Quarta-feira, 20 de maio de 2015 - 08h17
O governo pretende fazer uma reforma em toda a educação básica brasileira. A proposta inclui a formação de professores, a criação de escolas experimentais e o maior uso de tecnologias, de acordo com o documento Pátria Educadora: A qualificação do ensino básico. Para o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, Mangabeira Unger, responsável pelo estudo, a participação da sociedade civil será fundamental para que as mudanças se consolidem.
Ao ser apresentado a especialistas e parlamentares, o Pátria Educadora recebeu diversas críticas. O documento não inclui as metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE) e não contou com a participação do Ministério da Educação (MEC). Além disso, propõe uma ação direta nas escolas, o que foi considerado intervenção federal.
Outros pontos controversos tratados no documento são: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) digital, a capacitação de diretores e o afastamento daqueles que obtiverem, de forma consecutiva, baixos rendimentos na escola onde trabalham. Além disso, há a intenção de oferecer um ensino diferenciado tanto aos alunos que apresentarem maiores aptidões às disciplinas quanto àqueles que apresentarem pior rendimento.
Em meio às polêmicas com a divulgação do documento, o ministro Mangabeira Unger recebeu a equipe de reportagem da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Durante a entrevista, ele ressaltou que a "realidade do ensino básico no Brasil é calamitosa" e que o país precisa encontrar uma solução de forma urgente. Para ele, discussões sobre as diferenças entre o PNE e o Pátria Educadora não devem ser o ponto central da discussão. Ele defendeu a união de forças em prol do "enfrentamento da realidade". O ministro destacou que o documento está em fase de elaboração e que quer contar com a ajuda de especialistas e da sociedade civil para aprimorá-lo.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
EBC: O documento foi criticado por se distanciar do Plano Nacional de Educação (PNE) e dar prioridade a questões que não foram debatidas amplamente pela sociedade em quase quatro anos de tramitação.
Mangabeira Unger: O que está nessa proposta não é o único caminho, é um caminho, é uma interpretação do que está no Plano Nacional de Educação. Mas não tenhamos a ilusão de supor que o PNE já é um projeto de transformação, claramente não é. É um conjunto de metas, de processos e de abstrações. Tratemos da realidade. O elemento mais importante não é o contraste de propostas [entre o PNE e o Pátria Educadora] é o enfrentamento da realidade. A realidade do ensino básico no Brasil é calamitosa. No final do ensino médio, metade dos alunos não consegue ler um texto e a outra metade que consegue ler um texto tem dificuldade em entendê-lo. Se ficarmos nisto, com uma população que não consegue lidar com a palavra escrita, que não consegue destrinchar o pensamento analiticamente, vamos ficar condenados a exportar soja e minério de ferro por toda a vida. É esta a realidade, é este o problema. Não sou eu que estou trazendo esse problema ao propor soluções controvertidas, o problema está diante de nós.
EBC: O PNE estabelece a regulamentação do Custo Aluno Qualidade (CAQ), verifica quais são as necessidades da escola, incluindo salários, infraestrutura e outros aspectos, e estabelece quanto é necessário de investimento para garantir isso. No documento [Pátria Educadora] nada vai diretamente ao encontro do CAQ. O governo pretende acelerar a regulmentação do CAQ para que o PNE funcione?
Mangabeira: O CAQ é um critério muito útil, mas talvez não deva ser o único. Talvez, devemos levar em conta critérios múltiplos. Estamos abertos. Esse documento preliminar tem o objetivo de provocar uma discussão nacional.
EBC: O documento trata da cooperação federativa, como será essa cooperação?
Mangabeira: A cooperação federativa é a primeira preocupação dessa proposta. Precisamos de mecanismos de redistribuição dentro da federação. Redistribuição de recursos, de lugares mais ricos para os lugares mais pobres. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] é levemente redistribuído porque assegura o mínimo, ele procura levantar os estados mais carentes àquele mínimo. A proposta sugere que há diferentes maneiras de alcançar esse objetivo. Uma maneira seria aumentar o sentido redistribuidor do Fundeb. Outra maneira seria financiar medidas de redistribuição com base no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação]. E a terceira maneira seria criar um terceiro fundo. Todas essas opções estão abertas.
EBC: Pátria Educadora fala de uma Prova Nacional Docente. Do que se trata essa avaliação? Há o risco de se criar uma espécie de Enem para os professores e fazer com que as faculdades corram atrás apenas do que é cobrado nessa avaliação?
Mangabeira: Não há isso no documento. Há a ideia de uma prova como há em outras profissões, advogados, médicos. Uma prova que inclusive ajudaria a facilitar a mobilidade dos professores dentro da federação. Mas uma coisa deve ficar clara, o Estado não deve financiar a formação de professores em instituições privadas com o objetivo de lucro indefinidamente. Aquele financiamento tem que estar condicionado a critérios de desempenho e de qualidade. [A avaliação] Não é para os docentes é para as instituições que formam esses docentes. Essa prova é um instrumento poderoso para influenciar na formação do professores.
EBC: Após o debate com especialistas e parlamentares, o que a SAE considera que pode mudar no documento?
Mangabeira: Estamos apenas nas etapas iniciais desse debate. Há muitos mal entendidos que já ficaram patentes nesse primeiro momento de discussão. Vou dar um exemplo. Na cooperação federativa, um dos pontos cruciais é: o que fazer quando uma rede escolar local caia repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade? A qualidade da educação que uma criança recebe não pode depender do atraso do lugar onde ela nasce. Se a educação numa escola não alcança o patamar mínimo, precisamos consertar. Consertar como? Juntando recursos dos três níveis da federação para apoiar aquela rede, mas se o apoio não é suficiente tem que haver no final um resgate. Os três níveis se juntam em órgãos conjuntos que assumiriam aquela escola temporariamente, mobilizariam recursos adicionais, consertariam o que é defeituoso e no final devolveriam aquela escola para a rede. Isso não é intervenção federal. Isso é uma ação transfederal, ação cooperativa dentro da federação para assegurar o direito da criança. O direito da criança se sobrepõe às prerrogativas do diretor local.
EBC: Por que a presidenta fez essa solicitação à SAE e não ao MEC?
Mangabeira: Em cada momento eu trabalhei com o Ministério da Educação conjuntamente. Isso é uma construção comum. Eu creio que a razão mais importante para a presidenta ter atribuído essa função a Assuntos Estratégicos é que ela que quer conduzir o processo. Assuntos Estratégicos é sempre assessoria e braço da presidência. Formalmente faz parte da presidência.
EBC: O governo pretende aplicar o que foi apresentado no Pátria Educadora?
Mangabeira: Nós não estamos comprometidos com essas ideias preliminares. A Pátria Educadora é o projeto prioritário do governo, o seu conteúdo é que está sendo debatido e esse documento propõe um debate do conteúdo ao apresentar ideias preliminares.
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