Sexta-feira, 4 de abril de 2014 - 17h55
Sou filho de família católica, devota de São José. Mas foi sobre São Pedro que ouvi mais relatos lúdicos na minha infância. Diziam que quando a pessoa morria, ao pretender entrar no paraíso, antes precisava passar por seu crivo. Após devida identificação, o guardião da casa de Deus abria um livro onde estava escrito tudo sobre a vida do candidato: tudo que ele havia feito de bem e de mal durante sua existência terrena estava lá. Caso houvesse se comportado segundo os dez mandamentos, estava salvo e sua entrada no ambiente celestial seria permitida com louvor. Se não, poderia ter um destes dois destinos: um transitório, o purgatório; outro, definitivo, o inferno.
Nossa mente infante, onde a fantasia assume os contornos da realidade, suscitava temores quando cometíamos algum pecado, como , por exemplo: desobedecer os pais, mentir para eles, não ir à missa aos domingos, e assim por diante. Quando assim agíamos, já imaginávamos as anotações que São Pedro estava fazendo no livro da nossa vida e que, se não nos confessássemos a tempo, seríamos queimados por toda a eternidade da casa do diabo. Na melhor das hipóteses, seríamos mandados para uma temporada nada agradável no purgatório, para que tivéssemos condições de limpar nossas fichas e nos habilitar a entrar na casa do Senhor.
Na condição de síndico do condomínio celestial, São Pedro tinha muitos outros afazeres além daquele em que mais se destacava, o de porteiro. Por isso, vez por outra fazia uma boa lavagem nos cômodos do céu, cujo piso são as a nuvens. Nessas ocasiões, mandava água, sob forma de chuva, aqui pra Terra. Durante essa apurada limpeza, precisava arrastar as mobílias do local, que produziam ruídos que eram ouvidos por nós: os trovões. Quando nos assustávamos ao escutá-los, nossos pais diziam que ficássemos tranquilos, dando-nos essa fantasiosa e calmante explicação.
Depois, mais crescidinhos, quando recebíamos lições de catecismo, éramos informados que a história verdadeira não era bem essa. Aí contavam outra: que Pedro fora um dos doze apóstolos de Jesus de maior prestígio. Aliás, sempre fora o preferido do Mestre, que certa vez dissera aos demais que Pedro era a pedra sobre a qual construiria sua Igreja. Ou seja, para o Jesus, Pedro era o cara. Não ficamos sabendo, todavia, se essa declaração gerou inveja nos outros discípulo, o que seria um pecado.
Nesse momento em que hoje vivenciamos em nosso estado uma grande enchente, imagino como nós, se ainda fossemos crianças, com aquelas concepções que tínhamos sobre o santo síndico, o que pensaríamos dessa situação. Talvez: que diabo está acontecendo no céu que São Pedro não para de lavá-lo? Poderíamos até concluir que ele havia se enganado, permitindo a entrada indevida de impuros no paraíso e, por causa disso, resolvera mandá-los para o inferno. E agora estava fazendo uma faxina geral e prolongada no local para que nenhum resquício dessas almas de ficha suja continuassem a contaminar a casa do Pai.
Outra conclusão que ainda poderíamos tirar é que São Pedro, por ordem do Chefe, pretendeu, no primeiro momento, provocar um dilúvio em Rondônia dado aos fatos desairosos que andam acontecendo por aqui. Mas logo, pleno de santa sabedoria, decidiu que não seria justo penalizar de modo tão impiedoso e definitivo um povo que não tem tantos pecados assim para merecer o extermínio — fora, é claro, o de não saber escolher bem seus representantes. Sobre esse vacilo, este ano ainda teremos mais uma chance para nos redimir: as eleições. Não devemos, entretanto, esquecer que, se insistirmos nesse erro, o dilúvio poderá vir na próxima vez.
Incorporados nessa visão do faz de conta de nosso tempo de infância, resta-nos rogar que o síndico do lar celestial dê por encerrada sua limpeza e pare de mandar tanta água pra cá. Para Pedro, Pedro para! Amém.
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Até que ponto é válido ouvir uma ou mais opiniões de outros médicos quando se quer avaliar a do médico que nos trata? Essa atitude tem resultados pr