Quarta-feira, 12 de outubro de 2016 - 10h20
Nos últimos anos, a questão que está em jogo é a qualidade da educação, uma vez que as diversas avaliações realizadas por governos das diferentes instâncias têm apontado para os baixos resultados de nossos alunos. O debate sobre a reforma do ensino médio insere-se nesse contexto. Inúmeros estudos têm buscado entender as causas desse problema, ora apontando para fatores internos à escola, ora para fatores externos.
O bom senso nos diz que em um país como o Brasil, com sua enorme diversidade espacial e populacional, esses fatores não podem ser simplificados. Para entendermos os problemas ligados à nossa educação, devemos levar em conta as peculiaridades e características do território e sua história política, social e econômica, assim como as características da própria rede educacional de cada local ou mesmo os aspectos de algumas escolas, de forma mais específica.
Assim, a discussão sobre a proposta da reforma deve buscar entender a inserção na escola dos alunos oriundos de famílias de alta vulnerabilidade, especialmente nos grandes centros urbanos. Nesse contexto, paralelamente a todos os fatores relativos a aprendizagem propriamente dita, as relações humanas no âmbito da educação, mais especificamente nas comunidades e nas escolas, deveriam ser tratadas com o mesmo sentido de urgência que os dados relativos às avaliações de aprendizagem.
Ou seja, é preciso pensar também em como fortalecer a relação das escolas com as famílias de seus alunos, os bairros nos quais as instituições de ensino estão situadas e até mesmo em como integrar a população destes locais a ações na escola.
O foco nas avaliações tem reforçado a expectativa das escolas abrigarem um conjunto de bons alunos que possam se sair bem nas avaliações mais difíceis. Isso é bem visível no caso do ensino médio e das expectativas com relação ao Enem. Na luta por boas pontuações, muitas vezes, instala-se nas escolas uma violência simbólica, que interfere nas relações sociais ali construídas por meio de atitudes e até mesmo de regras invisíveis.
Primeiramente, é comum vermos nas escolas a criação de obstáculos ao acolhimento de alunos provenientes de famílias de alta vulnerabilidade ou para aqueles que querem retornar aos estudos. Uma pesquisa da Fundação Tide Setubal e do Cenpec descobriu que, ao analisar os pedidos de matrícula, muitas escolas avaliam questões como as notas e o comportamento dos alunos e as características socioeconômicas de suas famílias. Leia mais sobre isso aqui.
A pressão pelo bom desempenho dos alunos nas avaliações também leva a uma maior distância entre o currículo formal e o mundo cotidiano dos jovens, pois os professores e coordenadores muitas vezes privilegiam o que "cai no Enem" ao invés de tratar temas como cultura ou ética.
A seleção invisível dos "bons alunos" ainda traz dificuldades de se aceitar e lidar com a diversidade, a diferença e o enfrentamento do preconceito dentro da escola e gera a homogeneização dos alunos por meio de imposição de disciplina formal descolada de um clima de respeito, convivência saudável, colaboração e tolerância.
Ao privilegiar os estudantes mais propensos a apresentar bons resultados, a escola demonstra a falta de compromisso com a aprendizagem de todos os alunos, desvaloriza a história e a vivência das famílias e dos alunos no ambiente escolar e ainda culpa as famílias pelo mau resultado dos estudantes.
Estas atitudes, embora de difícil medição, são muitas vezes fatores determinantes dos baixos resultados de aprendizagem alcançados por nossos alunos. Não se trata de paralisar o debate sobre a reforma do ensino médio, mas sim, de entendê-la inserida na complexidade que perpassa os territórios das periferias urbanas, para que possamos alcançar maior equidade.
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*Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.
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