Sábado, 28 de outubro de 2017 - 07h01
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil
Estudantes indígenas participam, neste sábado (28), de processo seletivo para ingresso em cursos da Universidade de Brasília (UnB). Ao todo, 716 candidatos tiveram inscrição homologada e concorrem a uma das 72 vagas em 21 cursos de graduação da UnB.
O chamado vestibular indígena é composto por duas fases: na primeira, prova objetiva e redação; na segunda, análise de documentação e entrevista. Ambas serão realizadas nas cidades de Brasília; Águas Belas, em Pernambuco; Baía da Traição, na Paraíba; Cruzeiro do Sul, no Acre; Manaus e Lábrea, no Amazonas; e Macapá. Os 716 candidatos que tiveram a inscrição homologada concorrem a uma das 72 vagas em 21 cursos de graduação da universidade.
A UnB foi a pioneira na adoção do vestibular indígena, mas há três anos não realizava esse processo seletivo, que é parte do acordo de cooperação técnica entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Fundação Universidade de Brasília (FUB).
Segundo o diretor de Acompanhamento e Integração Acadêmica da UnB, Diego Madureira, a retomada foi fruto de demanda dessa população. Ele diz que o processo é muito peculiar, pois tem como público-alvo pessoas que vivem em comunidades tradicionais, nas quais há pouco acesso à internet, por onde geralmente são divulgadas informações sobre vestibulares, e que vivem em condições econômicas precárias. Prazos alargados, mobilização de indígenas que já estudam na instituição e contato com organizações foram algumas das estratégias adotadas para superar essa dificuldade.
De acordo com Madureira, essa ação afirmativa aprovada pelas instâncias superiores da universidade acaba atingindo uma parcela da população que não é atendida sequer pelas cotas tradicionais. “O nosso público é aquele que jamais teria essa oportunidade”, ressalta. Como resultado, a UnB espera viabilizar tal oportunidade e tornar o ambiente universitário mais diverso.
Ao longo dos anos 2000, diversas instituições seguiram o exemplo da Universidade de Brasília e, atendendo à demanda dos povos indígenas, passaram a adotar processos seletivos direcionados para eles. O vestibular indígena é feito também pelas universidades federais do Paraná, da Bahia, de São Carlos, do Amazonas e de Roraima e pela universidade estadual do Paraná.
A Universidade Federal de Roraima é a única que conta com um instituto de formação superior indígena, o Insikiran, que oferece três cursos de formação em nível de graduação para povos tradicionais: os bacharelados em gestão ambiental e gestão em saúde coletiva, além da licenciatura intercultural.
A lista tende a crescer. Recentemente, uma das instituições de ensino mais importantes do país, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou proposta de adoção do vestibular indígena para 2019. Fruto de estudo da comissão responsável pelo processo seletivo (Comvest), a proposta partiu da percepção da baixa presença indígena na Unicamp. Desde a adoção da Política de Ações Afirmativas da Unicamp, em 2004, o número médio de ingressantes varia de 7 a 17 estudantes matriculados por ano. A proposta prevê que todos os cursos de graduação da Unicamp ofereçam pelo menos mais de uma vaga suplementar destinada a indígenas até 2021.
Os vestibulares específicos têm base na Constituição Federal de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada, que respeite os modos de produção e transmissão de conhecimentos próprios de cada povo e orienta a efetivação de política nesse sentido. Parte, ademais, da consideração de que o atual modelo de escolas indígenas com currículos diferenciados traz a importância de um acesso específico que contemple e reconheça o modelo de educação diferenciada, de forma a garantir o princípio da equidade, diz documento da Comvest.
Outro mecanismo que tem levado à ampliação da presença indígena no ensino superior é a oferta de cursos de licenciatura intercultural para estes grupos. Criado no contexto do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), tem como meta formar professores para lecionar em escolas indígenas. Nesses cursos, seguindo o método da pedagogia da alternância, o aprendizado ocorre tanto em sala quanto nas comunidades, em períodos de aplicação prática. Hoje, segundo a Funai, pelo menos 15 universidades públicas oferecem tal formação.
Além desses instrumentos específicos, a política mais ampla definida pela Lei de Cotas tem gerado a reserva de cerca de 5% das vagas totais das instituições de ensino superior para indígenas. Neste caso, eles têm acesso à universidade pelo vestibular tradicional.
Pós-graduação
Nos cursos de pós-graduação, a movimentação para essa abertura, inclusive por meio de cotas, é mais recente. Em 2015, a Universidade Federal de Goiás foi a primeira instituição pública de ensino do país a adotar cotas na pós-graduação. A reserva de vagas para indígenas já é uma realidade também nos programas de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional (UFRJ) e de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, bem como nos cursos de mestrado em antropologia e linguística da UnB, entre outros. A UnB oferece ainda mestrado profissional em sustentabilidade junto a povos e terras tradicionais, com a maioria das vagas destinada a pessoas de comunidades tradicionais.
Neste ano, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) adotou, por consenso, uma resolução inédita: reservou vagas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em todos os programas de mestrado, mestrado profissional e doutorado. No caso dos indígenas, eles adquiriram o direito de ter acesso a pelo menos uma vaga suplementar em cada curso. A medida valerá para processos seletivos realizados a partir de 2018. Os vestibulares sofrerão adaptações para atender, entre outras situações, a necessidades de indígenas que não dominam a língua portuguesa.
Assistência estudantil
A entrada é o primeiro passo para o exercício do direito à educação no plano do ensino superior. Por isso, a estudante do curso de antropologia da UnB Braulina Aurora considera a existência de processos seletivos específicos “uma conquista dos povos indígenas”.
Na opinião da estudante, da etnia Baniwa, a partir desse pontapé, outros desafios se colocam. Segundo Braulina, que preside a Associação de Acadêmicos Indígenas da UnB, uma das questões é elementar: o domínio do português, segunda língua dessas pessoas. Na UnB, ingressantes têm acesso a um curso de português instrumental. “Mas é muito pouco ainda, porque a gente precisa de mais [conhecimento] para trabalhos acadêmicos, como escrever artigos, monografias.”
Complementarmente, na universidade, há outras iniciativas como o Projeto Raiz, destinado a indígenas e também a alunos estrangeiros. Por meio dele, os alunos são acompanhados por estudantes que atuam como monitores. “A instituição tem que entender nossa diferença, ao estar presentes neste espaço”, destaca Braulina.
Além do apoio pedagógico, são necessárias políticas para viabilizar a permanência dos estudantes na universidade, como garantia de auxílio para moradia e alimentação. Segundo a Funai, para o apoio a estudantes indígenas, existe a Bolsa Permanência, criada pela Portaria n° 389/2013 do Ministério da Educação (MEC). A Funai tem termos de cooperação firmadoscom sete universidades (UFSCar, UFMG, UEFS, UNIJUÍ, UEMS, UnB e IFMG). Ao todo, 181 estudantes indígenas são beneficiados por ações desenvolvidas a partir desses acordos.
De acordo com a Funai, este é o principal programa de assistência estudantil para estudantes em situação de carência socioeconômica, em especial os indígenas e de comunidades quilombolas, porém só tem cobertura para as universidades federais e institutos federais. Existem ainda iniciativas como o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnae), que custeia moradia, transporte e alimentação, bolsas e outros tipos de auxílio das próprias instituições, bolsas acadêmicas destinadas aos estudantes em geral, além de políticas locais de governos ou municípios.
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