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Hidrelétricas do Madeira

Odebrecht não aceita 'gol de mão' da Suez


 
Daniel Rittner

A disputa em torno da hidrelétrica de Jirau, leiloada na semana passada, ainda está longe de terminar.  Para o consórcio liderado por Odebrecht e Furnas, o estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) das usinas no rio Madeira não tem validade diante das mudanças propostas pela multinacional franco-belga Suez Energy para a construção de Jirau e exige novas avaliações do Ibama.  "Seguramente terá que haver uma alteração da licença prévia", afirma Irineu Meireles, ex-diretor da Odebrecht Investimentos em Infra-Estrutura e designado presidente da Madeira Energia S.A., empresa que será responsável por erguer a hidrelétrica de Santo Antônio, após ter arrematado a sua concessão, em dezembro.

Meireles vê risco de atraso nas obras de Santo Antônio devido ao projeto da Suez, que modificou em nove quilômetros a localização da segunda usina - da cachoeira de Jirau para o Caldeirão do Inferno, mais próximo de Porto Velho.  A expectativa da empresa era obter a licença de instalação do Ibama em julho e iniciar as obras em agosto.  "Se o Ibama tiver que reavaliar os impactos ambientais em função das novidades apresentadas, haverá obrigatoriamente atrasos nesse cronograma e um verdadeiro efeito-dominó.  Teremos problemas para entregar a energia de Santo Antônio no prazo com o qual nos comprometemos, em maio de 2012", preocupa-se o executivo.

Em última instância, pode haver até mesmo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, que deverá ser assinado ainda nesta semana.  Diante da ameaça de "prejuízos incalculáveis", Meireles cobra isonomia competitiva e reclama do descumprimento das regras do edital de licitação de Jirau.  Segundo o executivo, a mudança na localização do empreendimento fere as coordenadas geográficas determinadas no edital.  "Entramos em leilões diferentes", queixa-se.

Na segunda-feira passada, à frente do consórcio Jirau Energia - que também tinha como sócios a Andrade Gutierrez, Cemig e um fundo de investimentos formado pelos bancos Santander e Banif -, Odebrecht e Furnas ofereceram uma tarifa de R$ 85,02 por megawatt-hora (MWh).  O lance vencedor da Suez - em parceria com Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul - foi de R$ 71,40/MWh.

Na sexta-feira passada, em Brasília, Meireles apresentou seus pontos de vistas em duas reuniões.  Na primeira, com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o secretário-executivo da pasta, Márcio Zimmermann.  Na reunião seguinte, com o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, o diretor Edvaldo Alves de Santana (relator do edital de licitação de Jirau), e o presidente da comissão de licitação da agência, Hélvio Guerra.  O executivo saiu dos encontros dizendo que não faz "chororô de perdedor", mas frisa: "Também não aceitamos gol de mão".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor na tarde de sexta-feira:

Valor: O consórcio Jirau Energia está disposto a acatar a derrota no leilão da semana passada?
Irineu Meireles: Não temos nenhum inconveniente em sermos derrotados em um leilão.  Nem pretendemos questionar a vitória do outro consórcio ou ficar com a imagem de maus perdedores.  O que questionamos é a isonomia nas informações e a legalidade do leilão, uma vez que o objeto da disputa foi alterado.  A Aneel definiu a localização geográfica do aproveitamento hidrelétrico, na Cachoeira de Jirau.  Como se fez em Santo Antônio, todo mundo deveria ter ido para o leilão com uma proposta para aquele local.  Mas entramos em leilões diferentes.  Fizeram uma mudança física, de nove quilômetros e meio, que tem uma série de outros impactos, inclusive na usina de Santo Antônio.

Valor: Quando estudaram os aproveitamentos hidrelétricos do rio Madeira, Odebrecht e Furnas consideraram a possibilidade de indicar o Caldeirão do Inferno como local para construir uma usina?
Meireles: Pelas análises que fizemos, desde os estudos de inventário e posteriormente no EIA-Rima, em nenhum momento houve a identificação desse local.  Em realidade, isso é um coelho que saiu da cartola de última hora e não estava previsto em nenhum estudo.

Valor: Na avaliação do senhor, o EIA-Rima (estudo de impacto ambiental) apresentado ao Ibama continua válido, diante das mudanças previstas pela Suez?
Meireles: Não, taxativamente não.  O EIA-Rima não prevê nenhum outro aproveitamento hidrelétrico no rio Madeira que não seja Santo Antônio e Jirau.  Pelo menos não como objeto desse estudo.  Foram considerados a área de alagamento dos empreendimentos, a área de influência e impactos socioambientais.  Quando se muda o local de um empreendimento, obrigatoriamente o Ibama terá que estudar tudo de novo.  A licença prévia que foi emitida, baseada no EIA-Rima e nos estudos de inventário, só aprovou dois aproveitamentos: Santo Antônio e Jirau.  Esse novo empreendimento proposto pela Suez não faz parte do licenciamento ambiental.

Valor: Que tipo de procedimento deve ser feito a partir da agora, do ponto de vista ambiental?
Meireles: Na minha avaliação, como o empreendimento ofertado não foi estudado, seguramente terá que haver uma alteração da licença prévia.  E a LP (licença prévia) é baseada no EIA-Rima.  Existe um todo que deve ser reavaliado pelo Ibama e pode atrasar todo o processo.

Valor: Inclusive em relação ao cronograma de obras da usina de Santo Antônio?
Meireles:
Sim.  A licença prévia diz respeito aos dois empreendimentos e apresenta condicionantes que estão atreladas umas às outras.  Se há um novo projeto, que não foi previsto em estudo nenhum, isso muda tudo.  Esperamos a licença de instalação para julho e dar início às obras em agosto.  Mas, se o Ibama tiver que reavaliar os impactos ambientais em função das novidades apresentadas, haverá obrigatoriamente atrasos nesse cronograma e um verdadeiro efeito-dominó.  Teremos problemas para entregar a energia de Santo Antônio no prazo com o qual nos comprometemos, em maio de 2012, um dos grandes pilares para oferecermos uma tarifa agressiva no leilão de Santo Antônio.

Valor: Isso coloca em risco a própria rentabilidade do projeto da usina Santo Antônio?
Meireles: Coloca em risco não apenas a rentabilidade, mas o empreendimento em si, o início da geração, trazendo prejuízos incalculáveis aos nossos acionistas, ao governo e ao país.  Uma aventura como essa, se admitida pela Aneel, provocará um caos jurídico nos próximos leilões, inclusive no de Belo Monte.

Valor: Qual é o pleito, então, do consórcio Jirau Energia?
Meireles: O que estamos pleiteando é uma coisa só: transparência, isonomia e legalidade.  Ou seja, respeito absoluto às regras do edital.  Se a Aneel cumprir a lei e obrigar o consórcio ganhador a construir a usina de Jirau no local determinado no edital, com a tarifa vitoriosa no leilão, ótimo.  Não teremos nada mais a falar, nada mais a reclamar, nada mais a contestar.  Parabéns a eles e nós cumpriremos as nossas responsabilidades em Santo Antônio.  Mas também não aceitamos gol de mão.

Valor: Por que a isonomia teria sido quebrada?
Meireles: Por algumas razões.  Como fizemos em Santo Antônio, nós fomos ao leilão acreditando em tudo o que estava escrito no edital, incluindo as coordenadas geográficas que estavam especificadas.  Sabendo que pode haver pequenas alterações no eixo da barragem, no projeto de engenharia, no lay-out.  Isso é uma prerrogativa que cabe a cada um dos concorrentes, para tornar-se mais competitivo.  É o que a Aneel chama de microalterações.  Mas isso não significa, mesmo em nome de uma tarifa mais baixa e do suposto interesse público, fazer agressões ao edital e à legislação.  E o consórcio vencedor declarou que teve sinal verde da Aneel para modificar o projeto e apresentar uma tarifa mais baixa.

Valor: Isso caracterizaria, na opinião do senhor, algum tipo de informação privilegiada?
Meireles: Nós não acreditamos que tenha havido qualquer tipo de autorização extra-oficial.  O governo e a Aneel têm se pautado pela isonomia desde a preparação do leilão de Santo Antônio.  Vocês lembram que fomos pressionados para abrirmos mão das subsidiárias da Eletrobrás e dos contratos de exclusividade com fornecedores de equipamentos.  Em nome da transparência e da legalidade, o governo conseguiu nivelar todos os concorrentes por baixo, buscando a modicidade das tarifas.  É exatamente isso o que pedimos que se repita, sem puxar o tapete de ninguém.  Basta cumprir o edital.

Valor: O consórcio Jirau Energia pretende contestar na Justiça a vitória da Suez?
Meireles: Temos o direito constitucional de fazer o que bem entendermos na defesa de nossos interesses.  Vamos avaliar, na época oportuna, o que e como fazer.  Só não vamos nos manifestar antes de conhecermos a proposta exata [da Suez].  Por enquanto, conhecemos apenas o que foi dito pela imprensa.  Acredito que a Aneel e o Ibama também.  Mas não aceitaremos chicanas jurídicas para que se dê, em nome da tarifa baixa, arcabouço de legitimidade a um processo licitatório falho.

Valor: A presença de Furnas no consórcio não pode impedir uma contestação judicial à vitória da Suez, já que colocaria uma estatal brigando contra o próprio governo?
Meireles: Acredito que não.  Furnas é uma empresa séria e responsável.  Tem seus acionistas e, se entrou em um processo em que foi prejudicada, também não se furtará a defender os seus interesses, que são os interesses do erário.

Fonte: Fonte: Valor Econômico / Amazônia.org

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