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Viriato Moura

QUEM BEBE GRAPETTE...


A felicidade é feita de pequenos prazeres, acontecimentos sutis, por vezes. Antoine de Saint-Exupéry, em seu “O Pequeno Príncipe”, escreve que “se vieres às quatro, desde as três sou feliz”. A expectativa da felicidade, por si já é felicidade.

Recordo de minha primeira vivência com essa assertiva. Era eu um garoto de uns cinco ou seis anos quando meu avô Moura levava-me, nas tardes de domingo, para tomar Grapette, refrigerante com sabor de uva, no Bar e Restaurante Plaza, em frente à Praça Rondon. Na verdade íamos “dar uma volta lá embaixo”, como vovô gostava de dizer, referindo-se ao bairro comercial, de nível um pouco mais baixo que nossa rua QUEM BEBE GRAPETTE... - Gente de Opiniãoe, principalmente, que o bairro Caiarí. Mas o momento de saborear o Grapette era o mais esperado. Naquele tempo de escassez de guloseimas por aqui, refrigerantes, maçãs, peras, figos secos, passas e chocolates chegavam dos grandes centros, e os chicletes de bola, disputadíssimos pela criançada, vinham da Bolívia.

Nesse tempo nosso passeio dominical limitava-se a uma caminhada, com parada obrigatória para beber o saboroso refrigerante, tomar sorvete, quando havia, ou degustar um delicioso tacacá.

Descia com vovô a Rua José do Patrocínio, onde morávamos, próximo à esquina da José de Alencar, que nos levava até o centro comercial. Dávamos uma olhada nos cartazes do Cine Brasil, verdadeiras obras de arte – naquele tempo os filmes não vinham acompanhados dessas peças publicitárias, por isto eram criadas ilustrações por artista plástico local. Depois, atravessávamos a Sete de Setembro e íamos até o Cine Teatro Resky, também ver a movimentação das pessoas e os cartazes. Antes das 16h, filas para a vesperal. Depois do início da sessão, o local ficava quase deserto, voltando o fluxo de transeuntes por volta das 17h30, quando o pessoal saía do cinema e ia para o Plaza e para a Praça Rondon.

A Praça Rondon é um capítulo à parte na nossa pequena Porto Velho dos anos 1950, 60 e 70. Uma de suas atrações dominicais era as retretas, protagonizadas pela banda da Guarda Territorial. Guardo na lembrança o repicar da caixinha de Timóteo, um negro esguio, e do compasso marcado pelo surdo, tocado por um simpático gorducho. Durante muitos anos a praça era o mais importante ponto de encontro da sociedade local. Uma passarela sem preconceitos. Moças e rapazes mais humildes dividiam o passeio com os filhos de famílias mais bem situadas socialmente. Geralmente os rapazes, com suas calças e camisas engomadas – os jeans ainda não estavam na moda – faziam poses para os brotos que derramavam charme, com seus vestidos contidos e anáguas armadas uma vez que decotes insinuantes, minissaias e calças compridas não eram bem vistos pelo recato de então. Isso até os anos 1960. Depois vieram as calças de cintura baixa (saint-tropez), bocas de sino, e as minissaias, que fizeram a cabeça da juventude que assumiu sua rebeldia até então contida.

Outra lembrança que tenho dos cinemas do centro e da velha praça de meus domingos de então é a das primeiras sessões noturnas do Cine Resky. Desde rapazinho as frequentava. Mas, quem não tinha quatorze anos corria o risco de ser barrado na bilheteria. Menta, filha da família proprietária do cinema, era a bilheteira de sempre. Ela se negava a vender ingresso para quem não tivesse a idade permitida para assistir o filme em cartaz. A moçada de estatura alta por vezes a confundia; mas os baixinhos não tinham chance. Quando algum espertinho de idade menor que a permitida mandava alguém comprar a ingresso e depois tentava passar pela roleta, era surpreendido por Menta, que da bilheteria observava a entrada do cinema. Decidida, vinha até a roleta para impedir o ingresso impróprio. Menta era gaga, e quando gago fica nervoso, como se sabe, piora. Parecia uma metralhadora tentando dizer que o furão não podia entrar. Assustado, o gaiato tinha que sair de fininho antes que agentes do juizado de menores chegassem. Nos tentadores filmes impróprios até 18 anos, aí é que a vigilância da pudica Menta redobrava.

As primeiras sessões, geralmente lotadas, eram motivo para os espectadores, constituídos na sua maioria por jovens, extravasarem seu ímpeto de algazarra. Tudo servia para galhofa. Um personagem que com frequência recebia aplausos de gozação e vaias sinceras era o famigerado Pacácio. O folclórico cidadão, portador de distúrbio mental, desfilava nos corredores entre as cadeiras com espalhafatosa farda “militar” e o peito cheio de condecorações forjadas por sua loucura. Denotava ouvir somente os aplausos, para o deleite dos que o vaiavam.

A projeção da fita terminava por volta das 20h30, seguindo-se a segunda sessão. A partir dessa hora, a praça começava a ficar vazia, como todas as ruas da cidade naqueles finais de domingo. Como não havia transporte coletivo, a maioria das pessoas voltava para suas casas caminhando.

Dos tempos da Praça Rondon e dos cinemas do centro, de minha infância e adolescência, entre outros, ficou o gosto do Grapette, aquele que “quem bebe, repete”, como dizia seu reclame.

Tal como o doce sabor da infância e da juventude.


 

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Fonte: Viriato Moura / jornalista DRT-RO 1067 - viriatomoura@globo.com
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