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Viriato Moura

O bom médico


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Viriato Moura

                                                               "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional."

                                                                                    Código de Ética Médica, art. 2º       

 

            Não é o médico que sabe mais medicina que cura mais. Há aqueles bem formados que não conseguem resultados compatíveis com seu cabedal de conhecimentos. Medicina é ciência e arte. Ciência que cobra o domínio teórico e prático do saber vigente. Arte que requer sensibilidade para perscrutar os anseios mais íntimos do ser  humano que sofre.

            O médico fundamenta seus atos  em ciências naturais como a biologia, a física e a química, que sustentam a cientificidade da medicina. Todavia, não deve esquecer que sua arte requer que ele saiba do comportamento das pessoas para compreender suas necessidades existenciais. O médico, escreve Norman Cousins:"Não é um mero receitador de remédios, mas um símbolo de tudo que é transferível de um ente humano a outro, salvo a imortalidade". Complementa T.R. Harrison, autor de um clássico da medicina contemporânea: "O doente necessita sentir que sua personalidade singular está sendo compreendida e apreciada e que a essência dos problemas de sua vida foi integralmente apreendida pelo médico". 

            O médico não deve se referir ao paciente como uma doença, um caso, um número de aposento ou de  leito. O que cativa doentes e sãos é serem tratados como gente. Lamentavelmente, os avanços tecnológicos vêm roubando do médico essa virtude. Alguns deles confiam tanto na decisão das máquinas de diagnosticar a ponto de relegar a relação interpessoal com seu paciente e os procedimentos semióticos.

            O enfermo é um atento observador de seu médico. Subestimar essa sua capacidade poderá trazer transtornos para a relação médico-paciente. Tudo que o médico aparenta ser é importante para o doente que ele assiste. Afinal, por instinto de conservação, quem precisa saber mais com quem está lidando e a quem está  se entregando a cuidados é o paciente.

            O médico que não desperta confiança está fadado ao insucesso profissional. Hipócrates percebera isso desde os primórdios da medicina ao postular uma conduta ética ao médico e recomendar que cuidasse da própria aparência, dos seus gestos e atitudes sociais. É na confiança que o médico desperta em seu paciente que reside o efeito placebo que ele provoca. "A personalidade do médico pode funcionar mais poderosamente sobre o paciente que as drogas empregadas", aludiu Paracelso. Pesquisas comprovam que mais de 34% da ação terapêutica dos medicamentos devem-se ao efeito placebo e não aos seus princípios ativos. É procedente, portanto, concluir que expressivo número de doentes são curados mais pela confiança que depositam nos médicos que os tratam do que no efeito científico de suas prescrições.

            O Código de Ética Médica, coluna mestra que normatiza a boa conduta moral do médico, pressuposto basilar para que seja confiável, explicita em seu artigo 4º que a ele "cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e o bom conceito da profissão". Todavia, não é demais lembrar, escreve Elias Abdalla Filho, que esse código "só pode ser verdadeiramente exercido se encontrar ressonância na personalidade do médico".  Do contrário, conclui esse autor, "será obedecido de forma apenas protocolar, estéril e carente de sentido, carente mesmo de sua própria razão de existir".

            O médico que difama levianamente seus colegas infringe a ética e conspira contra a credibilidade da própria profissão. Mais que qualquer outro profissional, o médico depende da confiança nele depositada para que funcione com eficácia. Bernard Lown, conclui: "A crítica ferina corrompe a capacidade de cura dos médicos". Não é só o médico acusado, justa ou injustamente, que sofrerá os danos da difamação; o descrédito disseminado gerará insegurança coletiva, principalmente naqueles que precisam da assistência desses profissionais. Isso não significa que o médico, à revelia do artigo 37 do seu código de ética, acumplicie-se com os seus maus colegas protegendo-os com o silêncio. Por vezes, para deter um contumaz mau médico só resta a seus colegas denunciá-lo, responsavelmente, ao conselho de ética da profissão ou até em instâncias judiciais, em nome da boa prática da medicina.   

            O aprimoramento científico continuado, teórico e prático, a observância aos preceitos éticos e humanitários, o bom senso, o discernimento decisório oportuno e a empática relação médico-paciente compõem a imagem do médico verdadeiramente confiável. Este, sim, o médico que cura mais, o bom médico.

 

*Viriato Moura é médico, jornalista, artista plástico, cartunista, chargista, autor de 20 livros (prosa e verso), 3 opúsculos e participou de 9 coletâneas literárias. Recebeu diversas condecorações a nível municipal, estadual e nacional, sendo a mais recente delas a Comenda Moacyr Scliar – Medicina, Literatura e Arte, que lhe fora outorgada pelo Conselho Federal de Medicina. É membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes, da Academia de Letras de Rondônia e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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