Quarta-feira, 8 de dezembro de 2021 - 09h31
Sempre admirei como ele rapidamente
transcrevia as entrevistas que publicava em sua coluna no jornal Diário da
Amazônia, na qual colaborou por quase três décadas, documentando o movimento
cultural de Porto Velho e entrevistando personalidades que se destacaram nesse
campo. Silvio Santos, o popular Zekatraca, como disse Nilton Salina, “poderá continuar compondo ao som de um tambor de todos
os ritmos”. É certo que ele, partindo deste mundo, chegou ao outro lado em meio
a uma ruma de amigos que curtiram recebê-lo para continuar a festa.
Não o conhecia nem um pouco e achava estranha
a forma coloquial como ele escrevia. Tempos depois o vi na UNIR. Ele tinha ido
fazer o curso de História. Mas só nos falamos mesmo, ativamente, quando ele foi
convidado por Osmar Silva, então diretor de Comunicação do Governo, para
entrevistar pessoas ilustres nos municípios do estado e gravar esses trabalhos
em áudio e vídeo, acompanhando o movimento de pessoas pioneiras que
contribuíram para o desenvolvimento das cidades rondonienses.
Ali pudemos conversar como colegas
jornalistas que enfrentavam problemas análogos em relação à condução dos
trabalhos jornalísticos no governo. Eu estava trabalhando como editora no DECOM
e sempre admirei também a sua maneira receptiva quando lhe passava qualquer que
fosse a pauta. Silvio viajava com os colegas e trazia as entrevistas solicitadas,
sempre sorrindo.
Pela mídia, antes de conhecer um pouco mais
sobre Silvio, eu sabia de seu envolvimento com os grupos folclóricos do Arraial
Flor do Maracujá, como também na Banda do Vai Quem Quer, e sua amizade com o
Manelão. É sabido que juntos eles fundaram a banda que leva o maior número de
gente para as ruas no carnaval da capital, quando cerca de 150 mil pessoas
brincam e levam o nome de Porto Velho para toda a região Norte.
Posteriormente, entendi a forma da sua
linguagem no jornal, como também compreendi que, talvez, fosse desnecessário
mesmo ele ir aprender Teoria da História na universidade, uma vez que sua vida
pulsava a própria história desse lugar, totalmente inserida no seu discurso.
Silvio foi um artista popular.
Há pouco tempo, na disciplina de Produção de
Áudio do curso de Jornalismo da UNIR, deveríamos produzir – Marcélia e eu - um podcast
para aprendermos a fazer um produto em áudio. Pensei logo em documentar a
música de Porto Velho. Sabia que o material seria extenso e que não daria conta
de documentar tudo num só podcast. Mas, para a pesquisa, pensei logo no
Silvio Santos, porque tinha lido alguma coisa sobre o seu envolvimento com as
toadas e com o samba. Pensei: “Ele é a referência que me vai dizer como nasceu
o movimento musical desta cidade”.
Quando levei o pré-roteiro do podcast
que preparei para discussão em sala de aula, pude relatar aos meus colegas do
curso de jornalismo a satisfação que tive em ter buscado informações através de
um colega envolvido com o movimento cultural, embora o conhecesse
superficialmente, e ter tido a oportunidade única de ir diretamente ao berço,
no colo de nosso compositor precursor, que acompanhou a evolução das toadas de
bois-bumbás e dos grupos das escolas de samba do carnaval porto-velhense. Ele nos
deixa um legado intocado, que fala, move e mexe com a cultura dessa cidade.
Cantor, compositor, sambista, boêmio, carnavalesco, jornalista cultural e
escritor são apenas algumas das suas múltiplas faces.
Além das canções, Silvio tem uma vasta obra
documentada em sua coluna no jornal Diário da Amazônia, bem como em diversos
sites de Porto Velho, e muito desses materiais se encontra guardado em seu
blog: https://silviozekatraca.blogspot.com/. Quando gravamos a entrevista, ele
também estava feliz por ter sido agraciado com uma casa por dona Ana Gurgacz,
proprietária do Diário da Amazônia, como uma forma, talvez, de indenização e
reconhecimento aos 28 anos em que ele se dedicou ao jornal.
Inegável a surpresa que tive na nossa
primeira e única entrevista, no dia 10 de setembro deste ano, que ora narro e
em seguida transcrevo, pois entendi mais do que esperava sobre Silvio e sobre a
cena cultural da cidade. Não conseguimos fazer outra gravação posteriormente,
num local ausente de ruídos. Esse foi um dos motivos pelos quais o podcast
não aconteceu. E pouco tempo depois nosso amigo Silvio Santos adoeceu, o que
acabou inviabilizando a produção. Silvio me presenteou com seu CD de 60 anos de
música autoral, um projeto realizado com o incentivo da Lei Aldir Blanc, por
meio da Fundação Cultural e da Prefeitura Municipal de Porto Velho, e produzido
por Júnior Rodrigues com arranjos de Dudu Brasil, que abre com a música “Porto,
Velho Porto”, cantada também por muitos seresteiros daqui.
60 anos
de música autoral – Irreverente, o CD traz uma coletânea das principais
composições do músico, bem como suas incursões pelo samba, com letras que nos
levam a variados lugares. Com as canções, sentimos desde a pulsação do trem e o
cenário que envolve a ferrovia Madeira-Mamoré, como também o movimento e o
balançar das redes nos barcos que carregam gente e produtos. “Redes trançadas e
o cenário multicor. Menino, pega o paneiro, não deixe a farinha vazar”, um
trecho da canção “Trem Fluvial”, faz-nos enxergar as experiências de ser amazônida
e a movimentação dos barcos pelos rios da região.
A efervescência do centro da
cidade é marcante na obra de Silvio Santos, já que viveu a infância brincando
no pátio da estação da Madeira-Mamoré, em frente ao Mercado Central de Porto
Velho. Uma amplitude de gêneros que vão do samba à
toada, da seresta ao reggae, e, como ele mesmo disse, Deus o agraciou na
aventura de compor em variados ritmos. Sua trajetória teve também trabalhos com
parceiros como os compositores Bainha, Carlinhos Maracanã e Flávio Carneiro;
como a vencedora do Carnaval de 1974 pela Escola de Samba Caiari, Odoya Bahia,
feita em parceria com Bainha. Ele traz ainda o samba “Desabrigado”, em parceria
com o músico e promotor cultural Carlinhos Maracanã. As causas que envolvem o meio ambiente e a destruição da floresta são
abordadas em suas composições, como a luta de Chico Mendes que é retratada pela
canção “Lamento da Amazônia”. E o disco inclui ainda o sensacional reggae
“Conflito Social”, onde ele mostra, com perspicácia, o cotidiano acontecendo na
vida da “mulher beiradeira que aparentemente está feliz por comprar um
ventilador importado da Bolívia, naquele camelô; enquanto o barrigudo, com os
olhos mareados d’água, espiando o quebra-queixo, de olho na cocada, ali daquele
vendedor. Ali também tava o índio, estava o sem-teto e o sem-terra, estava o
latifundiário e o peão pra fazer guerra. E eu estou aqui, somente pra cantar,
dizer que o mundo quer apenas trabalhar. Everybody, reggae da beiradeira”.
Salve Silvio, na perspicácia
dessa letra em mostrar as diferentes nuances das classes sociais atuando num
mesmo cenário! Nascido na
localidade de Santa Terezinha do Distrito de São Carlos do Madeira, Silvio foi
criado no centro de Porto Velho, onde desde menino acompanha o movimento dos
cantadores e poetas que se formaram nesta terra. A sua obra musical cristaliza cenários e imagens e traz as principais
referências históricas e culturais da cidade. Muito generoso e gentil,
ele foi me encontrar para essa entrevista no Mercado Cultural, acompanhado de
sua esposa Ana. Ela, por sua vez, também muito amável, acompanhou-nos por toda
a conversa, que durou pouco mais de uma hora. E é para Ana Célia Santos a quem
dedico e ofereço este registro escrito de nossa conversa.
Silvio me explicou que, se tivesse de gravar
com o Bainha, seria muito delicado porque o compositor está com 83 anos e suas
filhas não deixavam que ele se expusesse por causa da pandemia de Covid-19.
Naquele momento, eu não tinha ainda ideia de como montaria o roteiro, que foi
traçado após a entrevista, com a incursão do CD de 60 anos de música autoral,
pela amplitude de informações que ele ofereceu e por sua participação ativa na
história da música local. Em nossa conversa, descobri que a música da cidade
nasceu do samba e evoluiu nos versos das toadas dos bois-bumbás e das
brincadeiras do carnaval dos blocos dos clubes, chegando ao que ele chamou de
“nossa música genuinamente beiradeira”, a música representada hoje, por
exemplo, pela Banda Quilomboclada. “Cantando as nossas coisas do beiradão dos
rios, nasceu aqui e é a nossa música ‘bera’”, diz Silvio, sem deixar de citar
os demais expoentes, músicos e cantores que evoluíram nesse cenário.
Depois, ainda solícito e generoso, ele disse
que eu poderia procurá-lo quando fosse necessário. Também nos falamos ao
telefone após eu ter concluído o roteiro, mas não houve tempo de gravarmos.
Enviei para que ele lesse, com a indicação de que não ligaria nos feriados do
Dia das Crianças e de Nossa Senhora de Aparecida para não atrapalhar seu
descanso. Quando liguei na quinta-feira para marcarmos a gravação, ele disse
que estava fazendo teste para saber se estava com Covid-19 e que havia três
dias que tinha perdido a fome. Torcemos muito para ele ficasse bem.
Neste dia 8 de dezembro, Silvio Santos faria
75 anos, no Dia de Nossa Senhora da Conceição. Como ele mesmo disse, no dia em
que nasceu, a festa para Nossa Senhora rolava no barracão da Igreja ao lado,
então ele já nasceu em dia de festa. Por isso, hoje, nossa homenagem a ele em
seu aniversário. Também porque ele, que sempre entrevistou e registrou as
principais personalidades de Rondônia, merece ter a entrevista registrada nos
jornais e sites para os quais colaborou por tantos anos. Tenho certeza de que
todo o movimento cultural da cidade de Porto Velho também se sentirá
prestigiado nesse relato.
Preciosidades que havia em sua memória estão
contidas neste nosso bate-papo. Salve, Silvio!
Como é a
história da música em Porto Velho, Silvio?
Silvio
Santos: Em minha pesquisa que
fiz há algum tempo sobre a música de Porto Velho, produzida aqui, começa em
1946 com a chegada do ‘Bola Sete’, Eliezer Santos era o nome dele, que veio na
leva do pessoal dos soldados da borracha e não foi para os seringais e ficou
aqui. Junto com outros amigos e colegas, ele criou a ‘Escola de Samba Deixa
Falar’, que funcionava entre o Mocambo, onde ele morava e a Vila Confusão, que
é onde hoje é a Galeria Lacerda, aquela área ali subindo tinha um morro onde
99% dos que moravam lá eram homens solteiros, por isso Vila Confusão. A turma
brincava muito com isso, mas lá começavam as reuniões e era o ponto de encontro
da seresta, a turma se encontrava para tocar, aquele tempo tinha muito mais
Chorinho; tocavam as músicas do sertão, forró, começa por ali. Depois, a gente
tem algum registro já de música autoral, já no início da década de 50, com o
João Henrique, o famoso “Manga Rosa’, que cria o que a gente, o rondoniense que
vivia aqui naquela época, como eu, eu sou de 1946, tem como a primeira música
composta por um filho de Porto Velho, João Henrique era filho daqui e músico, é
o ‘Triângulo’. E cantarola: - “Triângulo, teu passado, tua glória...embalando a
vitória para um passado”...
E ele
compôs essa música...
Silvio
Santos – Ele compôs essa música
nossa, de autoria de um filho de Porto Velho, de Rondônia. Eles se reuniam com
a turma dos seresteiros. Ele aprendeu música no Colégio Dom Bosco. Tinha a
banda do Colégio Dom Bosco na época, que não era de fanfarra, era de música
mesmo. Tinha um guarda do qual estou esquecido o nome, que dava aula de música
e formou uma banda de música só com os alunos. Tivemos várias. Dom Miguel que
está vivo até hoje sabe disso. E essa banda ficou famosa, era mais ou menos
como a banda da Guarda Territorial. O João Henrique, muito boêmio, eu fiz muita
farra com ele, passou a freqüentar o Triângulo onde, no pé do morro, na subida
da ladeira, morava Francisco Meirelles, o sertanista, com Abigail, sua esposa.
Dona Abigail era que era quem reunia essa turma na casa dela, todos os músicos,
para fazer seresta e juntar, fazer sarau, essas coisas todas, e lá, eu não sei
se o João Henrique, eu na minha desconfiança, acho que o João Henrique se
apaixonou por ela, pela Abigail, e nasce essa música ‘Triângulo’. Não era o Triângulo que foi escola de
samba.
Era uma
seresta?
Silvio
Santos: - Não, era um samba. “Triângulo, teu passado
tua glória, embalando ...” [cantarola] e fala de uma série de moradores e
boêmios que tocavam junto com ele ...”o Black, Abgail, Chico Moreira”
[cantarola] e por aí vai essa letra, olha aí a Abgail, é a única mulher que
entra na música dele. Não sei se foi o Ernesto Melo ou o Beto Cesar que gravou.
Ele fez várias músicas cantando no Triângulo. “Passou, passou, passou, o tempo
da boemia passou”...[cantarolou].
Essas
canções passaram para o cancioneiro popular?
Silvio
Santos: Sim, a gente canta essas
músicas nas rodas de samba até hoje. Então, primeiro compositor de Porto Velho
mesmo é o João Henrique, o Manga Rosa. Depois tocou por muito tempo nas
melhores orquestras daqui, era a orquestra que tocava no Bancrévea Clube e
eventos chiques de Porto Velho.
Você era
moço nessa época?
Silvio
Santos: - Eu sou de 46, né? Nessa
época, eu era garoto, um rapaz. O João Henrique também é muito novo, um pouco
mais velho do que eu, mas eu comecei cedo também e fiz muita seresta com ele.
Com doze anos, na minha casa, que era aqui na feira (Mercado Central de Porto
Velho), mamãe tinha tipo uma pensão, um restaurante hoje, que vendia comida e
era muito freqüentada por esse pessoal do Triângulo, a boemia de Porto Velho freqüentava
lá em casa.
Você
nasceu aqui?
Silvio
Santos: - Nasci em São Carlos do
Madeira, aqui em Porto Velho. Com dez, doze anos, eu fui trabalhar no Jornal
Alto Madeira, como varredor, office boy, entregador de jornal para os
assinantes. E lá, trabalhava Paulo Machado, que é fundador da Escola de Samba
‘O Triângulo não Morreu’, a escola do morro e não aquela do Armando Holanda.
Então a
gente pode assegurar que o berço da música de Porto Velho é samba?
Silvio
Santos: - O berço é samba. Paulo
Machado, junto com Miguel, Seu Cardoso e o Gia e outros amigos criaram a Escola
de Samba o Triângulo não Morreu, que não tem nada a ver com a música do Manga
Rosa, que não era da escola, ele era da boemia; mas aí a turma passou a cantar
a música dele, mas eles tinham músicas próprias . O Chore que é vivo até hoje e
mora em Goiânia, é um dos caras que participou da escola, o pai dele, parentes.
Nasce no Triângulo. Eu, estou no Alto Madeira desde cedo, menino ainda. Eu
tinha um irmão que era tipógrafo e trabalhava lá, tinha outro, o Bianor, mais
novo que aquele, porém mais velho que eu, entra para a Rádio Difusora do
Guaporé. De lá, ele vai junto com Padre Vitor Hugo, Zé Hélio e Inácio Castro e
criam a Rádio Caiari. E na Rádio Caiari, ele me leva antes da rádio inaugurar,
para eu aprender e ser o sonoplasta.
Isso já é
década de 60. Quer dizer que você foi sonoplasta e inaugurou a Rádio Caiari?
Silvio
Santos: - Fui o primeiro sonoplasta,
junto com Ari Santos. Era no Colégio Dom Bosco alí junto à prelazia. Inaugurei
a Rádio Caiari. O Ari era irmão do Paulo Santos, um dos melhores violonistas no
Brasil. É daqui, mora há algum tempo. Eles tinham o conjunto Bossa Nova que
tocava aqui no Porto Velho Hotel, na Varanda Tropical, todo domingo e sexta à
noite. Eles é que animavam a festa. O Paulo Santos tocou com Baden Powell, Tom
Jobim, esse povo todo. Um dos melhores do Brasil, e não é dito por mim, não,
era conhecido mesmo. Ele morava aqui. Era bancário do BASA, o Banco da
Amazônia, o Manga Rosa também era, a maioria deles era, o João Miguel; o
Bancrévea onde é o Classe A, era o clube dos bancários do BASA. Aí vai a
música.
Tinha
atração toda a semana?
Silvio
Santos. Toda a semana. Aí eu
começo a fazer na Rádio Caiari, não sei porque da minha convivência, o meu pai
era músico, meu irmão Bianor tocava.
O seu pai
tocava o qual instrumento?
Silvio
Santos: - Meu pai era maestro e
tocava todos os instrumentos, piano, sax.
Que
maravilha.
Silvio
Santos: Mas eu não conheci meu
pai, ele morreu em 50. Eu ainda ia fazer quatro anos ainda. De Humaitá, ele.
Chamava-se José Caminha dos Santos.
Mas a sua
história se remete a ele, ao músico.
Silvio
Santos: Eu herdei essa parte de
composição dele. Aí eu faço uma primeira música em 1960. Minha primeira música,
eu já na Rádio Caiari, né, ainda ia para os 14 anos, 13 para 14 anos, porque eu
sou do fim do ano, então ainda ia completar. No carnaval de 60, aqui na
Presidente Dutra, eu morava na feira, ali na Farquar, em frente onde é o
Mercado Central hoje, eu morava ali, foi minha infância e a adolescência. Nós
viemos, eu, minha mãe, meus irmãos todos para assistir ao desfile dos blocos
carnavalescos, dos clubes sociais. Naquele tempo eram os clubes sociais. Só
tinha as escolas de Samba do Trângulo e a Deixa Prá Lá, mas não eram lá
essas...[ ]. Aí arriou uma chuva torrencial, nós corremos, a gente morava
perto. Cheguei em casa todo molhado. Eu não sei como eu sentei e comecei a
batucar na mesa junto com meus irmãos e nasce minha primeira composição: “a
chuva quando cai molha a fantasia, deixa manchar, que eu estou na folia. O
bumbo, primeiro e único, já está na alegria, eu vou pro clube pular, em casa na
quarta-feira eu vou chegar” [cantarola]. Porquê aqui o desfile naquela época
era dia de terça-feira de carnaval. Hoje é no domingo. Daí prá frente, eu ainda
ia fazer 14 anos, eu me juntei com essa turma por causa da Rádio Caiari, quando
a rádio passou para a Carlos Gomes, com um estúdio maior. Esse meu irmão,
Bianor, criou o programa de auditório ‘Todos os Limites’. Ele apresentava pela
manhã, com plateia, eu passei a cantar lá, mais música da Jovem Guarda que na
época era moda. Fui tendo contato com esse pessoal, o Conjunto Bossa Nova que
era Manga Rosa, Ricardo, Paulo Santos, Dinoel, essa turma toda que eram os
maiores músicos do local, tocavam para acompanhar os calouros. Passei a
conhecê-los, o Paulo Santos e o Manga Rosa, como eram boêmios natos, começamos
a sair juntos. Eu, eles e Jorge Andrade. Vejam só, Jorge Andrade, a voz de
Rondônia na época. A gente saia por aí fazendo música na noite, Jorge no violão,
Manga Rosa usava mais o sax, e eu batucando.
Vocês
eram chamados para as festas?
Silvio
Santos: - Raramente, mas nas rodas
de cachaçada era a gente que ia. A gente nunca tocou como profissional. Aí vão
surgindo outras pessoas na história da música, como Humberto Amorim, também um
radialista famoso, que passa a compor muitas músicas que são interpretadas por
Jorge Andrade. Humberto Amorim teve músicas gravadas por cantores do Rio. Um dos pioneiros da rádio, trabalhou também
na Rádio Guaporé.
Então era
forte a movimentação cultural por meio da música?
Silvio
Santos: Era forte, tinha os
programas de calouros da Caiari, antes dela, da Rádio Guaporé, tinha a Varanda
Cultural do Porto Velho Hotel, que reunia muita gente, mais a elite, vamos
dizer assim, que freqüentava o hotel, e a
gente foi vivendo e essa turma foi chegando e a música de Porto Velho foi
crescendo porque na época havia os clubes sociais e nós tínhamos o Bancrévea,
Danúbio, Ipiranga, Imperial, Guaporé, Botafogo. Todo final de semana eles tinham
festa, festa com orquestra, sexta, sábado e domingo.
Então era
efervescente. E se cantava de tudo?
Silvio
Santos: - Tudo. Samba, Bossa
Nova, Rock, Fox, tudo o que aparecia. O povo aqui era muito animado. Sempre foi
muito animado. Depois que parou os clubes. Todos os clubes tinham bloco de
carnaval. Todos eles. A grande disputa no desfile que acontecia na terça era
entre os clubes sociais, a gente dividia, por exemplo: Bancrévea e Ipiranga era
a elite; Danúbio Azul, Guaporé, Imperial, era a classe média. O Danúbio Azul e
o Imperial, que era do seu Geraldo Siqueira, aqui na Baixa da União, era povão
mesmo. O Ipiranga era um clube que foi formado pelos funcionários públicos do
Território. O Ipiranga é de 1917, mas era mais o povo do Caiari. O Danúbio Azul
era a classe média dos ferroviários e o Imperial a classe baixa dos
ferroviários.
E a
música que tocava nos clubes se diferenciava?
Silvio
Santos: - A mesma música tocava em
todos os clubes. Não tínhamos ainda o forró. Tocava muita música internacional;
Foxtrot, Sambas, marchinhas carnavalescas, porque era forte o movimento no
Brasil. Os clubes desfilavam tocando marchinhas carnavalescas. A primeira
escola de Samba vem em 46, mas a segunda só surge em 53, é o ‘Triângulo Não
Morreu’, e em 54, vem a Diplomatas.
Já havia
disputa de compositores?
Silvio
Santos: Ainda não. Não tinha
disputa de composição porque eles tocavam músicas do Rio de Janeiro, as
marchinhas. A disputa e o desfile na apresentação de seus passistas, vamos
dizer assim, a classe alta, a elite, do Bancrévea e Ipiranga, era a alta
sociedade mesmo, era um negócio de luxo. Os blocos desfilavam na rua e
disputavam. Quem ganhasse era o campeão, ganhou, não interessava de qual clube
fosse. Todos os clubes tinham blocos que
desfilavam.
E já
tinha samba de blocos?
Silvio
Santos: Não, a Diplomatas, de 54,
que saia tocando sambas de carnaval do Rio de Janeiro, que eram sucessos no
momento, mas não eram sambas-enredo, mas sucessos do momento. Em meados das
décadas de 60 e 70, o movimento de clubes e dos blocos começa a definhar. Já
tinha a escola de Samba Caiari, que eu sou um dos fundadores, nasceu em 64, e a
dona Marise (Castiel) era coordenadora do Bloco do Ipiranga. Como já tinha mais ou menos parado, e o carnaval
do Bancrévea era dirigido por Neire Azevedo, que era diretora do bloco
carnavalesco. Depois do carnaval de 1969, dona Marise vem para o Caiari, depois
do carnaval de 1969, e me chama na casa dela, me entrega o livro ‘Sinhá Moça e
a abolição’ e me pede para fazer um samba da história desse livro. – Menino,
faça um samba da história desse livro. Naquela época não tinha isso de sinopse,
não. Os blocos tinham tema, só não tinham música. Marise Castiel trouxe o tema
para a escola de samba. A Pobres do Caiari foi a primeira escola, em 1970, a
ter um samba. Em 1964 eu fiz um samba e o José Carlos Lovo, um dos fundadores
da escola que disse a ela que eu sabia fazer samba. Eu disse: - Dona Marise, eu
não sei fazer samba. – Sabe, sim, o José Carlos disse que você sabe. – Então,
leia o livro e faça. Ela era assim, a dona Marise. Eu fui fazer o samba. Eu li
o livro umas dez vezes. A história da sinhá moça. Aí começou os ensaios no
Caiari, ali no meio da rua, na frente da casa da dona Marise, onde hoje é a
Praça das Caixas D’água, tinha a garagem do governo, a gente ensaiava em frente
a garagem, não tinha a praça. E a turma da escola de Samba, Silvio cadê a
música, a música, e eu, cadê? Foi interessante, um dia, no ensaio, me
aperrearam tanto, cadê a música, a música tá na cabeça, não escrevi nada, a história
tava na minha cabeça. A música tá pronta. Vamos lá cantar. Fomos para a casa do
Zeca Melo, que ta lá até hoje, é da família, na praça, a casa colada, ele é um
dos fundadores da escola, fomos para a casa dele eu cantei o samba todinho, sem
escrever nada. E eu começo pelo refrão. [E cantarola] ‘Abolição, abolição,
sinhá moça e a abolição. Na literatura nacional, eu fui buscar o tema do meu
carnaval, e nas buscas que fiz, encontrei uma escritora genial, na sua obra
famosa, Sinhá Moça e a Abolição, hoje saio nessa avenida cantando, essa linda
canção’. A segunda parte nem lembro, o sucesso foi esse refrão, resultado, o
Caiari nunca tinha vencido a Diplomatas e ganhou pela primeira vez o
carnaval. O desfile foi aqui, na
Presidente Dutra.
Surpresa
por escolher você aleatoriamente para falar da música em Porto Velho. Então
você virou compositor oficial da escola?
Silvio
Santos - [Sorrindo] Aí, daí pronto,
nos outros anos eu passei a fazer, compor os outros sambas do Caiari, que ficou
até 1974 e virei o compositor oficial da escola e eu passei a compor os sambas.
Fomos campeões, todos eles. A Caiari parou e aí nós criamos, junto com o
Bainha, que era do Diplomatas, o Bainha que era o compositor da Diplomatas em
78 teve o primeiro samba também. Aí começou a grande disputa Caiari e
Diplomatas, aí já era com músicas nossas, samba-enredos nossos, eu fazia aqui e
o Bainha lá. Eu levei o Bainha para o Caiari e fizemos aquela que a gente
considera a nossa obra-prima para o carnaval de 74, foi Odoya Bahia.
[Cantarola] ‘Odoya Bahia, nossa primeira capital, que o Caiari apresenta neste
carnaval, da festa da Conceição todos
votos em fé, na lavagem do Bonfim, entre danças e canções, mostram sua fé’.
Silvio,
como é que a gente pode gravar contigo e algum companheiro seu para a gente
lembrar essas canções?
Silvio
Santos – Teria de marcar, o Bainha,
por exemplo, ele já não sai de casa. Ele vai fazer, ele está com 83 anos já, o
Bainha ta lá, mas a filha dele, que cuida dele, não deixa ele sair mais à
noite. De dia ainda sai para as rodas de samba, mas à noite, não. Os
compositores que estão ainda aí hoje e que vem depois dessas épocas são Ernesto
Melo, no final da década de 70, pela Escola de Samba Seca Boteco, parece que
ela desfilou só três anos.
Você tem
ideia de quantos sambas tem?
Silvio Santos – Olha, tem muitos sambas, tem os sambas do Caiari, depois o Caiari parou,
tem os sambas do Km 1 (Escola de Samba), entre 75 e 80, quando a escola parou. Quando o Caiari voltou
em 79, eu e o Bainha, a gente voltou para o Caiari, e ficamos no Km 1 por causa
da parada do Caiari. Fiz sambas ainda no início dos anos 80 e ainda para a
Diplomatas e a Castanheira, perdi a conta de quantos são.
Podemos
dizer então que as primeiras quatro décadas da música em Porto Velho foram
marcadas pelo samba?
Silvio
Santos – Já em 70 a gente criou, eu
e o Bainha, que sempre foi meu amigo, desde a época do Conjunto Bossa Nova, ele
tocava com o João Henrique, que tocava na Rádio Caiari e acompanhava os
calouros. A gente começa nossa amizade ainda nessa época. Depois a gente depois
cria um Conjunto de Samba, já na década de 70, e todo final de semana a gente
reunia no terreiro da casa do Bainha, da dona Marieta, para fazer samba. Aí
onde junta, o nosso terreiro de samba não tinha disputa como nas escolas Caiari,
Diplomatas, juntava todo mundo, naquele tempo não era feijoada, era
panelada. Todos os sábados tinha a nossa
panelada, que era de graça. Passava o dia comendo e tocando samba. Apesar de o
Bainha ser na época da Diplomatas e eu do Caiari, a turma pensava que a gente
era brigado por causa das disputas dos sambas.
Mas que nada, a gente sentava na [
] e discutia os sambas. Eu cantava o meu, ele cantava o que ela tinha,
eu dava dicas, põe esse, se tu botar esse, é melhor que esse, tu ganha de mim,
era a gente que decidia qual a música que a gente ia colocar para a apreciação
da escola de samba. Primeiro, o pessoal achava que a gente era inimigo. Então é
essa a história. O Bainha, muito influenciado pelos músicos, porque já tocava
com o Manga Rosa, o João Henrique, foi pegando esse jeito. O Conjunto Bossa
Nova era um dos melhores que já teve por aqui: Bainha, Cabeleira, tudo era do
Bossa Nova. Essa é a história da música,
aí vai surgindo a turma, Jorge Andrade já tava aí. Só que o Jorge não era
compositor, ele só era cantor. Deram o nome à nossa Escola de Música, bebia
muito também, igual eu, mas ele parou. Eu bebi muito. Não existe quem tenha
bebido igual a mim. Eu bebi desde os meus 14, 15 anos até 81. A banda me viu
beber somente no primeiro ano. Parei, e de lá até hoje nunca mais bebi. Nunca
parei de freqüentar as escolas de samba, rodas de samba, sem beber. A gente
passou a viver Junto, Jorge Andrade, Ivo Santana, um cara que merece destaque
nessa história sua, o Ivo, irmão de Paulo Santos, esse famoso do violão, o Ivo,
era um dos melhores cavaquinistas também do Brasil, cavaquinista solo, ele não
acompanhava, solo. Tempo de Valdir Azevedo, ele tocou com Valdir Azevedo.
E era
daqui?
Silvio
Santos – Era daqui mesmo de Porto
Velho. Morava aqui numas casinhas. Morreu, estava morando em Calama porque ele
era do Banco Bradesco que tinha agência lá. Foi designado para lá e ficou com a
família, morreu já depois de muito tempo de estar aposentado. Os filhos moram
aqui. Mas o Ivo tocou com grandes músicos brasileiros. Para se ter uma ideia,
em 1975, foi, apesar da Escola de Samba Caiari ter parado, foram convidadas as
duas escolas para fazer a troca da bandeira lá em Brasília, naquele mastro que
era do tempo da Revolução. Cada mês era um Estado. Em 75 fomos nós aqui,
capital do Território. Nós fomos e o Ivo foi solo. O Paulo Santos, irmão dele,
para ter uma ideia, já morava em Goiânia. E em Brasília, borá lá no Paulo
Santos, o Zé Carlos Lovo, aquele que
disse que eu sabia fazer samba, também morava em Goiânia e veio pra cá para
Brasília onde a gente estava, aí chegou e borá lá no Paulo Santos. Juntou uma
trupe daquela, eu, Ivo, Bainha, Jorge Andrade, para fazer seresta de noite.
Chegamos lá na casa do Paulo, sem falar nada, o Ivo falou: eu vou tocar uma
música, ele era o irmão, eu vou tocar uma música que só quem sabe é ele, o
Paulo, que eu fiz há muito tempo, mas ele conhece porque ele fez a harmonia do
violão. E na porta, todo o silêncio, ele
solando e a gente escutando, o Paulo acordou, falou para a mulher dele: só quem
sabe dessa música é o Ivo, lá de dentro da casa. Quando abriu a porta era o Ivo
mesmo, amanhecemos naquela farra, cantando e tocando. Então, temos o Ivo Santana na história de
nossa música, um dos melhores cavaquinistas. Solo, o solo dos chorinhos.
Como a
gente poderia gravar com outros músicos e você?
Silvio
Santos – O correto, se a gente
fosse gravar e contar essa história mesmo, nós teríamos que ter eu, Ernesto e
Bainha. Eu e o Bainha como os primeiros compositores de sambas-enredo de Porto
Velho e o Ernesto por ser mais novo que a gente, entra depois e é quem está aí
ainda hoje. Tínhamos o Babá, que morreu. Era meu parceiro. Nós tínhamos o Trio
de Ouro, que alguém colocou, não sei quem da Imprensa, era Silvio, Bainha e
Babá. O Babá morreu e o Ernesto substituiu ele, entendeu? De vez em quando a gente
junta. O Ernesto Melo hoje tem show aqui com o Conjunto dele Fina Flor do
Samba. Eu sou fã do Ernesto. [Cantarola] ‘Porto Velho, meu dengo, desde que eu
me entendo, tu és o meu caso de amor’. Essa e outras. Tem dois CDs gravados.
E na
sequencia...
Silvio
Santos – Nas décadas de 70 e início
dos 80 vem o grito dos cantadores, onde surgem Bado, Laio, essa turma toda que
vem com um movimento do SESC com o grupo dos cantadores daqui, com Laio, um
grande compositor, que se destacou, Bado, Nega, esposa do Laio, Binho. Eles
foram para o Rio de Janeiro e fizeram um show lá no Teatro Cecília Meirelles,
foi gravado, o Porto das Esperanças, só com músicas deles, compositores nossos.
São grandes. É quando há diferenciação porque até então, nossos compositores,
eu, no caso e Bainha, nós éramos compositores só de sambas e marchinhas de
carnaval. Eu ainda me aventurei, graças a Deus que me deu sorte, eu tenho
música praticamente em todos os ritmos.
Você
também é compositor de toadas?
Silvio
Santos – Toada de boi. Também Sou. Outro movimento que era muito forte, da década de
50 até 70, Porto Velho, depois surge de novo com o Maracujá (O arraial Flor do
Maracajá). Então, qual é o meu contato com a toada de boi? Por eu morar aqui na
feira que eu chamava, na Farquar, isso no início da temporada de bois-bumbá, no
mês de junho, todos os grupos de boi, naquele tempo o forte aqui era boi,
quadrilha era só para a elite. Então, eles iam dançar primeiro a saída do
curral, no dia de Santo Antonio, que é o último dia do batismo do boi que era a
tradição, a primeira saída depois desse dia era para se apresentar na casa do
governador, que é aqui na José do Patrocínio, onde é o Memorial Rondon hoje.
Passava na frente de casa para ir prá lá. Tinha que passar. Não tinha outro
caminho. E eu garoto, menino, adolescente, seguia acompanhando os bois.
Acompanhava os cantores que naquele tempo era o Amo que era o grande figura do
boi. Fui aprendendo a ver os caras versar, me dei muito com eles, Augusto
Queixada, o Galego, Zé Luiz, Queixada, muito bom repentista. Eu fui aprendendo
com eles. Depois eu fui brincar de boi também.
O
movimento cultural da cidade era musical
Silvio
Santos: O carnaval daqui era
forte o movimento e os bailes carnavalescos nos clubes começavam no mês de
outubro. Era forte o movimento. Os ensaios das escolas Diplomatas, Caiari
começavam também no final de outubro, novembro. E no meio do ano o movimento
era o boi-bumbá, tinha boi de tudo quanto era jeito. Coincidiam com as festas
juninas e os festivais de boi. O Wadih Darwich (engenheiro civil, foi
governador de Rondônia em 1962), dono da Voz da Cidade junto com Humberto
Amorim, criou primeiro aqui na sete de Setembro, um Festival de Boi-Bumbá,
festival folclórico. Só era boi-bumbá. Depois, uma das últimas disputas foi no
Estádio Aluísio Ferreira. O Festival de Boi-Bumbá era um negócio muito grande
que eles faziam aqui.
E a
população, a comunidade chegava a cantar as músicas? Elas ficavam populares?
Silvio
Santos: Na época, quem, eu não
quero dizer que fui eu, mas os primeiros de músicas de boi-bumbá mesmo sou eu a criar, porque antes era só verso de Amo, tirava um refrão e o resto cada
um tirava um verso, entendeu? Improviso. Assim que era a brincadeira de boi. O
Augusto Queixada, eu fiz uma toada lembrando ele, o Augusto Queixada cantava
assim, olha só [cantarola]: “Brasil, tricampeão do mundo, Brasil no futebol é o
melhor, Assim acontece em Rondônia, No festival, Boi Flor do campo é o maior”.
Esse era o mote. Dalí para a frente era improviso.
Os
puxadores de boi eram repentistas...
Silvio
Santos: Repentistas. Esses, Galego, Augusto Queixada, Zé
Luiz [cantarola] “O astro rei brilhou no céu anunciando um novo dia a clarear,
mais uma vez Zé Luiz tira a toada só para ver Boi Garantido balançar”.
Garantido era o boi dele.
E você
vem com suas composições de toadas...
Silvio
Santos: A pessoa para ser Amo
tinha que ter um vozeirão, porque não tinham essas aparelhagens de som. Era no
gogó. E eu nunca tive essa voz. Mas brincava muito. E comecei a compor. Toadas
com o Boi Tira Prosa. Que era o Flor do Campo e o dono do Flor do Campo, Luiz
Amaral, perdeu ele no divórcio para a mulher dele. E trocou o nome para Tira
Prosa. E eu já entrei com esse nome para compor toada. Aí eu criei a minha
primeira toada, não estou lembrado agora, mas já era uma toada que não tinha só
o verso. Era uma letra completa. Foi daí que passou a turma a compor também
toada completa. Aí tivemos grandes nomes, Nonato. Naquele tempo a gente tinha barreira de Amo.
Aí já começa com o Maracujá, que já tinha aparelhagens, a gente já cantava no
microfone, entendeu? Não precisava mais tanto esforço. Depois eu passei para o
Ás de Ouro, porque o Tira Prosa acabou. O Ás de Ouro foi pioneiro porque nós
criamos a primeira Banda de Boi-Bumbá aqui em Porto Velho, em 1994, não, em 93.
Criamos uma banda mesmo com tecladista, [...] música de banda, para se
apresentar no Maracujá e eu cantando e o dono do boi que cantava também, tinha
muita composição, aí eu passei para o Corre Campo sempre compondo toada. Eu
tenho um CD gravado de toadas. Eu tenho mais de cem músicas – Toadas de
Boi. O CD tem vinte músicas. Até hoje
canto Boi, como Amo. Mas aí a turma viu a Banda do Ás de Ouro e através de mim,
os músicos que tocavam nas casas noturnas viram aquilo como uma fonte de renda.
Uma vez nós reunimos aqui no Mercado Municipal, no tempo do Zizi, ou foi no
Chaveiro, eu falei eu vou cantar também, aí eu falei, vamos fazer o seguinte:
você vai para o boi Corre Campo, o outro para o outro boi para poder ter uma
disputa entre a gente. Aí foi quando surge o Boi Diamante Negro, e o Laio vai
ser o cantor (não é Amo) e compositor do Boi Diamante Negro, Laio, famosíssimo
já.
Então,
quer dizer que todos têm essa ligação com a Toada?
Silvio
Santos: Aí o Carlinhos Maracanã,
eu já estava no Boi Ás de Ouro, ele foi o compositor e campeão no Maracujá. O
Paulo Rodrigues já era do Corre Campo, eu vim para o Corre Campo com ele e por
aí vai, Aluísio Guedes, e a turma passa a produzir as Toadas para disputas
mesmo. Até o Binho cantou e tem música que é Toada de Boi.
O
movimento de Fanfarras também foi muito forte...
Silvio
Santos: Sim esse é outro movimento
que foi muito forte, as fanfarras. Porque no início nós tínhamos somente o
Colégio Dom Bosco e a Escola Normal. Eu nunca estudei no Dom Bosco. Meu irmão
mais velho, Bianor era da Fanfarra do Dom Bosco. E quando eu fui fazer o
Ginásio, a Escola Normal, que nem era o nosso caso, era o prédio, mas era
Escola Modelo onde estudávamos o ginásio. Aí a gente tinha a nossa Fanfarra.
Eles tocavam para todos os grupos escolares. O professor [ ] a turma dizia que era da Fanfarra da
Escola Normal, mas era da Modelo. A
Escola Normal tinha a sua própria fanfarra também. Mas eles usavam sopro da
Escola Dom Bosco. E virou um movimento muito grande. Até hoje as fanfarras
estão aí. Vêm de lá, olha, Colégio Dom Bosco, Escola Normal, o Barão de
Solimões, Duque de Caxias.
Silvio
Santos: Até hoje nosso movimento
musical em Porto Velho é muito forte. Até hoje se você vê produção musical das
mulheres que tão aí com sucesso. Gabriê e Cia.; Kalil, essas meninas que hoje
dominam nessa área de composição mais moderna, são elas que estão compondo.
Músicas autorais. Aqui sempre foi forte. Se você freqüentar o Mercado Cultural
de segunda a segunda tem música.
Silvio
Santos: O Bado é o nosso grande
músico.
E o que dizer do Rock?
Silvio
Santos: Nas décadas de 70 e 80,
o Rock foi quem dominou a música em Porto Velho. Tinha na quadra do ferroviário
toda a sexta-feira e sábado, encontro de roqueiros na quadra, que era aberta ao
público. Eu não perdia um. Adoro Rock. Nunca compus nenhum. Nunca fiz Rock. Eu
tiro um sarro. Sou do tempo do Elvis Presley e dos Beatles.
Mas quem
são as expressões no Rock?
Denis Carvalho, da Banda Nitro, que é a banda
mais antiga de Rock, ou o Rodrigo, que é filho do Moreira Mendes, que tocou
aqui agora no dia 7 (de setembro), é uma boa referência; e temos o Pacífico, da
Banda Versalles, e aqui tem a noite do
Rock. Não sei se é terça ou quarta. O
Mercado tem um dia que é Rock. O Rock também foi muito expressivo e o Sesc
promoveu muito isso.
Acho,
então, que dá para fazer um passeio pela música, enfocando os sambistas, as
toadas, o movimento que você falou: Grito de Cantadores, o Rock, finalizando
com as compositoras.
Silvio
Santos: São muitas cantoras que
se apresentam aqui no Mercado com música autoral. Tem forró, tem Noite do Rock,
Forró. Hoje é Samba, Ernesto Melo entra por volta das oito horas da noite.
O que
você acha, por exemplo, dos meninos do movimento de rua, o Hip Hop e o
Quilomboclada?
Silvio Santos: O Quilomboclada é o grupo. Sou fã desses caras! Eles são um grupo genuinamente beradeiro, Porto Velho, é o ritmo deles. Tu vais assistir a um show do Quilomboclada, a guitarra bate como se fosse de rock, distorcida, aquele ‘sonzão’ heavy metal. Aí o tambor é boi, Tino, vai boi, a guitarra tá no rock dela. As músicas que eles chamam de ‘bera’, o Ákilas e o Samuel, estão contando as nossas coisas, do beiradão, o nosso próprio Boi-bumbá, tem que ver a loucura da Banda Quilomboclada! É um som exclusivo, é deles. Nasceu aqui. A nossa música ‘bera’ é o Quilomboclada. Eles não podem ficar fora. Eles são nossos. Nosso ritmo é o Quilomboclada. Eles têm uma música que passaram a tocar agora, que é de boi, teve um show aqui no 7 de setembro e eu vim. Diz que é uma música de boi que foi feita em minha homenagem.
Encerramos a conversa naquela tarde falando sobre as entrevistas que ele fez com pessoas notáveis e que estão no Museu da Pessoa, no Palácio da Memória. Foi muito importante conversar com Silvio Santos, descobrir um pouco sobre sua participação no legado cultural de Porto Velho e perceber que há muito ainda a se revelar sobre os talentos musicais existentes na cidade. Os que fizeram esse trajeto até aqui e os que agora continuam contando essa história por meio de suas canções. Ele também me presenteou com o livro “As peripécias do General”, que escreveu para contar as traquinagens de seu amigo Manelão, o então ‘General’ da Banda do Vai Quem Quer. Salve Silvio! A cena cultural de Porto Velho toda lhe contempla! Salve Nossa Senhora da Conceição!
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