Sábado, 4 de dezembro de 2010 - 20h40
O Brasil é o país com a oitava maior população carcerária por habitante. Nossos presídios estão superlotados e o número de presos continua aumentando consideravelmente. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 1995 eram 148.760 presos no pais (95 presos para cada 100.000 habitantes) . Em junho deste ano, já havia 419.551 detidos em penitenciárias e delegacias (227 presos por cada 100.000 habitantes).
Segundo o mesmo órgão, se fossem contabilizados os 500.000 mandados de prisão expedidos e não cumpridos, disputaríamos com Cuba a terceira posição mundial. A taxa da população carcerária no Brasil por habitante está bem acima da média da América do Sul, que é de 165,5 por 100.000 habitantes, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Há uma deficiência de 200.000 vagas nas cadeias de todo o país, segundo o Depen.
Não há dúvida de que a questão carcerária no Brasil está a merecer, há muito tempo, providências pragmáticas. Enquanto a solução não vem, presos continuam sendo tratados como animais desprezados coabitando em condições promíscuas, desumanas – eis o estopim das rebeliões. É a justiça sentenciando a injustiça. Afinal, a pena é a privação de liberdade. Não sofrimentos atrozes em ambientes fétidos, sem assistência adequada à saúde. A privação de liberdade dói tanto que dispensa acréscimos ilegais, revoltantes, absolutamente inaceitáveis.
Prende-se para afastar do convívio social transgressores das leis e que, por isso, representam ameaça a essa convivência. Prende-se, também, para punir pela supressão de liberdade. Sem liberdade a felicidade, busca essencial dos seres humanos, não é possível.
Com raras exceções, um dia o preso voltará a ser livre. Voltará como? Certamente que pior do que entrou na prisão. Porque o sistema penitenciário brasileiro, como o de muitos países, em nada contribuem para que o encarcerado saia melhor da prisão. A forma de como é tratado e a ociosidade que vivencia no cárcere incita seus sentimentos mais primitivos tornando-o, na maioria das vezes, um ser mais perigoso. Esta é a regra, não a exceção.
Como se sabe, dispomos de penas alternativas, em que o infrator das leis penais é punido sem ser preso. Em 1987 havia apenas 197 em execução. Nesse ponto, evoluímos: em 2006 já eram cerca de 300.000 casos. Segundo o Depen, caso não existisse essas modalidades de punição, certa de um terço dessas pessoas iria para a prisão, que aumentaria em 100.000 a população de detentos.
Diante de tamanhas evidências, há uma tendência mundial em rever os conceitos que levam a suprimir a liberdade de quem comete crimes. Uma experiência que está dando certo tem a sigla Hope em inglês (Oportunidade de Condicional sob Coação do Havaí), criado por Steven Alm, juiz no estado do Havaí, EUA.
Segundo a escola jurídica defendida pelo citado magistrado, só devem ser presos aqueles de quem temos medo, que não vão parar de cometer crimes, “mas não aqueles que simplesmente nos deixam enraivecidos”. Daí ele ter criado o Hope (que em inglês significa “esperança”), que deixa livre na sociedade alguns criminosos; porém, para cada violação condicional está prevista uma sentença imediata e proporcional – em geral poucos dias de prisão. Violações subseqüentes implicam em sentenças cada vez mais longas. O programa foi iniciado em 2004 com 34 presos; hoje já são 1500 – 1 em cada 6 sentenciados por crime grave na ilha de Oahu (a mais populosa do Havaí).
Steven, em sua primeira audiência de advertência com violadores do Hope, advertia que lhes estava dando oportunidade para conquistarem a liberdade. Mas quem violasse a regras voltaria imediatamente para a cadeia e teria suas chances de liberdade reduzida. Que o Hope oferecia uma escolha de responsabilidade pessoal.
Com escopo de avaliar a eficiência do Hope, estudos das universidade de Pepperdine e da Califórnia mostraram resultados alentadores. Comparando à liberdade condicional, sentenciados do Hope têm risco 72% menor de usar drogas, 55% menor de reincidir no crime e 53% menor de ter a condicional revogada.
Quem comete crime é óbvio que merece punição. Mas a punição além justa, precisa ser inteligente a ponto de avaliar todas as suas condicionantes. Como o Hope suprime de modo imediato e proporcional a pena, o transgressor tende a aceitá-lo como justo. E uma proposta que dá oportunidades é sempre melhor recebida que as intransigentes.
Um sistema que diminui a vitimização, que dá chance de recuperação imediata ao preso, que atenua os problemas materiais e morais da família do apenado encarcerado (principalmente quando ele for o provedor), economiza milhões de reais para o Estado (cada preso custa em torno de R$ 1.000,00 por mês) e já comprovou sua eficiência em outro país, por que não aplicá-lo no Brasil?
Do jeito que está, não dá para continuar. Caso continue, o país, que tem o dever de ser justo com seus cidadãos, terá de assumir o dolo decorrente de sua incompetência ao deixar que seres humanos sejam tratados como lixo.
Fonte: Viriato Moura - viriatomoura@globo.com
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