Segunda-feira, 10 de setembro de 2007 - 18h12
Documento lançado nesta segunda-feira (10) por organizações da sociedade civil expõe os impactos sociais e ambientais do projeto, além dos ricos financeiros que ele representa
Fernanda Campagnucci
"O segundo maior rio da Amazônia está ameaçado", alertam organizações não-governamentais em campanha lançada hoje. O documento, direcionado a parlamentares, instituições financeiras e à sociedade civil, critica a decisão do governo brasileiro de levar a cabo um projeto de grandes impactos sociais e ambientais para a Amazônia.
"Queremos dar visibilidade pública a esse novo ciclo de exploração que o Complexo do Rio Madeira representa. Fazia muito tempo que não se tomava uma decisão com impactos dessa magnitude na região", destaca a coordenadora do Núcleo Amigos da Terra, Lúcia Ortiz, que editou o documento.
O projeto do Complexo Hidroelétrico e Hidroviário do Rio Madeira faz parte da Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Sul-americana (IIRSA), financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Além das duas usinas de Jirau e Santo Antônio, que juntas somariam 6.450 MW de potência instalada, está prevista a construção de uma terceira hidrelétrica no trecho entre Abunã, no Brasil, e Guayaramerín, na Bolívia; e, provavelmente, de uma quarta hidrelétrica na Cachoeira Esperanza, localizada no rio Beni, 30 km acima da sua confluência com o rio Mamoré, no estado de Pando, na Bolívia.
A conclusão deste complexo de barragens, com eclusas, viabiliza a operação de uma hidrovia industrial, com extensão de 4.200 quilômetros, para o escoamento de mercadorias, como soja, madeira e minerais a partir dos portos do Atlântico e do Pacífico.
Além da hidrovia, outros projetos de infra-estrutura de transporte foram planejados, como a pavimentação da Rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), no Brasil; o Corredor Norte, na Bolívia; e a Rodovia Interoceânica, no Brasil e Peru.
"A expansão da soja é uma das principais conseqüências desses projetos de infra-estrutura, o que pode levar à conversão de ecossistemas amazônicos pela expansão da fronteira agrícola sobre florestas, campos e savanas", diz o texto.
Impactos sociais
Além do provável avanço do desmatamento, as entidades ressaltam outros impactos que devem ser levados em consideração pelo governo e financiadores. De acordo com estudo da Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI), há uma real ameaça de extinção ou redução da diversidade de peixes. A pesca é a principal fonte de renda de famílias carentes da região e uma atividade econômica essencial para Porto Velho (RO). Dados da Federação dos Pescadores de Rondônia indicam que a capital consome diariamente de cinco a seis toneladas de pescado por dia e a construção das barragens afetaria diretamente dois mil e quatrocentos pescadores.
Mais de cinco mil pessoas seriam desalojadas, apesar de o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) alegar que serão apenas cerca de 3 mil. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lembra que o número de pessoas afetadas é sempre subestimado, por causa das situações não regularizadas de posse de terra na região. "E os posseiros, que também são numerosos lá? Esses não são considerados gente", diz Josivaldo Oliveira, integrante do movimento, .
O documento ressalta ainda o impacto da migração de milhares de trabalhadores que já chegam à capital Porto Velho em busca de trabalho na construção sobre grupos indígenas, como os povos Karitiana, Karipuna, Oro Ari, Oro Bom, Cassupá, Salamãi e Uru-eu-Wau-Wau: "O EIA dos empreendimentos não considera ainda os impactos indiretos sobre os povos pouco conhecidos e sem contato como Katawixi no rio Jacareúba e Mucuin, isolados do Karipuninha, do alto Rio Candeias, do Rio Formoso, da gleba Jacundá e os Kaxarari, estes inclusive com terra demarcada".
Viabilidade duvidosa
Há questionamentos sobre a própria viabilidade do empreendimento. Estudos independentes solicitados pelo Ministério Público Estadual de Rondônia e citados no documento da campanha apresentam dúvidas quanto às análises elaboradas pelo consórcio Furnas e Odebrecht sobre o fluxo de sedimentos.
A carga sedimentar, mal avaliada, pode por em risco a vida útil das usinas e a eficiência energética do empreendimento, como aponta Philip Fearnside, doutor em Ciências Biológicas e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa): "os dados apresentados no EIA são insuficientes para garantir que o imenso volume de sedimentos do rio Madeira não vai se acumular a ponto de impedir a passagem de água para as turbinas".
A campanha alerta aos possíveis investidores para os riscos financeiros que o projeto de construção das usinas representa: "A fragilidade do processo de licenciamento ambiental pode provocar diversas ações legais e levar à interrupção da construção das barragens, antes mesmo do início das obras - o que seria desastroso para investidores e financiadores".
Apesar de essencial para o funcionamento do Complexo, o licenciamento dos 2450 km da linha de transmissão que vai levar a energia gerada ao sudeste do país ainda não foi realizado. As organizações alertam para as grandes chances de atraso, que pode levar a uma situação em que a energia produzida ali não poderá ser consumida.
Financimento
O custo da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, estimado pelo consórcio entre a estatal Furnas e a construtora Odebrecht, pode chegar a 14,2 bilhões de dólares. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) declarou que poderá ser parceiro do consórcio ganhador do leilão, além de financiar 75% do projeto com juros reduzidos.
Em abril de 2006, o BNDES e o BID assinaram uma parceria para financiar grandes projetos na Amazônia, entre os quais está o complexo do Madeira. O financiamento se daria através de um acordo de linha de crédito de 1,5 bilhões de dólares, a ser gerenciado pelo BNDES. Mas, em dezembro do mesmo ano, o BID condicionou o financiamento do empreendimento aos resultados dos estudos de impactos sócio-ambientais e até agora não se posicionou em relação ao projeto.
Na semana que vem, Lúcia Ortiz vai a Washington para se reunir com o BID e o Banco Mundial e cobrar um posicionamento das instituições.
Gustavo Pimentel, gerente de programa Eco-Finanças da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, diz que apesar de o BNDES conhecer os riscos sociais e ambientais, vai seguir a decisão do governo. Ele explica, ainda, que grandes bancos privados, como o espanhol Santander e o português Banif também são prováveis financiadores do consórcio liderado pela Odebrecht e estão organizando um FIP - fundo de investimento em participações - para distribuir cotas.
"A questão que se deve fazer a esses bancos é: se o dinheiro fosse do seu bolso, vocês investiriam?". Pimentel dá a resposta e garante que ela seria negativa: "a não ser que eles próprios sejam cotistas, eles ganham de qualquer maneira e não se importam com esses riscos", afirma.
A elaboração do documento é uma iniciativa do Núcleo Amigos da Terra, da Ecoa - Ecologia e Ação, da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, da Both ENDS, do Instituto Madeira Vivo (IMV), da International Rivers Network (IRN), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Mais de cem organizações brasileiras ou internacionais também se posicionaram contra a construção das barragens.
O texto, disponível apenas e inglês, pode ser acessado aqui. Uma versão em português está sendo preparada e será lançada nesta semana.
Fonte: Amazonia.org.br
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