Quarta-feira, 15 de outubro de 2008 - 16h50
Aneel considera que não há "óbices" para o início das obras da hidrelétrica. Já o Ibama pede estudos complementares
Daniel Rittner - Jornal Valor Econômico
O consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), liderado pela multinacional franco-belga Suez, obteve uma vitória e uma derrota - ambas parciais - na tentativa de mudar o local de construção da usina hidrelétrica de Jirau. À semelhança do que ocorreu no primeiro semestre de 2007, quando travou o licenciamento do complexo hidrelétrico do rio Madeira, em Rondônia, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou pessoalmente nas discussões, criou-se um novo mal-estar entre as áreas ambiental e energética do governo.
Na vitória do Enersus, que ganhou o leilão de Jirau contra o grupo encabeçado por Furnas e Odebrecht, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu sinais inequívocos de que deverá aprovar as mudanças propostas pelo consórcio no projeto de engenharia da usina. Enquanto isso, o Ibama levantou novas dúvidas com as alterações por considerar que os documentados protocolados na autarquia pelo Enersus "não contêm elementos técnicos e abordagem suficientes" para concluir sua análise ambiental. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, cobrou mais rapidez nas definições.
Em ofício encaminhado à presidência do Ibama, o diretor-geral da agência, Jerson Kelman, afirmou que "da perspectiva da Aneel não existem óbices para que se dê início às providências preliminares de implantação da obra". Apesar da ponderação de que estão em curso "o maior detalhamento e correspondentes análises do projeto básico" da hidrelétrica, Kelman pediu ao Ibama que dê autorização para o Enersus instalar canteiros de obras relativos "às estruturas não permanentes", as ensecadeiras (responsáveis por desviar o rio).
A preocupação de Kelman é com o fechamento da "janela hidrológica" - ou seja, com o início do período de chuvas, que inviabiliza as obras. O consórcio planeja antecipar a entrada em operação da usina de janeiro de 2013 para janeiro de 2012. "Se não for possível aproveitar a janela hidrológica ainda este ano, fica inviabilizada a proposta de antecipação", disse Kelman no ofício. A vazão do rio Madeira, que atinge a mínima de 6 mil metros cúbicos por segundo em setembro, vai subindo progressivamente até alcançar mais de 30 mil metros cúbicos por segundo em março. "A partir de outubro, a cada dia que passa, o rio sobe um pouco mais. Em novembro, fica impossível", detalhou ontem o presidente do consórcio Enersus, Victor Paranhos.
Paranhos e o presidente da Suez, Maurício Bähr, deram entrevista para divulgar o ofício da Aneel. O grupo tem pressa em começar as obras porque o funcionamento antecipado significa receita extra aos sócios da hidrelétrica. Eles podem aproveitar o adiantamento para ganhar com os preços mais altos do mercado livre. Na batalha travada com a Odebrecht para legitimar a mudança do eixo da barragem em nove quilômetros, a sinalização dada por Kelman foi vista pelo Enersus como uma vitória, ainda que parcial, pois não traz uma posição totalmente conclusiva e precisa ser votada pela diretoria da Aneel para tornar-se oficial.
Mesmo assim, essa vitória fica ofuscada por um documento de 12 páginas produzido na semana passada pelo Ibama. Em nota técnica, a diretoria de licenciamento do órgão listou preocupações com a mudança da usina de Jirau para o Caldeirão do Inferno e pediu estudos complementares ao Enersus. O Ibama apontou "significativo aumento da área de abrangência do reservatório" demonstrou insatisfação com as informações apresentadas até agora, requisitando ao Enersus comparações mais detalhadas sobre as duas possíveis localizações.
A nota técnica mostra que ainda há um longo caminho para dizer sim ou não ao novo projeto de engenharia. Autoridades do setor elétrico viram os pedidos do Ibama como exagero. Amanhã, em Porto Velho, a autarquia promove uma reunião pública para explicar as mudanças no projeto. Bähr, Paranhos e o presidente da autarquia, Roberto Messias, vão comparecer. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, reconheceu ao Valor que o fim da janela hidrológica preocupa o governo. "A antecipação do funcionamento da hidrelétrica interessa a nós e a eles igualmente. Para eles, significa vender a energia excedente; para nós, segurança energética ao país", disse Lobão. Ele negou a existência de pressão sobre a área ambiental, mas pediu uma definição rápida do Ibama, embora ressalte que "a área ambiental tem toda a liberdade de resolver como tem de resolver".
Messias assegura que a análise do órgão está considerando a chegada do período chuvoso na Amazônia, mas o prazo dado à diretoria de licenciamento é "o mais rápido possível". "Pela importância de todos esses documentos, não conseguiríamos estudar tudo isso em dois ou três dias", afirmou Messias. Ele admitiu que "existe uma ansiedade natural" em relação à licença de Jirau, mas justificou o pedido de esclarecimentos adicionais ao Enersus. "Não queremos que paire nenhum tipo de dúvida."
Paranhos não quis comentar a nota do Ibama. Em um esforço para demonstrar que as mudanças propostas pelo consórcio tornam a usina mais eficiente, o executivo disse que, sem nenhuma alteração na engenharia, a produção da hidrelétrica ganhará mais 45 megawatts (MW) médios de energia assegurada apenas com a transferência da barragem para um lugar mais favorável. Mas o Enersus também anunciou a intenção de acrescentar mais duas turbinas ao projeto original, que prevê 44 máquinas e 1.975 MW médios. As duas novas turbinas seriam capazes de produzir 39 MW médios adicionais, suficientes para abastecer uma cidade de 150 mil habitantes.
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