Sábado, 2 de março de 2013 - 18h50
O fotografo nativista acordou inspirado. Era agosto de 2012, mês do centenário de inauguração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A manhã ensolarada de domingo o motivou a fotografar alguns escombros da ferrovia, mãe do estado de Rondônia.
Nostálgico, resolvera começar seus registros pelo quase nada que sobrou do Cemitério da Candelária, que inumou os que morreram durante aquela que foi a maior epopeia do século 20.
No campo santo tomado pela rebeldia da selva, que não deixou em paz o que restou daqueles trabalhadores nem depois da morte, o artista visual caminhou por entre galhos, folhas mortas e vida vegetal. Parava aqui e acolá em meio ao som do vento que soprava do rio Madeira e sacudia árvores, e do canto de passarinhos.
Durante sua caminhada a passos curtos e lentos, o fotografo, em êxtase contemplativo, relembrava a história desbravadora dos milhares de homens que vieram para esta região no início do século passado para construir a ferrovia. Tão denso era o seu pensamento que a cor do ambiente se transmutou em sépia. Em dado momento, pareceu-lhe ter entrado no túnel do tempo, chegado ao final da primeira década do século passado, e estar assistindo a um funeral: homens rudes trazendo um corpo para ser sepultado – fim de linha para quem buscou uma aventura compensadora nos confins da Amazônia, num país distante do seu, e acabara abatido pela impiedosa floresta.
O sol escaldante de quase meio-dia iluminava a pequena clareira com seus raios perpendiculares. O fotografo sentira que havia chegado o momento de começar a praticar sua arte. Posicionou sua câmera em diversas direções, e clicou o que lhe falava à alma. Instantes – tinha esta sensação – congelados há mais de um século quando o cemitério cumpria sua função derradeira morada.
Ao tempo em fotografava, sentia, com pesar, o abandono em que se encontrava aquele local de tanto significado histórico para a terra que tanto ama, a sua Rondônia. Ao ver uma lápide ainda legível, foi tomado por uma compulsiva vontade de fotografá-la, como se ela fosse de um ente querido seu. Apontou sua lente para o que restou da sepultura e, quando ia acionar o botão para captar a foto, sentiu como se u’a mão forte e ágil puxasse seu braço direito, fazendo com que sua ferramenta de trabalho quase fosse ao chão. Assustado, tomado por arrepio de corpo inteiro, ficou imóvel como um retrato. Olhou para todos os lados possíveis, mas nada que pudesse ter causado o que havia sentido estava por perto.
Impactado pelo ocorrido, deixou o local em direção ao que ainda perdura da ferrovia, que passa nas proximidades. Intrigado com o ocorrido, nem sequer teve tempo de se recuperar do susto: enquanto caminhava entre os trilhos em direção a Porto Velho, ouviu forte barulho de uma locomotiva em movimento, seguido de um silvo, quase um grito.
Assombrado com o que acabara de vivenciar, retirou-se da cena de tons seculares que, aos poucos, mostrava o colorido da realidade presente: as cores vivas do descaso com a memória da EFMM e dos que tombaram durante a sua construção.
O que teria acontecido naquela manhã de agosto com o fotógrafo nativista? Seria o clamor dos mortos da lendária estrada de ferro diante do desrespeito a sua memória?...
Nota do Autor – O texto acima é baseado num relato feito ao autor por um dos mais importantes fotógrafos de Rondônia, que disse tê-lo vivenciado.