Domingo, 19 de maio de 2024 - 08h20
Escrita pelo multipremiado escritor
paulistano Luiz Eduardo de Carvalho e apresentada com linguagem objetiva,
predominantemente jornalística, salpicada com pontuais incursões literárias,
que conferem emoção a alguns episódios narrados, Mãos de Deus – Biografia Autorizada do Padre Júlio Lancellotti
conta a história do enfermeiro, pedagogo, teólogo e sacerdote Júlio Renato
Lancellotti em tom quase memorialista, uma vez que é repleta de depoimentos e
declarações do protagonista biografado a respeito de si mesmo, dos fatos que
transcorreram em sua vida e das interações com pessoas que foram fundamentais
para sua história e que, em todos os casos, marcaram sua trajetória positiva ou
negativamente. Somam-se a isso, dezenas de outros depoentes a acrescentar visões
diversificadas por pontos de vista coadjuvantes.
Considerando entrevistas, livros,
periódicos, artigos, matérias, reportagens e participações em programas
televisivos e radiofônicos, além dos artigos que ele publicou em jornais
paulistanos, a monta de registros jornalísticos, bibliográficos ou acadêmicos
envolvendo o relato a respeito do padre Júlio ultrapassa a casa de 900
ocorrências que foram cuidadosamente consultadas, decupadas e compiladas em Mãos de Deus, com o fito de fornecer um
conjunto de informações articuladas que representa o mais largo e profundo
perfil, na forma de uma biografia autorizada, já escrito a respeito deste
importante personagem humanista contemporâneo.
A obra principia com um preâmbulo, no
qual o autor expõe as motivações voltadas ao coletivo, seguidas das decorrentes
de fomento pessoal e apresenta uma premiada crônica composta em homenagem ao
biografado. O livro, a partir disso, deriva para a narrativa dos fatos
circunstanciados pela história da vida do padre Júlio, desde a infância no
período pré-escolar, atravessando toda sua formação, até se consumar com seu
ordenamento como sacerdote.
A seguir, abre-se aos tópicos que
mais marcaram sua vida eclesiástica, desde a influência de fatos históricos, de
movimentos ideológicos, de mestres e ídolos, até a sua atuação junto às
detentas do Presídio Feminino do Tatuapé, onde foi capelão por muitos anos;
junto aos internos das diversas unidades da Febem, onde trabalhou por muitos
tempo como funcionário direto e, depois, lotado na Pastoral do Menor, cuja
fundamentação acompanhou desde o princípio; seu envolvimento visceral com a
formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente; a histórica luta pela
abertura e manutenção da Casa Vida para o acolhimento de crianças portadoras do
vírus HIV, o protagonismo expoente, desde a nascente e até os dias de hoje, na
Pastoral do Povo de Rua, da qual é o vigário há exatos trinta anos.
Sempre sob duas vertentes são
apresentadas sua prédica e sua práxis: a metodológica, que apresenta seus
pensamentos e suas ações norteadas pelo embasamento teórico em todas as frentes
em que atuou e a política, que determinou as tentativas, muitas delas exitosas,
de consolidação dos resultados de sua luta como um legado permanente, mediante
a instauração de marcos legais ou a incorporação em políticas públicas para
assegurar a continuidade dos avanços pelos quais tanto se debateu, como, por
exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a recente lei Júlio
Lancellotti que combate a aporofobia..
Não poderiam faltar, decerto, os
tantos reconhecimentos e as muitas oposições ao seu trabalho, desde os
expressos em simples descontentamentos ou em orquestradas intrigas, passando
pelos que tentaram constrangê-lo, denegri-lo ou derrubá-lo e culminando com
circunstâncias em que ele esteve realmente em grande perigo de vida, sob ameaça
de morte.
No encerramento, após um rol de mais
de trinta depoimentos de pessoas e entidades ligadas ao ecumênico mundo
religioso, ao político, ao social e ao de relações pessoais com ele, com juízos
de cunho valorativo a respeito de sua pessoa, de suas ideias e de sua luta, são
apresentadas ementas dos 268 artigos e crônicas que escreveu e publicou
semanalmente por mais de 5 anos em um jornal de grande circulação em São Paulo,
além de um pinga-fogo com perguntas que revelam seu perfil relacionado a
assuntos mundanos e cotidianos.
O desfecho fica em aberto na
expectativa dos próximos anos de sua vida que, certamente, renderão muitas
outras histórias que, emanadas das mãos de Deus, convergirão para um reconhecimento
ainda maior do que o juízo a respeito dos fatos narrados em Mãos de Deus possam
criar na mente dos leitores dispostos a conhecerem o padre Júlio Lancellotti
que, para muitos, é o mais representativo profeta vivo de nossos dias.
Depoimentos:
Além dos muitos entrevistados ouvidos
no corpo da biografia, as orelhas do livro trazem uma apresentação escrita por
Leonardo Boff e, na sessão de depoimentos, há uma série de testemunhos dados
por personalidades do mundo religioso, político, cultural e acadêmico, em ordem
alfabética: Ana Paula dos Santos, Dom Angélico Sândalo Bernardino, Berenice Giannella, Frei Betto,
Carlos Bezerra Jr., Monja Coen, Pai Dinho D´Ogum – David Caceres, Eduardo
Galeano, Eduardo Suplicy, Flávio Dino, Gabriel Chalita, Gilberto Kassab,
Guilherme Boulos, Flávio Aguiar, João Campos, Pe. José Oscar Beozzo, Leandro Rodrigues, Leonardo Boff,
Leonardo Sakamoto, Luiz Fernando Teixeira Ferreira, Luiza Erundina de Sousa,
Maria Fernanda Elias Maglio, Marilda dos Santos Lima, Drª. Marinella Della
Negra, Irmã Michael Mary Nolan, Ricardo Ramos Filho, Sheik Rodrigo Jalloul, Sílvio
Almeida, Rogério Reis Bispo, Rabino Ruben Sternschein, Soninha Francine, Valdênia
Aparecido Paulino Lanfranchi e Wellington Dias. Além disso, entidades como a
Associação Rede Rua, Bloco
Tricolor Antifa, O Esquerdopata e Coletivo Saint George, Comissão Arns,
Conectas Direitos Humanos e Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, também contribuíram com depoimentos institucionais.
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