo dois de cinco sílabas – o primeiro e o último – e um de sete, sem rima e sem título. No Brasil, os de cinco sílabas são conhecidos por redondilhas menores, e, os de sete, por redondilhas maiores, originárias na poesia da Galícia (Europa Central), a partir do século XVI, e muito usadas por Luís Vaz de Camões (1524-1580), o maior representante do Classicismo português.

Diversas grafias já foram utilizadas (hai-kai, haikai, haiku – a última, em outros países, exceto o Brasil) para denominar esse tipo de terceto. Entretanto, após a supressão da letra k, pela reforma ortográfica de 1943, os dicionários de língua portuguesa passaram a registrar a forma aportuguesada haicai, cuja origem provém dos vocábulos japoneses hai, que significa brincadeira, e kay, harmonia.

A época precisa do surgimento dessa forma concisa de poesia ainda é controversa. Sabe-se, entretanto, que sua popularização se deu no século XVII, principalmente através da produção de Jinskikiro Matsuo Bashô (1644-1694), simbolista inspirado nas expressões da natureza (sobretudo, nas paisagísticas) e adepto do zen. Há quem afirme, todavia, que Bashô foi ultrapassado, tanto em popularidade quanto em inspiração, por um poeta do século seguinte, Yataro Kobayashi, conhecido como Issa (1763-1827).

O haicai, em sua concepção original de conteúdo, caracteriza-se por tal objetividade e simplicidade de exposição das ideias que dispensa a obrigatoriedade de elaborações imagísticas mais do que qualquer outra expressão poética. Aquele que escreve haicais (haijin), à maneira tradicional, a partir da contemplação da natureza, descreve a fugacidade do momento, sem explicações e sem memória. É o que se pode chamar de uma “fotografia” literária, visto que congela o instante.

Em 1908, o haicai chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes japoneses, que desembarcaram no Porto de Santos. Somente em 1919, passou a ser produzido no país, sendo seu precursor o poeta Afrânio Peixoto (1875-1947). Desde então, vem passando por modificações polêmicas que levaram à classificação dos haicaístas em tradicionais, aqueles obedecem rigorosamente a construção japonesa, com linguagem simples, com métrica, sem rima e sem título; em seguidores da produção de Guilherme de Almeida (1890-1969), que propõe que o haicai tenha título, métrica rígida e rima, e em uma terceira corrente, representada por muitos autores contemporâneos, que incorpora a esse gênero de produção literária tradições brasileiras, desobrigando-o de referências às estações do ano (kigô) e da métrica, além de permitir temática irrestrita. Quanto à pontuação, de acordo com Reichhlod (2002), não sendo o haicai uma sentença, seria desnecessária; entretanto, isso não foi aceito consensualmente pelos haicaistas ocidentais: uns usam-na como num texto qualquer; outros, ocasionalmente, e outros ainda a suprimem completamente. 

A ocidentalização do haicai, portanto, alterou de modo importante suas estética e temática a ponto de interferir sobre as reações sensoriais que pode provocar, desconstruindo-o, assim, quase que em sua totalidade – os puristas, adeptos dos haicais tradicionais, preferem considerá-los apenas poemetos. No que refere a seu conteúdo, o haicai passou também a incitar mentes, ao invés de acalmá-las – o que lhe agrega novos valores literários – chegando, em alguns casos, a expressar conceitos filosóficos. Nesse contexto, apenas a inspiração não se sustenta se não contar com o auxílio da lógica acrescida de aguçada sensibilidade para encontrar, como quem degusta um vinho, seus gostos e retrogostos.

Os que consideram o haicai como uma das várias práticas zen, encontrarão nos exemplos aqui citados apenas resquícios esporádicos dessa acepção. Tanto que, alguns deles, mais que simples modificações estético-temáticas, apresentam-se como verdadeiras mutações. Isso porque não pretendem, a priori, o que preconiza o zen-budismo, escola filosófica (alguns o consideram também religião) nascida na China, no século VI d.C., que busca o estado extático de iluminação pessoal (satori), equivalente a um rompimento deliberado com o pensamento lógico, alcançado por práticas de meditação sobre o vazio, ou a reflexões que visam a absortos paradoxos e enigmas insolúveis (koans).

Os haicais deste autor se enquadram, portanto, na corrente mais contemporânea, por isso, mais libertária, que promove sua desconstrução conceitual radicular, preservando-lhe apenas a concisão dos tercetos. A rima lhe é acrescida como um condimento lírico e rítmico, que os emoldura, ainda que prescindível à poesia, como entenderam, por séculos na Antiguidade, poetas gregos e romanos. Mas valoriza – e muito! – a metáfora, fundamental coluna de sustentação das investidas poéticas. No que se refere aos títulos, tendem a evitar explicitudes que guiariam à compreensão imediatista do leitor, pretendem apenas intuir reverberações psíquicas que façam sentido a seu universo vivencial, dando-lhe oportunidade a uma leitura identitária que o faça apropriar-se de seus substratos.

CONQUISTA 

A força que talha 

O guerreiro capaz 

Nasce em batalha. 

 

PRESENÇA 

A ausência 

Vive fora 

De onde mora. 

 

INFANTIL

Brincar de viver

Mais risco

De se perder.

 

INSPIRAÇÃO 

Uma formiga 

Sobre a folha que cai 

Tapete de haicai.

 

PRIMAVERA

Um cadáver ao relento

Recebeu uma flor

Soprada pelo vento.

 

TRAUMA 

Ao olhar 

Pelo retrovisor da vida 

Vê-se uma criança ferida. 

 

MOTIVO

Compulsivo apego

Alimenta

Desassossego 

 

SIGNIFICADO 

Metáfora 

Sua meta 

Está fora.

 

*Viriato Moura é médico, jornalista, artista plástico, cartunista, chargista, autor de 20 livros (prosa e verso), 3 opúsculos e participou de 9 coletâneas literárias. Recebeu diversas condecorações a nível municipal, estadual e nacional, sendo a mais recente delas a Comenda Moacyr Scliar – Medicina, Literatura e Arte, que lhe fora outorgada pelo Conselho Federal de Medicina. É membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes, da Academia de Letras de Rondônia e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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