Domingo, 25 de dezembro de 2011 - 13h10
Recordo, com o sabor de agora, os preparativos para o Natal da nossa família. Mãe Maria e vovô Moura eram portugueses, por isso gostavam de fartura à mesa. Desde o amanhecer do dia 24, nossas domésticas, Sebastiana, quando eu era bem criança, e depois Zilma, quando mais crescido, movimentavam a cozinha com mais agilidade, sob o comando da mamãe, para que tudo estivesse pronto ao anoitecer. Bolos, pães doces, pudins, castanhas portuguesas, nozes, uvas passas e as deliciosas rabanadas (os lusitanos chamam-nas de fatias paridas), que são rodelas de pão passadas em ovo batido com açúcar, em seguida, fritas. Quando prontas, são polvilhadas com canela. Esta parte, a dos doces, era a que eu mais apreciava. Mas como nas casas portuguesas, com certeza não poderiam faltar pratos com bacalhau. Os perus, então, eram escassos por aqui. Como não dispúnhamos de supermercados, era difícil conseguir alguns produtos próprios para essa festa.
Na noite de 24, fazíamos apenas uma ceia em família. A grande festa, com troca de presentes e cumprimentos, nessa época da minha vida, acontecia no dia 25. Havia uma razão especial para deixarmos a comemoração para o outro dia: meu aniversário. Até completar 13 anos de idade, vivi esta ilusão de ter nascido no dia de Natal. Isto porque mamãe Maria dos Anjos, que biologicamente era minha avó, não queria que eu soubesse que havia nascido no dia 19 de outubro – data em que, três horas após meu nascimento, mãe Maria de Lourdes faleceu. Preocupada com a possibilidade de que me tornasse uma criança triste por ter associada o dia do meu nascimento com a morte de minha mãe, ela, movida pelo amor, preferiu poupar-me dessa notícia até que eu tivesse uma idade que pudesse assimilar melhor esse informação.
O badalar festivo dos sinos da Catedral Sagrado Coração de Jesus anunciava que a Missa do Galo estava para começar. Mamãe despedia-se e se dirigia à igreja. Vovô ficava em casa em nossa companhia. A expectativa da chegada do Papai Noel, deixava-me insone, assim como a meu primo Hiran, que também morava conosco. Antes de deitar, certificava-me se os sapatos, devidamente engraxados, estavam embaixo da cama – senha para que Noel não esquecesse de mim. Para chamar o sono, fechava os olhos e rezava o “Anjo de Deus” pedindo que me fizesse dormir logo e, claro, que o bom velhinho me trouxesse belos presentes.
Acordava cedo na manhã do Natal, para aproveitar os brinquedos recebidos. Como era festejado o meu aniversário, com a sinceridade própria das crianças, exigia receber dois brinquedos – roupa não valia – mesmo quando deixei de acreditar em Papai Noel, fato acontecido quando nossa mãe, para profunda decepção da nossa ingenuidade infantil, resolveu nos contar a verdade, com receio de que alguém o fizesse antes e ela ficasse desacreditada por nós. Mesmo assim, de tanto que eu acreditava, tive por algum tempo a sensação de que enquanto acreditei no generoso personagem das noites natalinas ele era de verdade. Ah, a ilusão, condimento dessa tal felicidade...
A imagem lúdica do Natal foi amarelando como foto envelhecida. Ao longo dos tantos natais vividos, procurei evitar que escapasse de mim a concepção que me possibilita ver essa festa cristã com a boa vontade de quem acredita que, apesar de tudo, a humanidade ainda pode renascer para dias melhores. Só depende de nós.
Feliz Natal!