Segunda-feira, 25 de março de 2024 - 15h22
Corriam
os anos 1970 quando Nara e sua amiga Fernanda chegaram a Porto Velho.
Num tempo em que as casas de luz vermelha na
fachada, sinal explicito de que ali havia sexo pago, ofereciam caboclas de
classes sociais frágeis, que vendiam seus corpos morenos com traços fortemente
amazônicos a preços baixos, eis que surgiram essas duas personagens do ramo,
então atípicas por aqui no mercado da luxúria.
Nara
era loira, esbelta, com certa de 25 anos, que se vestia à moda das garotas do
seu tempo, com calças justas ou minissaias, jaquetas de couro e botas de cano
longo, geralmente brancas. Para compor esse visual chamativo, um Karmann Ghia
vermelho conversível e uma potente moto.
Fernanda, a coadjuvante, era morena, cabelos negros e usava roupas que
definiam as curvas do seu corpo provocante.
Quem as conheceu de perto, dizia que Nara era
mais carismática: mesclava seu estilo de mulher fatal com traços de meiguice e
compunha sua beleza física com inteligência e talento para convencer, seduzir.
Mulheres com essas características, dependendo de suas intenções, são um perigo. Por
isso, quando surgia, chamava atenção, e cativava até crianças. Numa
demonstração de afeição maternal — sem nenhuma intenção censurável, pelo que se
sabe —, ela dava aos infantes bombons e os levava para passear em seu belo
carro esportivo. As mães mais cuidadosas, preocupadas com essa atitude da
insinuante mulher, repreendiam seus filhos ao surpreendê-los, felizes,
recebendo essas manifestações de singelo carinho daquela que, para elas, era
uma ameaça a seus rebentos.
Por outro lado, enquanto profissional do sexo, Nara era
impiedosa em suas investidas sedutoras. Por causa dela, relacionamentos foram abalados
ou desfeitos, inclusive casamentos. Alguns de seus amantes lhe deram o que
tinham e o que não tinham para viver momentos de lascívia com a mais desejada
das filhas de Afrodite que por aqui passaram em sua época.
Nara
também era empresária da noite. Seu lupanar ficava próximo à frondosa ingazeira
que havia na Av. Nações Unidas, a pouco mais de 1km do início da Br-364. Com a desenvoltura de quem conhece as fragilidades
humanas, em particular os desejos sexuais masculinos, Nara administrava seu prostíbulo
como manda o figurino desse tipo de atividade. Diferente das outras donas de
bordéis de então, ela era a atração maior, a estrela da casa. Desfilava pelo
seu salão de dança como uma top model
numa passarela. Como assistentes para ufanar seu narcisismo, alguns senhores da
melhor sociedade de Porto Velho, que ansiavam possuir aquele insinuante corpo
sem o odor dos perfumes baratos que estavam habituados a cheirar em outras
meretrizes.
A
passagem desse furacão em forma de mulher por estas paragens do poente foi
marcada por histórias que alguns de seus protagonistas, por motivos óbvios,
negavam-se a confirmar.
Eis
a estratégia de Nara: astuta, procurava saber quem era quem em nossa cidade, ou
seja, quem tinha dinheiro. Por isso,
quando o freguês sentava à mesa de sua boate, ela sabia se valia ou não a pena
abordá-lo pessoalmente. Quando valia, achegava-se para lhe fazer companhia,
deixando-o envaidecido. Ao postar-se com charme e simpatia, passava a beber
alguns drinques, o que era um estímulo para que o escolhido consumisse mais e
mais bebidas. Não, não pensem, como eles pensavam, que os drinques eram
alcoólicos: apenas algo parecido com whisky, talvez um chá ou refrigerante com
cubos de gelo. Enquanto isso, o escolhido, certo de que se aproximava o grande
momento de ir para a cama com ela para uma noite de insaciável prazer, quando
ela não estava afim dele, abandonava-o com a justificativa de que iria resolver
algum problema da casa e desaparecia na penumbra para não mais retornar naquela
noite. Logo em seguida, uma outra mulher, selecionada por ela, sentava-se em
seu lugar para atender o excitado sonhador. Bêbado e frustrado, a ele só restava
pagar a conta e encarar a substituta, ou ir embora. Mas, nem por isso, dava-se
por vencido. Afinal, esteve perto demais de saciar o seu desejo para desistir
dele. Por isso, voltava outras noites com o mesmo propósito. E ela, quase
sempre, para desespero de muitos pretendentes, dava um jeito de escapar — algumas
das vítimas desse abandono espalharam essas histórias como vingança.
Nara
somente tinha relacionamentos de maior duração com homens que além de dinheiro
tinham prestígio. Um deles contou-me que vivenciou uma situação tragicômica
quando era amante dela. Apaixonado, certa noite, ao procurá-la na boate, não a
encontrou. Aguardou-a tomando uns drinques.
Como a espera estava longa demais, foi procurá-la onde ela morava com
outras garotas do seu time. Lá chegando, ao encontrar a porta da residência
fechada devido a hora, silenciosamente contornou a casa, pé ante pé, até chegar
à janela do quarto da amada. Ao ouvir o ranger da cama e sussurros eróticos,
foi à loucura. De pileque, com as
emoções exacerbadas, não se conteve. Como um super-homem, lançou-se janela a
dentro indo cair sobre a leito onde o ato sexual se consumava. Surpresa! Não
era a sua Nara que estava lá, e sim outra mulher no exercício da profissão. O freguês
em ação, apavorado, saiu correndo segurando sua cueca amassada sobre o falo
irremediavelmente flácido. Deve ter demorado a se recuperar desse susto, se é
que se recuperou...
De repente, para tristeza de seus muitos fãs, Nara e Fernanda desapareceram da cidade, escafederam-se. Foram para aonde ninguém sabe ninguém viu. Os fofoqueiros garantiam que elas foram expulsas daqui — mesmo sem nada dever à justiça — por ordem do governador do então Território, a pedido de senhoras da alta sociedade local. E nunca mais se soube delas. Mas deixaram um rastro de inconfessáveis memórias, reais e imaginárias, das noites libidinosas da nossa bucólica Porto Velho do passado.
Nota do Autor- Nara
teve sua passagem tão marcante por estas terras de Rondon que inspirou
personagem do musical “Discothèke”, encenado no Rio de Janeiro em 2013,
produzido e dirigido por João Wlamir,
porto-velhense filho de um famoso jornalista do nosso passado, Ary de Macedo, e
de D. Matilde, que é bailarino solista do Teatro Municipal do Rio de Janeiro
desde 1981, jurado do carnaval carioca, de festivais de dança e ex-jurado dos
programas de televisão “Se ela dança eu danço” e “Dance se puder” (SBT).
Pedir segunda opinião médica: um dilema dos pacientes
Até que ponto é válido ouvir uma ou mais opiniões de outros médicos quando se quer avaliar a do médico que nos trata? Essa atitude tem resultados pr