Domingo, 22 de fevereiro de 2009 - 07h49
Philip Fearnside é um dos nomes mais citados na comunidade científica quando o assunto é Amazônia e mudanças climáticas. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) está no Brasil há mais de 30 anos estudando a floresta amazônica e os impactos de grandes empreendimentos, como estradas e usinas hidrelétricas, ao bioma.
Em uma conversa de uma hora com o site Amazonia.org.br, Fearnside mostrou preocupação com a medida do governo do Pará de reduzir a Reserva Legal no entorno da BR-163, criticou a abertura de estradas na Amazônia e defendeu a tese de que usinas hidrelétricas não são fontes de energia limpa, já que os reservatórios liberam grande quantidade de metano.
Para Fearnside, a floresta amazônica presta serviços ambientais que valem mais do que o desmatamento. O pesquisador propõe que se elabore um sistema para remunerar esses serviços. "Temos que ter mecanismos para transformar esse valor ambiental em fluxo financeiro, que vai sustentar a população de forma sustentável sem destruir a floresta".
Confira a entrevista.
Amazônia.org.br: O combate ao desmatamento está surtindo efeito?
Fearnside: Eu acho importante não ser fatalista, pensar que desmatamento vai acontecer não importando o que o governo faça. De fato, as pessoas estão lá, arriscando a vida para frear o desmatamento, temos que apoiá-las. É importante não desvalorizar o esforço que está sendo feito.
Agora, o fato é que o desmatamento continua e a abordagem do desmatamento não pode se restringir à fiscalização. Claro que tem que haver fiscalização e consequência real por se infringir a lei, senão as pessoas aproveitam e presumem impunidade. Mas, ao mesmo tempo, é preciso enfrentar as causas do desmatamento: posse e especulação da terra, a forma com que o governo subsidia o desmatamento fazendo estradas e promovendo pastagens, soja e bicombustíveis. Tudo isso é o governo. Um lado está tentando frear o desmatamento, e o outro vai promovendo.
O governo tem 38 ministérios, o de Meio Ambiente é um só, e vários outros são mais poderosos. É muito importante que esse outro lado que estimula o desmatamento seja limitado.
Amazônia.org.br: O que se pode fazer para limitar os setores do governo que incentivam o desmatamento?
Fearnside: É preciso que haja decisão em nível acima dos ministros. Mas, o perigo também pode vir de outro lado, sendo que uma pessoa do topo pode decidir o oposto. É uma questão delicada, e é preciso colocar uma transversalidade na discussão.
Amazônia.org.br: No começo deste ano, o governo do Pará propôs uma medida que reduz a reserva legal no entorno da BR-163. Você tem acompanhado o caso? Qual a sua opinião sobre o assunto?
Fearnside: Eu acho perigoso, porque a medida dá um sinal de que é só esperar e que o desmatamento é proibido hoje, mas pode-se desmatar, já que daqui a alguns anos a lei irá mudar e permitir a devastação. É uma presunção de impunidade. Esse pessoal infringe a lei desmatando e acaba sendo legitimado por mudanças das regras. É perigoso. A BR-163 é só uma faixa na Amazônia, mas quem está em outros lugares verá isso e seguirá como um exemplo.
Amazônia.org.br: Quais são os problemas com a abertura de estradas na Amazônia?
Fearnside: A rodovia é o principal fator que gera desmatamento. Os dados são muito claros, mostram que quanto mais perto uma rodovia, e quanto mais asfaltada ela for, mais desmatamento há. A rodovia favorece várias forças para o desmatamento. Tem a valorização das terras, por exemplo. Uma terra passa a valer cinco vezes mais, então o pessoal desmata para proteger o investimento.
Também toda a parte de agricultura e pecuária passa a ser mais lucrativa. Diminuem-se os custos de transporte, então se ganha mais por cada hectare de pastagem e isso leva a mais desmatamento para criar rebanhos. E se estende a exploração madeireira. Madeira tem muita exploração mesmo onde não tem asfalto, mas a rodovia estende o lucro de onde é viável cortar. Hoje talvez longe da estrada só valha a pena cortar mogno, mas se a estrada é trazida para perto pode ser mogno e também jatobá e outras espécies. Aumenta a pressão. A madeira vai financiando o desmatamento. O valor da própria madeira vai pagar "gatos" e trabalhadores para desmatar.
Ou seja, ao investir em estradas você está investindo em desmatamento, mesmo que a finalidade do investimento seja diferente, como no caso da BR-163, que tinha a justificativa de transportar a soja do Mato Grosso para portos. Não é a soja diretamente que vai substituir a floresta, mas o processo é favorecido pela rodovia que foi justificada pela soja.
Amazônia.org.br: É o mesmo caso com a BR-319?
Fearnside: Essa é mais problemática. Em primeiro lugar, não se tem uma justificativa econômica real. No caso da BR-163, a soja vale muito dinheiro, é concreto, algo que existe. Tem impacto, mas também tem benefícios. No caso da BR-319, tem impacto, mas não tem benefícios. As justificativas econômicas são todas inventadas.
O raciocínio tem sido transportar os produtos das fábricas da Zona Franca de Manaus para São Paulo. Muito importante ressaltar isso: a finalidade é transportar de Manaus para São Paulo, não de Manaus para Porto Velho. Porto Velho é apenas uma parada onde os caminhoneiros vão dormir antes de continuar a jornada, não é o final. O objetivo de ter comércio com Porto Velho não justifica.
Seria muito mais barato transportar os produtos da Zona Franca por navios, por cabotagem, até Santos, por exemplo, e distribuir na rede que já existe. Os próprios dirigentes das fábricas de Manaus não estão interessados na rodovia, e isso consta inclusive no Estudo e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), confissão incrível que diz não haver interesse na rodovia. Ou seja, a justificativa não existe.
Então, estão inventando outras, dizendo que a estrada é necessária para o combate à cobiça internacional e à invasão da Amazônia. Mas, a estrada é muito longe das fronteiras, não é uma prioridade militar. O setor militar lançou suas prioridades recentemente, com submarinos e etc., e não fala da construção de estradas na Amazônia.
A outra justificativa é de que seria algo bom para os moradores. Mas essa não é a prioridade para eles também. Se tivessem R$ 1 bilhão, que é quanto vai custar a estrada, iam investir em postos de saúde, escolas, etc.
E os impactos são muito grandes. Porque a estrada abrirá toda uma área até então inacessível ao desmatamento. Mais de 80% do desmatamento é concentrado no arco do desmatamento. Aquela área central não tem tanto desmatamento porque é de difícil acesso. E não há ali os problemas fundiários da Amazônia, a disputa entre posseiros e sem-terras e invasão. Se for aberta a estrada de Rondônia para o centro da Amazônia, haverá um fluxo de todos esses atores e processos.
Amazônia.org.br: A ferrovia seria uma alternativa?
(Envolverde/Amazônia.org.br)
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