Terça-feira, 8 de junho de 2010 - 11h12
Viriato Moura*
“O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano , em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.”
Código de Ética Médica, art. 2º
Não é o médico que sabe mais medicina que cura mais. Há aqueles bem formados que não conseguem resultados compatíveis com seu cabedal de conhecimentos. Medicina é ciência e arte. Ciência que cobra o domínio teórico e prático do saber vigente. Arte que requer sensibilidade para perscrutar os anseios mais íntimos do ser humano que sofre.
O médico fundamenta seus atos em ciências naturais como a biologia, a física e a química, que sustentam a cientificidade da medicina. Todavia, não deve esquecer que sua arte requer que ele saiba do comportamento das pessoas para compreender suas necessidades existenciais. O médico, escreve Norman Cousins, “não é um mero receitador de remédios, mas um símbolo de tudo que é transferível de um ente humano a outro, salvo a imortalidade”. Reitera T.R. Harrison, autor de um clássico da medicina contemporânea: “O doente necessita sentir que sua personalidade singular está sendo compreendida e apreciada e que a essência dos problemas de sua vida foi integralmente apreendida pelo médico”.
O médico não deve se referir ao paciente como uma doença, um caso, um número de aposento ou de leito. O que cativa, doentes e sãos, é ser tratado como gente. Lamentavelmente, o avanço tecnológico vem roubando do médico essa virtude. Ele confia tanto na decisão das máquinas de diagnosticar a ponto de relegar a relação interpessoal com seu paciente e os procedimentos semióticos.
O paciente é um atento observador de seu médico. Subestimar essa capacidade poderá trazer transtornos para a relação médico-paciente. Tudo que o médico diz e faz é importante para o doente que ele assiste. Afinal, por instinto de conservação, quem precisa saber mais com quem está lidando e a quem está se entregando a cuidados é o paciente.
O médico que não desperta confiança está fadado ao insucesso profissional. Hipócrates já percebera isso nos primórdios da medicina ao postular uma conduta ética ao médico assim como de recomendar que cuide da própria aparência, dos seus gestos e atitudes sociais. É na confiança que o médico desperta em seu paciente que reside o efeito placebo que ele provoca. “A personalidade do médico pode funcionar mais poderosamente sobre o paciente que as drogas empregadas”, alude Paracelso. Pesquisas comprovam que mais de 34% da ação terapêutica dos medicamentos deve-se ao efeito placebo e não aos seus princípios ativos. É procedente, portanto, concluir que expressivo número de enfermos são curados mais pela confiança nos médicos que os tratam do que no efeito científico de suas prescrições.
O Código de Ética Médica, coluna mestra que normatiza a boa conduta moral do médico, pressuposto basilar para que seja confiável, explicita em seu artigo 4º que a ele “cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e o bom conceito da profissão”. Todavia, não é demais lembrar, escreve Elias Abdalla Filho, que esse código “só pode ser verdadeiramente exercido se encontrar ressonância na personalidade do médico”. Do contrário, conclui o autor, “será obedecido de forma apenas protocolar, estéril e carente de sentido, carente mesmo de sua própria razão de existir”.
O médico que difama levianamente seus colegas infringe a ética e conspira contra a credibilidade da própria profissão. Mais que qualquer outro profissional, depende da confiança nele depositada para que funcione com eficácia. Bernard Lown, conclui: “A crítica ferina corrompe a capacidade de cura dos médicos”. Não é só o médico acusado, justa ou injustamente, que sofrerá os danos da difamação. O descrédito disseminado gerará insegurança coletiva, principalmente naqueles que precisam da assistência desses profissionais. Isso não significa que o médico, à revelia do artigo 37 do seu código de ética, acumplicie-se com os seus maus colegas protegendo-os com o silêncio. Denunciar responsavelmente o mau médico ao conselho de ética ou até em instâncias judiciais é obrigação do bom médico, em nome da boa prática da medicina.
O aprimoramento científico continuado, teórico e prático, a observância aos preceitos éticos e humanitários, o bom senso, o discernimento decisório e a empática relação médico-paciente compõem a imagem do médico verdadeiramente confiável. Este, sim, o médico que cura mais, o bom médico.