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Viriato Moura

Um furacão sedutor


Um furacão sedutor - Gente de Opinião

Corriam os anos 1970 quando Nara e sua amiga Fernanda chegaram a Porto Velho.

 Num tempo em que as casas de luz vermelha na fachada, sinal explicito de que ali havia sexo pago, ofereciam caboclas de classes sociais frágeis, que vendiam seus corpos morenos com traços fortemente amazônicos a preços baixos, eis que surgiram essas duas personagens do ramo, então atípicas por aqui no mercado da luxúria.

Nara era loira, esbelta, com certa de 25 anos, que se vestia à moda das garotas do seu tempo, com calças justas ou minissaias, jaquetas de couro e botas de cano longo, geralmente brancas. Para compor esse visual chamativo, um Karmann Ghia vermelho conversível e uma potente moto.  Fernanda, a coadjuvante, era morena, cabelos negros e usava roupas que definiam as curvas do seu corpo provocante.

Quem as conheceu de perto, dizia que Nara era mais carismática: mesclava seu estilo de mulher fatal com traços de meiguice e compunha sua beleza física com inteligência e talento para convencer, seduzir. Mulheres com essas características, dependendo de suas intenções, são um perigo. Por isso, quando surgia, chamava atenção, e cativava até crianças. Numa demonstração de afeição maternal — sem nenhuma intenção censurável, pelo que se sabe —, ela dava aos infantes bombons e os levava para passear em seu belo carro esportivo. As mães mais cuidadosas, preocupadas com essa atitude da insinuante mulher, repreendiam seus filhos ao surpreendê-los, felizes, recebendo essas manifestações de singelo carinho daquela que, para elas, era uma ameaça a seus rebentos.

          Por outro lado, enquanto profissional do sexo, Nara era impiedosa em suas investidas sedutoras. Por causa dela, relacionamentos foram abalados ou desfeitos, inclusive casamentos. Alguns de seus amantes lhe deram o que tinham e o que não tinham para viver momentos de lascívia com a mais desejada das filhas de Afrodite que por aqui passaram em sua época.

Nara também era empresária da noite. Seu lupanar ficava próximo à frondosa ingazeira que havia na Av. Nações Unidas, a pouco mais de 1km do início da Br-364. Com a desenvoltura de quem conhece as fragilidades humanas, em particular os desejos sexuais masculinos, Nara administrava seu prostíbulo como manda o figurino desse tipo de atividade. Diferente das outras donas de bordéis de então, ela era a atração maior, a estrela da casa. Desfilava pelo seu salão de dança como uma top model numa passarela. Como assistentes para ufanar seu narcisismo, alguns senhores da melhor sociedade de Porto Velho, que ansiavam possuir aquele insinuante corpo sem o odor dos perfumes baratos que estavam habituados a cheirar em outras meretrizes.

A passagem desse furacão em forma de mulher por estas paragens do poente foi marcada por histórias que alguns de seus protagonistas, por motivos óbvios, negavam-se a confirmar.

Eis a estratégia de Nara: astuta, procurava saber quem era quem em nossa cidade, ou seja, quem tinha dinheiro.  Por isso, quando o freguês sentava à mesa de sua boate, ela sabia se valia ou não a pena abordá-lo pessoalmente. Quando valia, achegava-se para lhe fazer companhia, deixando-o envaidecido. Ao postar-se com charme e simpatia, passava a beber alguns drinques, o que era um estímulo para que o escolhido consumisse mais e mais bebidas. Não, não pensem, como eles pensavam, que os drinques eram alcoólicos: apenas algo parecido com whisky, talvez um chá ou refrigerante com cubos de gelo. Enquanto isso, o escolhido, certo de que se aproximava o grande momento de ir para a cama com ela para uma noite de insaciável prazer, quando ela não estava afim dele, abandonava-o com a justificativa de que iria resolver algum problema da casa e desaparecia na penumbra para não mais retornar naquela noite. Logo em seguida, uma outra mulher, selecionada por ela, sentava-se em seu lugar para atender o excitado sonhador. Bêbado e frustrado, a ele só restava pagar a conta e encarar a substituta, ou ir embora. Mas, nem por isso, dava-se por vencido. Afinal, esteve perto demais de saciar o seu desejo para desistir dele. Por isso, voltava outras noites com o mesmo propósito. E ela, quase sempre, para desespero de muitos pretendentes, dava um jeito de escapar — algumas das vítimas desse abandono espalharam essas histórias como vingança.

Nara somente tinha relacionamentos de maior duração com homens que além de dinheiro tinham prestígio. Um deles contou-me que vivenciou uma situação tragicômica quando era amante dela. Apaixonado, certa noite, ao procurá-la na boate, não a encontrou. Aguardou-a tomando uns drinques.  Como a espera estava longa demais, foi procurá-la onde ela morava com outras garotas do seu time. Lá chegando, ao encontrar a porta da residência fechada devido a hora, silenciosamente contornou a casa, pé ante pé, até chegar à janela do quarto da amada. Ao ouvir o ranger da cama e sussurros eróticos, foi à loucura.  De pileque, com as emoções exacerbadas, não se conteve. Como um super-homem, lançou-se janela a dentro indo cair sobre a leito onde o ato sexual se consumava. Surpresa! Não era a sua Nara que estava lá, e sim outra mulher no exercício da profissão. O freguês em ação, apavorado, saiu correndo segurando sua cueca amassada sobre o falo irremediavelmente flácido. Deve ter demorado a se recuperar desse susto, se é que se recuperou...

De repente, para tristeza de seus muitos fãs, Nara e Fernanda desapareceram da cidade, escafederam-se. Foram para aonde ninguém sabe ninguém viu.  Os fofoqueiros garantiam que elas foram expulsas daqui — mesmo sem nada dever à justiça — por ordem do governador do então Território, a pedido de senhoras da alta sociedade local. E nunca mais se soube delas. Mas deixaram um rastro de inconfessáveis memórias, reais e imaginárias, das noites libidinosas da nossa bucólica Porto Velho do passado. 

 

Nota do Autor- Nara teve sua passagem tão marcante por estas terras de Rondon que inspirou personagem do musical “Discothèke”, encenado no Rio de Janeiro em 2013, produzido e dirigido por João  Wlamir, porto-velhense filho de um famoso jornalista do nosso passado, Ary de Macedo, e de D. Matilde, que é bailarino solista do Teatro Municipal do Rio de Janeiro desde 1981, jurado do carnaval carioca, de festivais de dança e ex-jurado dos programas de televisão “Se ela dança eu danço” e  “Dance se puder” (SBT).  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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