Sábado, 11 de junho de 2011 - 17h14
A simples confirmação de que ele estava a caminho de nossa residência para nos tratar já era um alento. Quando adentrava em nosso lar, trazendo consigo um fator de cura importante, a confiança nele depositada, criava expectativa de melhora e até de completo restabelecimento do doente. Esse ser especial, admirado e querido no seio das famílias que assistia, era o médico de família. Figura empática, que exercia sua medicina muitas vezes com mais arte do que ciência, faz parte dos personagens do passado que deixaram saudade.
Com o evolução da medicina, esse tipo de médico foi dando lugar a outro, de formação mais específica, o especialista. Assim, num processo natural, o novo médico, aquele que domina técnicas avançadas, que manipula com habilidade novos arsenais terapêuticos, aos poucos tirou de cena o velho médico do ontem com suas limitações científicas, mas portador de um poder efetivo para atenuar e até banir doenças: o efeito placebo de seu carisma e os laços solidários dele decorrentes.
O desejo, por muitos declarado, de trazer de volta o médico de família precisa, todavia, ser analisado com maior acuidade e sem tanta emoção. Seria mesmo válida a idéia de estimular a formação desses profissionais? Ou será essa idéia apenas uma busca saudosista? Há espaços e contextos no mundo atual para esse tipo de médico?
Em primeiro lugar, é importante que se defina o verdadeiro conceito de médico de família. Ele não deve ser concebido apenas como um clínico geral. A boa formação generalista é fundamental para todo médico.
Afinal, não se pode cuidar corretamente, em termos de medicina, de parte se não se sabe do todo. A compartimentalização dessa ciência trouxe deformações para o conhecimento médico, a ponto de alguns profissionais serem levados a erros de avaliação diagnóstica e terapêutica pelo fato de perceberem seus pacientes através da visão convergente de suas especialidades.
Quando se trata de médico de família, não basta apenas ser bem formado em medicina. Esse profissional precisa ter um contato mais intimista com as famílias que assiste. A relação médico-paciente, pedra basilar da adequada assistência médica, transcende a uma relação profissional onde há um prestador e um tomador de serviços. O médico de família, nos moldes do passado, era um ente muito querido e respeitado pelas famílias que atendia, considerado praticamente um membro delas. Na maioria das vezes, nada se fazia no âmbito da saúde dessas famílias sem que antes ele fosse consultado. Ele era, em algumas situações, um conselheiro até para questões fora dos assuntos médicos.
Vivemos num mundo onde as pessoas estão cada vez mais bem informadas. O advento da internet abriu novos e importantes canais de acesso ao conhecimento. A demanda de informações é grande e não há como dominá-la como no passado. O saber médico generalista impõe superficialidade em alguns aspectos. Daí o espaço garantido aos especialistas, que serão tão melhores quanto maior for a visão generalista que tiverem da medicina. No mais, os pacientes e seus familiares já assimilaram o culto a esses profissionais. Os próprios médicos endossaram essa conduta encaminhando seus pacientes para seus colegas de outras especialistas quando o caso o requer. A despeito de o Código de Ética Médica não impor a necessidade da especialização médica, atualmente é considerado antiético tratar de pacientes que requerem outros especialistas.
Ainda sob a possibilidade de trazer de volta o médico de família como os do passado, cabe ressaltar que as condutas mudaram também no que tange ao modo de vida, especialmente nos centros urbanos maiores. As cidades cresceram, as pessoas estão física e afetivamente mais distantes, e grande parte dos médicos não tem tempo para atenções mais exclusivistas, inclusive deslocamentos para consultas domiciliares. Posturas mais pragmáticas e em locais tecnicamente mais apropriados atendem melhor aos propósitos do medico de hoje.
A despeito do sentimento receptivo que alguns ainda nutrem por esse carismático personagem de nosso passado, não é de todo viável trazê-lo de volta. Assim sendo, pelo menos que se invista na reformulação do ensino médico, que continua a ensinar uma medicina mais somática, que ainda subestima a influência do psicológico, do contexto social e cultural das pessoas. Por isso, impõe-se formar médicos com visão integral do ser humano, médicos de verdade, que pratiquem uma medicina de qualidade. Uma medicina como deve ser.
Fonte: Viriato Moura / jornalista DRT-RO 1067 - viriatomoura@globo.com
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Pedir segunda opinião médica: um dilema dos pacientes
Até que ponto é válido ouvir uma ou mais opiniões de outros médicos quando se quer avaliar a do médico que nos trata? Essa atitude tem resultados pr