Domingo, 16 de setembro de 2012 - 18h41
Mendel, o pai da genética, tinha razão: a gente tem a quem puxar. Para os nossos ascendentes, é claro.
Quanto a minha mãe, que morreu poucas horas após o meu nascimento, não sei o que dela herdei. Quem a conheceu, disse-me que ela era a imagem da serenidade. É esse seu jeito de ser, mamãezinha querida, a senhora não me deixou. Com certeza deixou outros, que mesmo não sabendo de todo quais foram, os recebi e espero ter feito bom uso deles. Uma coisa ficou comigo: a saudade imensa, mesmo não a tendo conhecido pessoalmente. E que saudade...
Do temperamento do meu pai, muito herdei. Entre outras características, o gosto pelas artes visuais e pela literatura. Pintor nas horas vagas, de estilo acadêmico, seus temas favoritos eram as belas paisagens, em particular as marinhas. Recebeu mais de uma centena de prêmios pelas suas obras, no Rio Janeiro, onde morava. Amante das letras, era um leitor atento e assíduo, escreveu quatro livros e centenas de crônicas; muitas delas publicadas no Alto Madeira, durante vários anos. Era membro correspondente da Academia de Letras de Rondônia.
Pois é... Foi uma expressão como essa que me fez conhecer mais um aspecto da personalidade marcante de Adelino Moura. Explico: quando ele começou a escrever crônicas para o mais antigo de nossos jornais, pediu-me que emitisse opinião sobre seus textos. Claros, concisos, num bom português. Até que, num deles, li o tal “pois é ...”, no início de um parágrafo. Em atenção a seu pedido, escrevi-lhe uma carta dizendo a ele que poderia ter dispensado a expressão, que nada significa. Foi como se eu o tivesse acusado de um crime que não cometeu. Isso mesmo: um crime.
De pronto, ao receber minha missiva, telefonou-me para justificar, como se estivesse se defendendo perante um tribunal. Quase não me deu tempo de esclarecer que aquela fora apenas uma sutil observação feita em relação a sua crônica que, por sinal, estava bem escrita. Não adiantou. Ele não se deu por satisfeito e continuou citando grandes cronista como Rubem Braga, Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e assim por diante, que usaram em seus escritos o tal “pois é...”.
Após o longo telefonema e a minha reconsideração (e arrependimento) por ter feito o comentário, achei que tudo estava esclarecido. Ledo engano. Dias depois, recebi uma extensa carta onde ele repetiu tudo que havia dito por telefone e ainda acrescentou outros argumentos, com citação de mais autores e cópias das páginas dos livros onde aparecia a expressão. Fui obrigado a me render a seus argumentos, jogar a toalha. Não ousei nem tirar a minha última carta da manga: dizer-lhe que aquele jeito de dizer me parecia ser mais apropriado para a linguagem oral – apenas para ter uma saída digna.
Contei essa historinha com propósito de reiterar que também esse jeito de ser herdei do meu pai. Ao ser questionado sobre algo, se achar que tenho razão, levo à exaustão os meus argumentos a quem fez a crítica. Se achar que não tenho, aceito o questionamento e procuro aprender com ele. Mas não sem o arrependimento de ter cometido o ato falho.
O motivo de relembrar esse “impasse” com o meu velho pai foi reiterar a admiração que tinha pelos seus dotes, que eram muitos. E para dizer que ele foi embora para sempre no dia 7 de junho deste ano e, a essa altura, se tiver encontrado com outros literatos que se foram, não duvido que ainda peça o endosso deles para o tal “pois é...”.