Sábado, 11 de outubro de 2008 - 15h56
Sued Pinheiro e A. R. Ferreira *
ESFORÇO DESORDENADO - O Governo Federal ao querer impor de qualquer forma uma solução pode acabar por atrasar o início das obras da usina de Jirau.
“As usinas do Madeira são inequívocos sinais de progresso”
Em Rondônia as hidroelétricas, apesar de ONGs e grupos radicais ambientais organizarem protestos inúteis, a construção do Complexo do Madeira, representado pelas usinas projetadas Santo Antônio e Jirau, são vistas como um inequívoco sinal de prosperidade e de novos tempos que são visíveis em obras que se espalham por Porto Velho, que deixará de ser uma cidade de porte médio para ser uma cidade de grande porte, na previsão de que o volume de recursos circulante na cidade, no mínimo, há de dobrar e que, num espaço de cinco anos, serão criados 35 mil empregos e se acrescentará a cidade 100 mil pessoas. Se não é verdade o “boom” da construção, o caos do trânsito e a esperança de novas indústrias e polpudos pagamentos para fornecedores de equipamentos pesados e materiais especiais alimentam os sonhos de progresso e de um fluxo notável de dinheiro para os negócios locais. Como em outros investimentos semelhantes, mas, não tão vitais nem de tamanho tão grande (é o 2° maior investimento do mundo), há a certeza de que com o início das usinas uma grande massa salarial vai alimentar o comércio aumentando tudo, sejam hotéis, restaurantes, farmácias, botecos, prostíbulos, lotéricas e diversos outros tipos de negócio. Ninguém, hoje, duvida que já se vive um clima de aceleração do tempo com a espera angustiada pela instalação dos acampamentos de Santo Antônio, cuja a instalação já começou e de Jirau, uma hidroelétrica que, agora, o governo federal diante dos problemas energéticos tenta viabilizar de qualquer forma inclusive atropelando a legislação e colocando em risco inclusive o nome da candidata apontada pelo governo para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, com mão de ferro, pretende de qualquer forma acelerar a construção da usina mesmo quando há evidentes problemas no leilão e, em especial, na alteração do projeto original.
Hidroelétricas e meio ambiente
“Quando se mexe com a natureza é preciso estudar, pois, existem efeitos imprevisíveis”
O homem sempre quis dominar a natureza e exerce sua humanidade ao transformá-la cada vez mais. Ao humanizá-la. Quanto mais modificou a natureza o homem mais se impôs. Neste sentido as usinas hidrelétricas são objetos construídos, com dimensões bem acima de outras edificações existentes, equipadas com máquinas e sistemas sofisticados e caros, para produzir eletricidade usando a energia dos rios que comprovam o domínio do homem sobre a natureza. No entanto, apesar de toda sua técnica, os resultados deste domínio somente são previsíveis até certo ponto. A Amazônia, e até mesmo o lago de Samuel, em Rondônia, comprovam que, por mais conhecimento que exista, quando se mexe com a natureza há efeitos que são imprevisíveis, afora os sócio-econômicos. Antes não existia no país preocupações com a ação humana e seus efeitos. A partir da década de 80, em especial com a nova Constituição que dedicou atenção ao meio ambiente, isto mudou completamente. Daí que, para minimizar os efeitos das alterações humanas sobre o meio ambiente passou a serem exigidos estudos de impactos ambientais denominados de Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental-EIA/Rima e um processo de licenciamento para prever e minimizar ou mitigar seus efeitos o que, naturalmente, compreende grandes projetos hidroelétricos pelas alterações que provocam no meio ambiente. Como, no passado, os grandes projetos foram feitos “de cima para baixo”, na época do regime militar, nos novos tempos a preocupação com os efeitos locais passou a ser uma constante e o processo de licenciamento de qualquer projeto maior passou a ser objeto de severos entraves nem sempre justificados. Em geral, pela experiência do passado, houve toda uma movimentação no sentido do obstruir ainda que de forma irracional o aproveitamento de quedas d’águas na Amazônia que, justamente, possui mais de 50% do potencial de aproveitamento hidroelétrico existente no país. Com o governo petista, e a ascensão da atual senadora Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente os grandes projetos da Amazônia ficaram praticamente na geladeira. A aprovação de qualquer projeto que envolvesse maiores questionamentos ambientais tornou-se uma verdadeira “via crucis”. Até mesmo usinas como as de Santo Antônio e de Jirau, consideradas indispensáveis para evitar déficits energéticos no país, foram proteladas. Nem mesmo o risco de racionamento ou de “apagão” sensibilizavam as autoridades ambientais que se escorou sempre numa ação da diplomacia internacional e na pressão de de ONGs de vários países e uma Comissão Mundial sobre as Barragens, aWorld Comission on Dams (WCD), com patrocínio da ONU, que aglutina muitas informações em vários países sobre os problemas de obras hidroelétricas e meio ambiente. Somente com o agravamento da questão energética o governos se viu forçado a rever as diretrizes de sua política ambiental.
Estudos e inventário das usinas
“Estudos levaram em conta menor impacto ambiental e redução das áreas de reservatório”
O complexo das hidrelétricas do Madeira é uma obra estratégica para o país. Extravassa em muito os limites de Porto Velho e de Rondônia na medida em que é fundamental para equilibrar a matriz energética nacional e é um empreendimento com grande potencial de transformação regional seja em termos de conexão territorial e logística seja pelo ponto de vista ambiental estar situado numa posição singular que abrange ecossistemas aquáticos e ecotonais, com elevada biodiversidade e comunidades tradicionais e indígenas inserindo-se ainda na área de influência do Corredor Ecológico Guaporé/Itenez-Mamoré composto pelas bacias hidrográficas do rio Guaporé e Madeira.
Neste sentido a sustentabilidade ambiental, a geração de energia e a integração regional constituíram as bases para a realização dos estudos de viabilidade. O processo, aliás, havia sido iniciado, em 1971, com o Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia (ENERAM), ligado à Eletrobrás/Ministério de Minas e Energia-MME, que definiu a partição das quedas do Madeira com duas usinas Santo Antônio e Jirau.
Foram, em 2001, Furnas e a Construtora Odebrecht, que obtiveram o registro ativo concedido pela ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica, que promoveram, por meio da EPE-Empresa de Pesquisa Energética, o Inventário, no trecho Porto Velho, Abunã, de novembro de 2002, que confirmou a partição das quedas com Santo Antônio tendo na máximo normal-70,00 m e Jirau, na máximo normal-90,00 m, e, posteriormente, os estudos de viabilidade inicialmente no trecho de 260 km localizado entre Vila de Abunã, na divisa com a Bolívia, e a Cachoeira de Santo Antônio, nas proximidades de Porto Velho utilizando os critérios de menor impacto ambiental, redução das áreas do reservatório, não interferência na Bolívia e garantia de navegação.
Definição das usinas
“Risco geológico é maior na Cachoeira do Inferno do que em Jirau”
É preciso notar que já na fase inicial dos estudos do inventário se obteve a indicação de um menor risco geológico em Jirau do que na Cachoeira do Inferno por causa da presença de afloramentos rochosos e da menor extensão da obra de barramento em Jirau. De fato os estudos e as propostas se sucederam, ponderando as diversas condições locacionais, os aspectos hidrológicos, geológicos e de relevo que culminaram pela proposição das AHEs Jirau e Santo Antônio: o primeiro, na Cachoeira de Jirau, no rio Madeira, a cerca de 136 km a montante de Porto Velho; e o segundo a jusante do AHE Jirau, bem próximo, 10 km de Porto Velho, na Cachoeira de Santo Antônio, colado à capital do Estado de Rondônia.
As condições das áreas e a forma de produção da energia suscitaram alternativas de concepções diferenciadas, todavia, depois de muitos estudos, se optou pela alternativa tecnológica das turbinas do tipo “bulbo”, uma inovação cuja solução, em função dos barramentos, reduzem significativamente a extensão das áreas inundadas. Nas duas UHEs são destacados os seus fatores de capacidade, da ordem de 0,66 e 0,58 no AHE Jirau (para aproveitamento ótimo e para a operação com NA variável e de 0,68 no AHE Santo Antônio, ambos superiores aos da média das usinas brasileiras.
Efetivamente o processo de elaboração e discussão dos impactos ambientais das usinas não se limitaram à preparação do EIA/RIMA, que se iniciou com os inventários e os estudos de viabilidade, de vez que requereu também o envolvimento do IBAMA, responsável pelo licenciamento ambiental, nos termos da legislação vigente o que se deu, de acordo com as resoluções do CONAMA 01/86 e 237/97, via o Termo de Referência das usinas, aprovado em setembro de 2004, depois de vários eventos, inspeções nos locais e reuniões de discussões com a sociedade e com setores da comunidade científica para consubstanciar o documento e, consequentemente, estabelecer as demandas para analise ambiental, um processo que somente foi concluído em janeiro de 2005.
Um processo de longos estudos
Estas demandas levaram em consideração desde os aspectos fronteiriços e regionais, como as implicações sobre o Bioma Amazônico e a bacia do Madeira até à própria inserção das usinas no “arco do povoamento adensado” (área do nordeste/sudeste da Amazônia e o Estado do Mato Grosso) com seus reflexos sobre as dimensões sociais, políticas, econômicas e ambientais nas áreas passíveis de serem afetadas. Assim o EIA/RIMA elaborado pela empresa Leme Engenharia Ltda. para a parceria Furnas/Odebrecht, se constituiu num longo processo com mais estudos sendo realizados de 2003 até 2005.
Depois de entregue os resultados ao Ibama sua análise resultou num pedido de “Complementação e Adequação dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental- EIA/RIMA dos AHEs Santo Antônio e Jirau, localizados no rio Madeira no Estado de Rondônia” isto já em fevereiro de 2006. Somente em agosto de 2006 o Ibama, por fim, aceitou os esclarecimentos e de posse das complementações, em setembro de 2006, deu seqüência ao processo de licenciamento ambiental para realizar sua fase final as audiências públicas. Em suma, foi um processo de cerca de 06 anos entre estudos e aprovação.
Principais Informações
Técnicas dos Empreendimentos
O leilão da usina de Santo Antônio
Depois de todas as peripécias que envolveram as audiências públicas e o licenciamento das usinas, por fim, no dia 10 de dezembro de 2007, numa segunda-feira, o consórcio Madeira Energia, formado por Odebrecht (17,6%), Furnas Centrais Elétricas (39%), Construtora Norberto Odebrecht (1%), Andrade Gutierrez (12,4%), Cemig (10%) e um fundo de investimentos formado por Banif e Santander (20%), venceu o leilão da usina de Santo Antonio, a primeira usina do rio Madeira.
E venceu com um custo em apenas sete minutos, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e contrariando as expectativas do governo, o leilão teve um deságio de 35%, com preço da tarifa de R$ 78,90/MWh. Três consórcios estavam na disputa, cujos lances jogaram o valor bem abaixo dos R$ 122/MWh definidos como teto. O preço final para as distribuidoras, porém, será de R$ 78,87, já que o consórcio vendeu para o mercado livre 30% da energia total a ser produzida pela usina -o máximo estabelecido. O mercado livre é formado por grande consumidores, como indústrias, shoppings, supermercados, etc. Os outros consórcios eram o Ceisa, formado pela Camargo Corrêa (0,9%), Chesf (49%), a CPFL Energia (25,05%) e a espanhola Endesa (25,05%)-- e CESB --formado por Suez (51%) e Eletrobrás (49%).
A vitória do consórcio integrado por Furnas e Odebrecht não foi nenhuma surpresa. A dupla era considerada favorita entre as concorrentes por estar estudando o projeto há bastante tempo, com a realização de uma série de estudos de viabilidade técnica e ambiental. Na ocasião o governo calculou que a construção da usina custará R$ 9,5 bilhões. Inicialmente, a previsão era de que os custos seriam de R$ 12,5 bilhões, o que elevaria o preço da tarifa cobrada pela energia para R$ 170/MWh. O complexo do rio Madeira é considerado prioritário pelo governo e foi incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). As usinas são tidas como as únicas capazes de reduzir o risco de racionamento a partir de 2011 ou até mesmo impedir o desabastecimento. A primeira usina do sistema, a de Santo Antônio, terá capacidade para gerar 3.150 MW. A hidrelétrica começará a gerar energia em 2012, mas a última das 44 turbinas que serão instaladas só entrará em operação em 2016.
O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis) concedeu licença prévia para as hidrelétricas do rio Madeira em julho, porém, estabeleceu 33 condicionantes ao empreendedor para que o processo seja finalizado, como a criação de programas para acompanhamento da sedimentação, medição periódica da concentração de mercúrio e acompanhamento do período de reprodução dos peixes. A licença prévia permitiu que a usina fosse a leilão. Para entrar em funcionamento ainda são necessárias a licença de instalação, que libera as obras, e a licença de operação, que permite o início dos trabalhos. Com a usina de Santo Antônio tudo correu conforme se esperava.
A surpresa do leilão de Jirau
“Um milagre: preços mais baixos para uma usina mais complexa”
O leilão de Jirau foi realizado no dia 19 de maio deste ano. E se esperava que o consórcio entre Furnas e Odebrecht também fosse o vencedor. Havia razões sólidas para isto, posto que os dois que participaram como componentes do Consórcio Jirau Energia foram responsáveis pela elaboração dos estudos técnicos da usina e; b) as mesmas empresas já haviam adquirido o outro empreendimento do complexo do Rio Madeira (a usina de Santo Antônio), posição que poderia propiciar ganho de escala na construção e compra de equipamentos.
Porém, o resultado do leilão da usina de Jirau, do complexo do Rio Madeira, surpreendeu todo mundo, seja o mercado, sejam os analistas, tanto pelo consórcio vencedor quanto pela tarifa ofertada. Quem arrematou os direitos de exploração de Jirau foi arrematado pelo Consórcio Energia Sustentável do Brasil (CESB) com um lance de R$ 71,40/MWh, uma redução de 21,54% em relação ao preço-teto inicial de R$ 91/MWh. O segundo competidor, o Consórcio Jirau Energia ofertou R$ 85,02. As surpresas não parariam por aí na medida em que o leilão foi encerrado durante sua primeira fase, uma vez que foi satisfeita a condição de diferença superior a 5% entre os lances dos dois competidores. Mas, a grande surpresa mesmo foi o preço de R$ 71,40 MWh. A expectativa era que o valor do lance vencedor para Jirau fosse maior que o resultado do leilão da usina de Santo Antônio (R$ 78/MWh), tendo em vista que:
• Jirau tem uma maior complexidade logística por ser distante 130km de Porto Velho, enquanto Santo Antônio está bem próximo;
• Jirau possui menor porte e nível de utilização - 1.975 MW médios e fator de capacidade de 58%. Santo Antônio tem 2.218 MW médios e fator de capacidade
de 68%.
• O preço de Jirau inclui a construção de uma linha de transmissão de
cerca de 130 quilômetros para conexão à rede básica.
Imediatamente o resultado gerou um enorme espanto entre os analistas e a imprensa não apenas pela preço abaixo da expectativa como também pela divulgação de que haveria uma economia de R$ 1 bilhão (12% do investimento total previsto pelo governo) e à expectativa da usina entrar em operação antes da data prevista (março de 2012 ao invés de janeiro de 2013), o que possibilitará a venda temporária de 100% da energia no ACL a um valor superior ao vendido no ACR.
Este resultado, entretanto, tornou ainda mais crítico o cumprimento dos prazos de licenciamento ambiental para que as obras possam ser realizadas no tempo previsto pelos empreendedores tornando necessário também que a estimativa inicial de investimentos seja mantida ao longo do projeto. Na usina de Santo Antônio a última revisão já prevê investimentos 28% superiores aos inicialmente projetados pelo governo
Um gol de mão do Consórcio Suez
Por mais que se pudesse atribuir os preços abaixo da expectativa do mercado se devem a fatores específicos, como incentivos fiscais para a região amazônica; financiamento diferenciado pelo BNDES ou compensações na venda de energia, não existem milagres que pudessem explicar uma redução tão significativa no custo de um projeto no qual, aliás, quem estudou mais a região e as alternativas foram os componentes de Consórcio Jirau Energia.
Logo ficou claro que a diferença no custo do investimento e no da energia gerada se explicava por um fator completamente diferente: a alteração do projeto original. Antes, Jirau ficaria a cerca de 100 quilômetros de Santo Antônio, porém, com a alteração, ficaria a 90 quilômetros, o que afetaria o reservatório e a força da água. Logo o Ibama deixou aberta a possibilidade de rever todo o licenciamento ambiental de Jirau devido à mudança tendo em vista que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) ofertou uma licença, e os vencedores entregaram outra, o que é ilegal. É tudo o que ONGs e Ministério Público querem para embargar a obra, mas, o governo preocupado com a briga deu a bênção política para o consórcio vencedor impedindo Furnas de ir à Justiça e com o argumento de que o impacto do projeto vitorioso é menor que o do anterior, o que facilitaria a licença ambiental. Nenhuma autoridade do setor quis se manifestar, mas fontes internas garantiram que o resultado não seria contestado por ser “a vontade do governo”, no caso, não explicitamente informado, porém, informalmente ventilado que se tratava de uma decisão da ministra Dilma Roussef. E adiaram o problema, empurrando com a barriga, para aguardar a entrega formal do novo projeto de Jirau para avaliá-lo tecnicamente — o que, pelas regras do leilão, pode ocorrer apenas após a assinatura do contrato de concessão.Outro indício do apoio governamental foi observado pelos analistas tendo em vista o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ter previsto na véspera um deságio muito acima do mercado. Diante da polêmica, o consórcio vencedor disse apenas que ia submeter, como o fez,“as modificações à Aneel e ao Ibama, e que elas não aumentam o impacto ambiental e social” do projeto. É claro que, num primeiro momento, a Odebrecht chiou feio, mas, diante da pressão das autoridades, que temendo atrasos nos cronogramas políticos e de desenvolvimento, tentaram acalmar à força os ânimos acabaram, depois de várias reuniões, por não recorrer, até agora, à justiça. Inclusive pela entrada em cena da ministra Dilma Roussef (Casa Civil) que ameaçou ser o governo capaz de assumir o empreendimento, caso ele seja disputado na Justiça. O presidente Lula e o ministro Edson Lobão (Minas e Energia) engrossaram o coro por “usina já”, embora, desconsiderando um fator vital que é o de que com os problemas existentes e a abertura para ações judiciais de outros interessados decisões judiciais podem ser tomadas que tornem a construção de Jirau um processo imprevisível. Esta possibilidade, invés de despertar no governo a necessidade de rever suas posições, tem estimulado declarações completamente fora da legalidade “republicana” e constitucional.
Um completo desrespeito as normas legais
“Acatar as mudanças em Jirau é desmoralizar o sistema de licenciamento”
A ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, no calor do processo, fez uma advertência aos dois consórcios que disputavam a construção da usina de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia de que o governo poderia retomar as obras. Diante da ameaça construtora Odebrecht, líder do consórcio vencedor do leilão da usina de Santo Antônio, também no Rio Madeira, recolheu sua pretensão de questionar na Justiça a mudança do local de construção da barragem proposta pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus). É claro que não interessa ao governo estatizar a obra de Jirau e a ameaça foi para viabilizar um acordo. Tanto que a ministra disse que "ninguém deve pensar que o governo vai ficar sentado olhando" e defendeu a solução adotada com as seguintes palavras "O brilho do leilão, o brilho da disputa" reside no fato das empresas irem buscar sempre "o melhor preço, a melhor solução" e avaliou que a solução como a melhor porque gerava a possibilidade das duas usinas do rio Madeira começarem a gerar energia já a partir de 2011.
A ministra, porém, como o governo, desconsidera que o leilão obedece a determinadas regras legais como a Lei n° 9.074, de 07 de julho de 1995, que estabelece as normas para a outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências que determina no seu Artigo 5° nos Parágrafos 2° e 3°:
§ 2°. Nenhum aproveitamento hidrelétrico poderá ser licitado sem a definição de “aproveitamento ótimo” pelo poder concedente, podendo ser atribuída ao licitante vencedor a responsabilidade pelo desenvolvimento dos projetos básicos e executivo.
§ 3°. Considera-se “aproveitamento ótimo” todo potencial definido em sua concepção global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis d’água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para a divisão de quedas de uma bacia hidrográfica.
É evidente, diante do exposto, que o projeto da Suez contrário esta legislação na medida em que:
1) Em relação ao Barramento: O eixo foi deslocado 12,5 km para jusante;
2) Níveis D’ Água Operativos: Houve a adequação da regra operativa para manutenção do regime natural do rio Madeira-Abunã (BO) com a redução do NA máximo normal de 90,00 para 89,60; e
3) Um aumento da área do reservatório.
Este desprezo total pela legislação e pelo edital importou em que um dos mais reconhecidos economistas e especialistas econômicos de Rondônia e da Amazônia, o Doutor em Desenvolvimento Sócio-Ambiental, Silvio Persivo, escrevesse, em artigo intitulado “A Hidrelétrica de Jirau e seus Impactos no Estado de Rondônia”, publicado na Revista T& C Amazônia da Fucapi, Ano VI, Número 14, de junho de 2008, na página 5 que:
“Em geral os documentos que deveriam ser considerados como um balanço entre a realidade anterior e posterior da obra só parcialmente são capazes de fazer um balanço real e servem mais para legitimar a proposta dos empreendedores que contratam os serviços técnicos relatados no EIA/RIMA. Isto é tanto mais verdade quanto menor a capacidade de mobilização e reivindicação local. Em Jirau isto ficou visível no momento em que o consórcio que venceu a licitação modificou o local na concorrência em desacordo com o EIA/RIMA”.
O que se verifica é que não apenas o leilão ficou legalmente fragilizado, mas se coloca em xeque a própria capacidade do sistema de licenciamento por seu completo desrespeito.
Tentativa de resolução à fórceps
O que fica claro é que se o governo acreditava que a disputa pela hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, estava pacificada e o assunto encerrado com o afastamento de uma possível disputa judicial pelo consórcio Jirau errou no seu julgamento. A questão é que, da forma como o Consórcio Suez ganhou, a menos que retorne ao projeto original, abriu um espaço imenso para o contencioso por outros interessados.
A maior prova veio do Ministério Público de Rondônia, que entrou com uma ação pedindo a anulação do leilão, a negativa à licença de instalação do empreendimento e a abertura de um novo processo de licenciamento. Segundo o procurador da República Heitor Alves Soares, que patrocinou uma ação junto com a promotora Aidee Torquato Luiz, do Ministério Público Estadual, “É inviável, sem um novo EIA/Rima, construir uma obra de grandes proporções em um local que não foi cogitado nem como alternativa de localização, aproveitando-se de uma licença prévia já concedida”. Os representantes do Ministério Público sustentam, com fundadas razões, que a proposta fere a legislação enfatizando que a relevância do fundamento situa-se “No descumprimento das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), dos dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Licitações, que estão sendo sistematicamente violados pela pretensão do réu Enersus”, argumentam os autores da ação, que é contra a Enersus, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Também insistem em que “A localização física do empreendimento é de fundamental importância para o processo de licenciamento ambiental, não podendo ser alterada sem novo EIA/Rima e a respectiva análise técnica, que poderá concluir pela inviabilidade ambiental na nova localização”.
A base da contestação está em que como o estudo e o relatório de impacto ambiental precedem o licenciamento, não é possível uma alteração na localização do projeto sem um prévio estudo dos impactos. Para os autores da ação, a exata localização do projeto é vital para definir aspectos como a área de influência das usinas e as medidas mitigadoras e compensatórias. Assim sustentam que “Sob o pretexto de suposto menor impacto ambiental e redução de custos, não é lícito alterar a localização de um barramento sem que haja deliberação prévia do Ibama a respeito da viabilidade ambiental, sob pena de violação ao princípio da prevenção”.
Afora a questão ambiental, Soares e Aidee consideram que "não houve igualdade de competição" porque o consórcio derrotado, o Jirau Energia, liderado por Furnas e Odebrecht, efetuou sua proposta baseada no custo original do empreendimento desconhecendo a intenção do Enersus em modificar o projeto original. "Pretende-se alterar o objeto do leilão arrematado pelo consórcio Enersus, que, em uma manobra maliciosa, obteve vitória, considerando a proposta original do projeto, mas ofertando um preço relativo ao empreendimento na sua nova localização, em clara ofensa a lei de licitações."E lembram que a Aneel já negou um pedido semelhante de mudança no eixo original de uma usina, no caso a hidrelétrica Murta, no Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais. Mesmo assim o governo insiste em seguir, de qualquer forma, nesta aventura que tende a retardar a construção da hidroelétrica de Jirau, inclusive porque já está em andamento o início de outras ações de entidades ambientalistas que tendem a paralisar a obra.
Dúvidas e questionamentos
“Faltam estudos para embasar a nova solução apresentada”
Para grande parte das lideranças do Estado de Rondônia consultadas o fato de dois consórcios serem responsáveis pelas obras é visto com bons olhos. No entanto, quando se fala nas alterações do projeto original há um consenso sobre o fato de que o processo, da forma como foi realizado, além de mal feito pode ter conseqüências imprevisíveis. Há, consolidado, o sentimento de que o governo federal quer acelerar o processo da usina de Jirau “a fórceps” tanto que a assinatura do contrato em tempo recorde é visto como um sintoma desta tentativa de por uma pedra sobre o assunto e caminhar de qualquer forma. No entanto, pesa sobre a questão a divergência antes posta na mesa pelo Consórcio Jirau de que, ao contrário da versão mais divulgada tanto para Santo Antônio como para Jirau os projetos originais são mais competitivos dentro do objeto e das especificações do edital.
São argumentos importantes para concordar com isto, quando se debruça sobre a questão, o fato de que a localização do eixo Cachoeira do Inferno 12,5 km a jusante promove um aumento da perda de carga e a elevação do nível do reservatório e também o fato de que estudos dos remansos preliminares para o reservatório da Cachoeira do Inferno indicam a necessidade da modificação da curva guia do reservatório para que seja preservada a curva chave natural do Abunã o que eleva o período de operação com NA abaixo a EI. 90,00 m, que no eixo de Jirau é de 8 meses para até 10 meses, bem como a sobre elevação do nível de água em Abunã devido ao novo reservatótio pode atingir até 65 cm.
Em suma, a mudança produz diversos questionamentos que ninguém até agora rspondeu até porque não houve, ao que se sabe, por parte da Enersus outras soluções de engenharia que contemplassem as exigência ambientais e comparasse volumes de serviços e riscos de implantação. Até agora a solução apresentada nos estudos de viabilidade realizadas pela EPE para Furnas e Odebrecht aparecem como a solução com maior nível de segurança e otimização na opinião de especialistas consultados. Também alguns contestam o argumento da economia de R$ 1 bilhão decorrentes de menores volumes de escavação afirmando que isto não resiste a uma análise na medida em que há evidências de que os volumes totais de escavação e de aterros na Cachoeira do Inferno são superiores à solução otimizada de Jirau por causa da recuperação de áreas mortas e, principalmente, por afirmarem que faltam estudos geotécnicos, topográficos e batimétricos que possam embasar a nova solução.
Obras já começaram na usina de Santo Antônio/ZéCarlos |
A atualidade do tema e
interferência em Santo Antônio
“Atitude impositiva pode resultar no ‘apagão’ energético”
Nesta semana o governador Ivo Cassol visitou o início das obras da Usina de Santo Antônio a convite do diretor de contrato do Consórcio, José Bonifácio Pinto Júnior, na margem direita do Madeira onde estão sendo feitas as escavações iniciais na antiga Ilha do Presídio para a instalação do vertedouro e da casa de força. Por outro lado, nos jornais locais foi estampado um anúncio, também amplamente divulgado por outros meios, onde o Consórcio Energia Sustentável do Brasil convida a população para uma reunião pública sobre a nova configuração da construção da usina de Jirau no Salão Nautilus no Hotel Aquarius.
Não por acaso também, entre os dias 16 e 18 de setembro, com o lema “Não entregaremos o rio Madeira. Não passarão sobre os nossos povos.” os participantes do Seminário-Acampamento contra a Privatização do Rio Madeira e pela Soberania da Amazônia, em Porto Velho (RO), tentou retomar uma questão já superada que é a de tentar impedir a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. No atual contexto, em que as licenças de instalação já foram concedidas e as obras deveriam estar sendo iniciadas é a alteração do projeto original e o desrespeito as regras que abre espaço para a retomada de ações contra o Complexo do Madeira.
A razão de ser esta em que, mesmo com o início de Santo Antônio, as alterações no projeto de Jirau interfere diretamente no futuro da obra por que altera as especificações que eram:
• A Licença Prévia de Santo Antônio e Jirau especifica as áreas dos reservatórios em 271 km2 e 258 km2 respectivamente;
• O esboço do Consórcio Suez aumenta a área de reservatório de 27 km2 no mínimo por causa de pontos de fuga na cota 90;
• O aumento de área inundada ocorre em região de mata nativa na margem esquerda;
• O esboço do Consórcio Suez está dentro da área de outro concessionário o que provoca riscos jurídicos;
• O risco de judicialização já foi iniciado com o MP e sinalizado pelas ONGs com possível repercussão em Santo Antônio;
• Há ainda o risco do processo de negociação com o concessionário da UHE Santo Antônio para mudar o contrato de concessão que pode levar a questões jurídicas prolongadas.
Por todas estas razões e outras de projetos e engenharia que abordaremos em outra matéria, certamente, a tentativa de, contra toda a lógica, impor uma mudança que contraria aspectos técnicos e legais pode acabar por atrasar as obras e redundar no que ninguém deseja que é caminharmos para um novo “apagão” elétrico por falta de produção de energia que pode ser obtida se houver bom-senso e um retorno ao seio da legalidade. Afinal por mais aprovação que tenha um governo ou dirigente não pode impor sua vontade ignorando as regras dos processos legais e democráticos.
* Sued Pinheiro (diretor-executivo),
e A. R. Ferreira (redator) do jornal ALTO MADEIRA
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