Amigos da Terra - Amazônia Brasileira ajuizou nesta quarta-feira (5) Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal, pedindo a suspensão do leilão da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), marcado para o dia 10 de dezembro. Outra ação anterior do MPF já foi julgada favoravelmente por dois dos três juízes do TRF responsáveis pela decisão e pode, logo que for julgada, reverter de qualquer forma a validade do leilão, caso ele ocorresse.
A ação da entidade - uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) - está fundamentada no parecer com o qual o IBAMA, em novembro passado, justificou a concessão da Licença Prévia, assim como nos dados oficiais que comprovam uma explosão de desmatamento - desde a concessão de referida LP, em julho de 2007 - na área de influência do empreendimento. A ação do MPF questiona a retirada da linha de transmissão do processo de licenciamento.
O IBAMA concedeu a LP em 9 de julho deste ano, mas tornou pública a justificativa apenas em novembro. O parecer, assinado pelo atual diretor de licenciamento Messias Franco, comprova que as principais falhas apontadas pelo corpo técnico do órgão, em março deste ano (detalhes na nota 1, abaixo), nem sequer foram objeto de estudo sucessivo. Dessa forma, a nova diretoria do IBAMA - substitutiva daquela que, previamente, não havia concedido a licença - foi responsável, de acordo com os proponentes, por um ato viciado de ilegalide e improbidade administrativa. "Muitos acharam isso na hora da concessão, mas agora está comprovado e assumido pelo próprio órgão", comentou Roberto Smeraldi, diretor da OSCIP. "Parece que o IBAMA tentou protelar a divulgação da justificativa para viabilizar o leilão, impedindo que a LP fosse objeto de questionamentos, mas ainda há tempo para a justiça impedir esta burla".
A Ação Civil Pública também é justificada pelo fato que - na contratendência do que havia ocorrido até o mês de junho - a partir de julho, quando foi concedida a LP, o desmatamento explodiu na área de influência da obra, e principalmente nos municípios que não foram objeto dos estudos ambientais, limitados apenas a Porto Velho. Dados oficiais do sistema Deter do INPE apontam um aumento de mais de 600% na bacia do rio Madeira em Rondônia, entre julho e setembro, conforme já noticiado pela imprensa nacional. Atos oficiais como a concessão da LP e o leilão sinalizam aos protagonistas de atividades ilegais, como a grilagem de terra, que este é o momento para especular, sem que haja qualquer medida preventiva. "Trata-se de um impacto irreversível, que pode ser mitigado daqui para frente se a justiça impuser a realização de estudos sérios em toda a área de influência", comentou Smeraldi.
O parecer do corpo técnico do Ibama, de março de 2007, negava a concessão da licença prévia alegando inúmeras falhas nos estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) realizados pelo consórcio Furnas/Odebrecht e determinava que fossem realizados novos estudos. Falhas semelhantes já haviam sido apontadas por estudos independentes encomendados pelo Ministério Público de Rondônia a mais de vinte especialistas de notório saber, e pagos pelo consórcio Furnas/Odebrecht, no final de 2006 (ver referência na nota 2, abaixo).
Mas a diretoria do IBAMA foi substituída e a nova diretoria ignorou o parecer de seu corpo técnico, encomendando apenas alguns estudos parciais para consultores externos, principalmente do Ministério de Minas e Energia. A licença prévia saiu algumas semanas depois. "É um escândalo que interesses políticos e comerciais tenham subvertido dessa forma o processo de licenciamento. Se esta obra for realmente importante para o país, ela deveria ser feita dentro da lei, conhecendo os impactos reais, que inclusive vão determinar seus custos", comenta Gustavo Pimentel, de Amigos da Terra.
Uma ação do Ministério Público Federal, ajuizada em março deste ano, já questiona toda a condução do processo de licenciamento e pede a anulação de qualquer licença emitida nessas bases. Dois desembargadores do Tribunal Regional Federal, em Brasília, já manifestaram seu voto a favor da ação. O terceiro e último desembargador pediu vistas, de forma que a decisão não foi ainda formalizada.
Nesta terça-feira (4), mais de 250 lideranças indígenas da Amazônia protocolaram junto à Presidência da República um pedido de suspensão do leilão da UHE Santo Antônio. Os índios alegam que não foram ouvidos no processo de licenciamento, apesar dos estudos reconhecerem impactos indiretos em vários territórios indígenas, inclusive de índios que vivem em isolamento.
Com a proximidade do leilão, a sociedade civil acelera as ações de contestação. O Movimento dos Atingidos por Barragens promete manifestações em Porto Velho no dia do leilão. As entidades Núcleo Amigos da Terra Brasil e International Rivers lançaram uma campanha virtual, onde internautas podem enviar um email ao Presidente Lula demandando o não barramento do Rio Madeira (ver nota 3).
Notas:
Nota 1
Parecer dos técnicos do Ibama, março de 2007
"Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfonteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia."
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)