Segunda-feira, 18 de setembro de 2023 - 14h02
A Copa do Mundo de Futebol Feminino 2023 chegou ao fim em agosto
com uma decisão inédita entre Inglaterra e Espanha. Enquanto a maioria da nação
ainda lamenta a saída precoce do Brasil da competição, no interior da Amazônia,
meninas ribeirinhas estão com as mentes e o foco no mundial de 2027.
Na
comunidade de Porto Braga, localizada na Desenvolvimento Sustentável (RDS)
Mamirauá, interior do Amazonas e às margens do Rio Solimões, centenas de jovens
atletas concorreram ao título de melhor time de futebol feminino, na faixa
etária de 10 a 17 anos. O torneio, sem dúvida o mais concorrido do evento, fez
parte das Olimpíadas da Juventude da Floresta, evento socioeducativo promovido
pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
“Nosso
polo trouxe equipes para todas as modalidades das Olimpíadas: queimada, cabo de
guerra, vôlei, futebol e corrida no saco. Mas eu quero participar mais do
futebol, o futebol é a minha inspiração”, conta Valdeane Santos, 16 anos,
moradora do Punã, uma das 41 comunidades que participaram dessa edição do
evento esportivo.
A
fala da adolescente reflete um sentimento coletivo. Sem grandes patrocinadores
e longe dos holofotes, os campeonatos amadores no interior da Amazônia talvez
sejam o exemplo mais eloquente da máxima que o futebol é uma paixão nacional.
Nas
franjas e recônditos do Brasil, do qual a Amazônia representa mais da metade do
território, é onde a paixão futebolística pulsa mais forte, em cada campinho de
várzea ou chão batido. Em lugares como a RDS Mamirauá, uma das maiores reservas
florestais do Brasil, onde está situada Porto Braga, sede desta edição das
Olimpíadas da Juventude da Floresta.
Enquanto
seleções femininas de futebol de todo o mundo se enfrentavam na Austrália e
Nova Zelândia, do outro lado do globo, as atenções dessa pequena comunidade
ribeirinha amazônica se voltaram para um só lugar: o gramado local, onde as
medalhas foram disputadas com a garra e emoção de uma final olímpica.
“Eu
sou acostumada a ser atacante, eu sempre jogo campeonatos. Mas fazer um gol nas
Olimpíadas tem um sentimento diferente, uma emoção”, diz a jovem Liliane Dias,
16 anos, que representou a comunidade Coadi e o polo (grupo de comunidades da
mesma região) “Gaviões da Floresta”.
“Eu
estou muito feliz, porque fiz um gol. Foi bom, eu sou do polo Ribeirinho e essa
foi uma oportunidade para jogar no time. Eu jogo na comunidade, mas essa
posição de atacante foi nova pra mim. Não esperava fazer o gol, me senti
alegre”, revela Maria Laíne de Oliveira, 13 anos.
Reconhecimento e valorização
Se
o futebol é um símbolo da nossa brasilidade, querido e apreciado por uma
maioria, quando olhamos para o futebol feminino, a realidade é muito menos
favorável e de luta contra preconceitos e estereótipos.
A
prática do esporte inclusive foi proibida para mulheres no país, durante um dos
governos de Getúlio Vargas, e assim permaneceu por mais de 40 anos, até o fim
da ditadura militar nos anos 1980. Hoje, por conta do machismo enraizado na
sociedade, o futebol feminino segue largamente desvalorizado no Brasil. As
ligas nacionais femininas ainda estão engatinhando, com pouco patrocínio e
salários baixos para as atletas, principalmente quando comparados aos dos times
masculinos.
No
Amazonas, o cenário é ainda mais precário em termos de investimento e
visibilidade. Com um campeonato estadual modesto e clubes cujo melhor
desempenho atual são participações na Série C do Campeonato Brasileiro, o
futebol amazonense oferece ainda menos espaço para atletas femininas.
Uma
exceção, no entanto, desafiou a regra e aponta um caminho de ruptura e
esperança: no Campeonato Brasileiro Feminino de 2017, a equipe do
Iranduba foi um fenômeno que arrebatou o país. Contrariando as expectativas, o
time dos arredores de Manaus venceu adversários de maior expressão, como
Corinthians e Santos, e foi semifinalista da competição daquele ano. Nos jogos
em casa, o “Hulk do Amazonas”, como foi carinhosamente apelidado pela torcida,
levou milhares de pessoas à Arena da Amazônia e mostrou que o esporte feminino
pode ser financeiramente viável e cativar multidões.
Um drible no preconceito
Se
ainda falta apoio e estrutura às mulheres no futebol, as Olimpíadas da
Juventude da Floresta mostram que quando há o incentivo e investimento
necessários, o talento dessas meninas pode ser visto e desenvolvido.
As
Olimpíadas fazem parte do projeto “Desenvolvimento Integral de Crianças e
Adolescentes Ribeirinhas da Amazônia” (Dicara), desenvolvido pela FAS com
financiamento da Unilever e colaboração de prefeituras, secretarias e
organizações comunitárias. O evento marca um dos pontos altos do projeto, que
promove ações educativas, culturais e de lazer para jovens que vivem em
interiores e áreas periféricas.
“O
principal objetivo do projeto é trazer questões de cidadania para essa
juventude. A Fundação traz esse olhar de esperança, olhar de respeito e de
oportunizar a eles um momento de desenvolverem a sua potencialidade, porque
existe talento. A partir do esporte nós mostramos a essas crianças e
adolescentes que elas têm o direito de sonhar”, explica Enoque Ventura,
supervisor de projetos no Programa de Educação para Sustentabilidade (PES) da
FAS.
Talento
de sobra foi o que se viu na final do campeonato feminino de 14 a 17 anos das
Olimpíadas. A partida entre os polos “Cabloco” e “Gaviões da Floresta”,
empatada em 2x2 no tempo regulamentar, foi decidida nos pênaltis. Por 6 x 5
gols, a equipe “Cabloco” levou o título para casa.
Felicidade
e motivação para Valdeane, atacante do time, que pensa e sonha com conquistas
maiores. “Eu acompanhei a Copa Feminina de Futebol, me inspirei muito nas
meninas. Elas representaram, só que não foi dessa vez. Meu foco é conquistar,
quero bastante participar de uma Copa pelo Brasil”, afirma.
Sobre o projeto
Criado
pela FAS em 2014, o projeto Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes
Ribeirinhas na Amazônia (Dicara) realiza ações socioeducativas, acompanhamento
familiar e capacitação de agentes de comunitário de saúde com foco no
fortalecimento da rede de proteção de crianças e adolescentes. A metodologia do
projeto segue os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Em
9 anos de atuação, o Dicara já contemplou 09 municípios e 12 Unidades de
Conservação na Amazônia. Somente em 2022, mais de 1.600 pessoas foram
beneficiadas com as atividades.
As
Olimpíadas da Juventude da Floresta em Porto Braga, através do Projeto Dicara,
contaram com o financiamento da Unilever e apoio do Governo do Estado do
Amazonas, Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Prefeitura Municipal de Uarini,
Secretarias Municipais de Educação, de Saúde e Cultura, Conselho Tutelar,
Guarda Civil, CMDCA e Associação de Moradores e Usuários da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Antônio Martins (AMURMAM).
Sobre a FAS
A
Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil sem
fins lucrativos que atua pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia por meio
de programas e projetos nas áreas de educação e cidadania, saúde,
empoderamento, pesquisa e inovação, conservação ambiental, infraestrutura
comunitária, empreendedorismo e geração de renda. A FAS tem como missão
contribuir para a conservação do bioma pela valorização da floresta em pé e de
sua biodiversidade e pela melhoria da qualidade de vida das populações da
Amazônia. Em 2023, a instituição completa 15 anos de atuação com números de
destaque, como o aumento de 202% na renda média de milhares famílias
beneficiadas e a queda de 40% no desmatamento em áreas atendidas entre 2008 e
2021.
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