Quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022 - 11h12
Uma recente pesquisa da
Associação Brasileira de Empresas Aéreas aponta que mais de 60% dos brasileiros
têm mais vontade agora do que nunca de viajar para o exterior - efeito do
período de isolamento e restrições. Apesar disso, se depender do governo, esses
desejos não virão facilmente. Pelo contrário: os pretensos viajantes terão que
desembolsar valores vultosos para sair do país.
Não bastasse a brutal
desvalorização do real durante a pandemia, a não renovação da isenção parcial
do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior
destinadas à cobertura de gastos pessoais de brasileiros em viagens de turismo
traz um elevadíssimo custo adicional. As expectativas de que a questão
fosse resolvida com a edição da Medida Provisória nº 1.094/2021 foram frustradas
com a exclusão do tema do texto final, pegando o setor de surpresa. Trata-se de
uma situação que prejudica não apenas os brasileiros que querem viajar ao
exterior, mas todo o setor econômico de turismo e viagens.
Para explicar melhor a
problemática, vamos usar um exemplo simples: Paulo, brasileiro e residente no
Brasil, vai viajar de férias para a Inglaterra, e contratou a agência Viaje
Bem. Paulo pagou para a agência R$30.000,00, que deveria custear a hospedagem,
e mais R$2.000,00 pelo serviço de organização da viagem. A agência, por sua
vez, realizará reserva e pagamento à UK Hotel, por meio da remessa dos valores
para o exterior.
A renda da UK Hotel está sujeita
à tributação conforme as regras da Inglaterra, na condição de residente, mas
também pode ser tributada no Brasil, pois apesar de não-residente, a sua fonte
pagadora é local (Viaje Bem, mandatária de Paulo).
Nesse caso, o Brasil utiliza a
tributação na fonte, cobrando o tributo da fonte pagadora da renda (Viaje Bem),
que embute este custo no valor da remessa, por meio do reajustamento da base de
cálculo (gross up), previsto em lei. Ressalte-se que, no nosso exemplo, o “peso
econômico” do tributo, decorrente do gross up, será repassado no preço cobrado
de Paulo.
Uma exceção para isso é a
existência de um tratado para evitar a dupla tributação. Sinteticamente, em
havendo tratado, não seria cobrado o IRRF sobre a remessa para a UK Hotel, mas
caso não haja, quem arca com o custo desse tributo é Paulo.
No Brasil, o IRRF, na hipótese
aqui tratada, está sujeito à alíquota de 25%. Ou seja: para a remessa dos R$
30.000,00 pagos à UK Hotel, Paulo precisará desembolsar o valor de R$40.000,00,
somado ao IOF da transferência, com alíquota de 0,38% . No total, para reservar
a hospedagem no UK Hotel por meio da agência, Paulo irá gastar R$40.152,00
(desconsiderando a remuneração da agência), havendo um acréscimo em torno de
33%.
Agora digamos que Paulo, ao invés
de buscar uma agência de viagens, visite o site da Net Travelling, empresa
estrangeira, que intermedia a contratação de hospedagem, e realiza o pagamento
com seu cartão de crédito internacional; ou que ele resolva pagar a hospedagem
apenas na chegada, com seu cartão internacional. Em ambas as situações, o único
tributo cobrado de Paulo seria o IOF sobre essas operações, à alíquota de
6,38%, totalizando um custo de R$31.914,00 (desconsiderando a remuneração do
site).
Para os 36 países com os quais o
Brasil, atualmente, possui tratados para evitar a dupla tributação, as
situações descritas possuem custos bastante aproximados. Entretanto, para todos
os demais destinos, o que resta é um (des)incentivo fiscal reprovável.
Cria-se uma política tributária que favorece a contratação direta no exterior
em prejuízo da contratação por meio de empresas brasileiras especializadas.
Um efeito ainda mais perverso é o
de discriminar pessoalmente os viajantes, ao permitir que o mesmo serviço seja
adquirido a um custo inferior apenas pelos brasileiros que possuam cartão de
crédito internacional disponível para a transação, o que está longe de ser algo
acessível a todos. Para piorar, se afasta também a possibilidade de o tomador
realizar o pagamento de forma parcelada. Diante de um cenário discriminatório
como esse, é papel do Estado adotar medidas de política fiscal voltadas ao reestabelecimento
da neutralidade e da igualdade entre consumidores.
O tributo é um instrumento
poderoso de política econômica. Incentivos e desincentivos fiscais podem
alavancar o crescimento, mas também, se mal manejados, podem afundar setores
econômicos inteiros. O desinteresse do governo em apresentar uma solução irá
transformar a decolagem do setor de viagens nacional em um “voo de galinha”,
bem quando se esboçava a recuperação de uma crise histórica. No contexto em que
o país precisa fomentar o crescimento econômico, gerar empregos e reabilitar o
fluxo de viajantes para dentro e para fora do país, parafraseando Fernando
Pessoa, “viajar é preciso, tributar não é preciso”.
* Carlos Augusto Daniel Neto
é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em
Direito Tributário pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP,
ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do CARF e professor em cursos de
pós-graduação. E-mail de contato: carlos.daniel@ddtax.com.br.
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