Terça-feira, 22 de janeiro de 2019 - 10h13
Em parceria com o Instituto Mamirauá, grupo de pescadores faz levantamentos de estoques de aruanãs brancos em lagos na região de Maraã (AM). Manejo sustentável da espécie, para fins ornamentais e de alimentação, pode ter início em 2019
Velho conhecido das feiras e supermercados regionais, o aruanã está na lista de pescados mais consumidos pelo amazonense. Mas as qualidades desse peixe vão além da cozinha: quando filhotes, os aruanãs também são muito apreciados pelo seleto mercado de ornamentais. O primeiro manejo sustentável da espécie no estado do Amazonas pode ser aprovado pelo IBAMA para começo das atividades a partir desse ano. Como parte dos preparativos, o Instituto Mamirauá e pescadores do município de Maraã realizaram, em novembro, a contagem de aruanãs em lagos da região.
Os levantamentos mais recentes foram feitos no complexo do Lago Preto, conjunto de lagos localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, unidade de conservação a cerca de 640 km de Manaus. A equipe formada por membros da colônia local de pescadores contabilizou os estoques de aruanãs brancos (Ostoglossum bicirrhosum) adultos e juvenis em três lagos do complexo. Aruanãs adultos medem a partir de 50 cm, tamanho médio de maturação sexual. Abaixo disso, os peixes são considerados juvenis.
Todo trabalho foi acompanhado por cientistas e técnicos do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
“Foi uma contagem muito positiva”, avalia a pesquisadora Danielle Pedrociane. “Os resultados estão em análise, mas posso adiantar que a taxa de erro entre a quantidade de peixes apontada pelos contadores e o total que havia de fato nos lagos foi bastante baixa. Esse é um grupo de pescadores experientes na contagem e que vem se preparando há tempos para fazer o manejo de aruanãs”.
A contagem também integra os estudos sobre a ecologia e a biologia de aruanãs conduzidos pelo Instituto Mamirauá. As pesquisas são realizadas há mais de uma década nessa região e deram sustentação científica para o plano de manejo da espécie, proposto ao IBAMA.
Até 2017, a captura de larvas e alevinos (filhotes) de aruanãs para fins ornamentais era proibida no Amazonas, porque a legislação não permitia que um só tipo de peixe fosse, ao mesmo tempo, produto do mercado de ornamentais e de alimentação. Mas, com base nas experiências e dados coletados na região de Maraã, uma resolução da Secretaria Estadual de Meio Ambiente aprovou a pesca, desde que a atividade siga os princípios sustentáveis do manejo.
“A resolução libera a pesca em áreas de manejo, com apresentação de plano de uso sustentável, relatório técnico e histórico de no mínimo 3 anos de contagens já realizadas”, informa a pesquisadora, membro do Grupo de Pesquisa Biologia e Ecologia de Peixes do Instituto Mamirauá. “A Reserva Mamirauá vai ser a primeira área no estado do Amazonas a fazer esse tipo de manejo”.
Entenda como é feita a contagem de aruanãs
A metodologia de contagem praticada em lagos da Reserva Mamirauá foi inspirada em experiências feitas no Peru, onde a comercialização de aruanãs na categoria de peixes ornamentais é uma realidade antiga.
Adicionando critérios técnicos à atividade e com adaptações ao contexto local, os pesquisadores do Instituto Mamirauá chegaram ao modelo atual: à noite, durante a estação de seca (em média, de agosto a novembro), os pescadores fazem a contagem visual de aruanãs em lagos de água negra.
Divididos em duplas e guiados por lanternas de cabeça, os pescadores saem em canoas e percorrem, lado a lado, toda a extensão do lago, da cabeceira até a ponta. Na proa, vai o contador e atrás o anotador, registrando em uma planilha os aruanãs que forem contabilizados no caminho. “É como um escaneamento do lago”, explica Danielle Pedrociane. “As canoas ficam emparelhadas a uma distância de 5 metros entre elas, e seguem a uma velocidade média de 2 quilômetros por hora (km/h). A velocidade é controlada por um dos pescadores com o uso de GPS”.
O contraste entre o tom escuro e límpido das águas e os olhos e escamas do aruanã, que refletem a luz, permitem a visualização. “A contagem é feita à noite porque o aruanã é um peixe de superfície e dá para se ter uma boa visualização dele com o foco de uma lanterna”, afirma Reinaldo Marinho, técnico do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá, que acompanhou a contagem.
Os alevinos e larvas, valorizados no mercado de ornamentais, são contados a partir da boca dos machos da espécie: entre os aruanãs, é o macho que cuida dos filhotes, guardando a prole na boca até um certo estágio de vida. “Quando a boca do peixe está entreaberta, o contador consegue ver a coloração do filhote e distingue em qual fase de desenvolvimento ele se encontra. A partir de 5 cm (centímetros), é permitido o manejo de ornamentais”, informa a pesquisadora do Instituto Mamirauá.
Para confirmar o que foi contado, a equipe faz o que é chamado de despesca ou “arrasto”: semelhante como é feito no manejo de pirarucu, partes do lago são fechadas com redes de pesca e, após a contagem, os pescadores retiram todos os peixes do ambiente.
“Essa é uma metodologia de baixo custo e eficaz para estimar a população local de aruanãs e possibilita o manejo da espécie”, avalia Reinaldo. “Estamos em uma fase de passagem das pesquisas somente para a soma da extensão nesse processo, e por isso a presença da assessoria técnica, acompanhando e contribuindo nas atividades”.
Próximos passos
Em parceria com a Colônia de Pescadores Z-32 de Maraã, o Instituto Mamirauá planeja uma oficina para confecção de puçás, tipo de rede usado no manejo de ornamentais para evitar a mortalidade dos peixes adultos durante a captura, em janeiro de 2019. A partir de agosto, quando começa a temporada de seca, também será realizada uma capacitação para pescadores em contagem de aruanãs. Uma cartilha didática com orientações para a contagem também está na agenda do instituto.
“Para nós e para os pescadores envolvidos, o manejo piloto de aruanãs é um motivo de alegria que aguardamos com expectativa. É bom para as pessoas, que terão outra opção de fonte de renda, e para a conservação da espécie, que vai ter uma saída viável de manejo, frente à exploração clandestina, que há anos leva uma quantidade enorme de filhotes de forma ilegal e predatória da Amazônia”, resume a pesquisadora.
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