Quarta-feira, 26 de dezembro de 2007 - 08h35
Irany Tereza O Estadão de São Paulo
Há duas semanas, o leilão para a primeira grande hidrelétrica do Rio Madeira, em Rondônia, na região amazônica - a Usina de Santo Antônio, que terá capacidade de 3.150 megawatts -, foi realizado em menos de dez minutos, com a proposta de uma tarifa para a energia gerada 60% abaixo do preço atual de mercado. O presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Maurício Tolmasquim, afirma que o leilão estabeleceu novo marco para a geração de energia na Amazônia.
"Vamos ter de repensar o futuro do preço da energia no Brasil", diz ele, que prevê ainda mais quatro ou cinco anos de encarecimento das tarifas. E todos perceberão isso: consumidores residenciais, comerciais ou industriais. Para ele, o preço alto é hoje a única ameaça real do mercado, e não o desabastecimento, possibilidade que descarta categoricamente. "Tem sim uma mudança de patamar de preços. Estamos caminhando para preços crescentes e isso é normal", diz ele, que acredita numa inevitável queda de tarifas a partir de 2012, com o reforço na geração de energia no País. A seguir, principais trechos da entrevista concedida ao Estado:
É viável a tarifa proposta?
A tarifa foi uma surpresa para todos. Ninguém imaginava que pudesse chegar a esse nível. Mas sabe quanto eles deixaram de garantia? Um total de R$ 560 milhões. Você acha que alguém coloca essa quantia se não tiver muita certeza do negócio? Eles não só vão construir a usina como vão antecipar sua entrada em operação de dezembro para maio de 2012. Ou antes. E um dos segredos do sucesso deles é justamente esse. Vão antecipar o fluxo de caixa e, com isso, vender essa energia no ACL (ambiente de contratação livre). O compromisso deles com as distribuidoras é só a partir de dezembro de 2012. A energia gerada antes é do investidor. O dinheiro é dele. Ele vende pelo preço que quiser, negociando no mercado livre, e o embolsa. É interesse do investidor ser eficiente. Agora, sabe também que se atrasar, vai haver uma multa enorme em cima dele.
Há garantias de cumprimento dessa tarifa?
A garantia é o depósito dos mais de R$ 500 milhões. Se não cumprirem, perdem isso. Além disso, não existe a possibilidade de pedir aumento de preço. O contrato é hermeticamente fechado. Em tudo no que forem mais eficientes, é bônus deles. Os riscos e os benefícios são do empreendedor. Isso é o capitalismo. O contrato foi minuciosamente elaborado. Aliás, essa possibilidade de alteração de preço era pleito muito grande dos investidores, até o último momento, durante a negociação dos contratos. O governo não aceitou. Eles (investidores) gostariam que houvesse essa possibilidade. Mas não tem como mudar essa tarifa. É claro que eles não são doidos. Calcularam isso de maneira firme e não temos dúvidas de que vão ganhar muito dinheiro.
Se vão ganhar dinheiro com essa tarifa tão abaixo da praticada pelo mercado, é sinal de que tem gente ganhando muito mais hoje...
Olha, primeiro a gente não leiloa hidrelétrica há muito tempo. A última foi Xingó, em 1994. Os outros empreendimentos foram leiloados pelo maior ágio e, depois do leilão, o investidor quer recuperar o ágio na tarifa. Santo Antônio é a primeira grande usina que vai, vamos dizer, limpinha para o consumidor. Tem ágio simbólico para o Tesouro. É a mesma coisa que o pedágio das rodovias: baixou porque foi outra lógica, outro modelo. Agora, sem dúvida, nenhum de nós tinha idéia de que a energia gerada na Amazônia pudesse sair a esse valor. Foi uma excelente surpresa para o País, porque 65% do que resta para ser explorado do potencial hidrelétrico está na Região Norte.
Com os novos empreendimentos, em quanto tempo resolveremos o déficit de energia?
Em primeiro lugar, não existe déficit de energia. Ninguém deixa de usar nenhum aparelho elétrico, nenhuma indústria deixou de funcionar por falta de energia. Se vocês querem acreditar no déficit, não posso fazer nada. Desde 2003, quando assumimos o governo, todo ano falam que vai faltar energia. Não tem a menor possibilidade de faltar energia. O que se pode dizer é outra coisa: tem sim uma mudança de patamar de preços. Estamos caminhando para preços crescentes e isso é normal. É da lógica do negócio: se faz o mais barato primeiro e depois o mais caro. Sempre se apontou que o mais barato era próximo aos centros de consumo e o mais caro, na Amazônia. O que vai acontecer é que vamos chegar ao cume da montanha e depois os preços vão descer e se estabilizar num nível mais baixo, porque o manancial da Amazônia está num nível muito mais baixo do que imaginávamos e teremos de repensar o futuro do preço da energia no Brasil.
Quando chegaremos a esse cume e quanto isso representará?
Lá para 2011, 2012, daí começa a baixar. Mas, não sei como estarão os preços até lá. Estamos hoje oscilando entre R$ 125, R$ 140 (o MW/h).
Isso o consumidor comum percebe ou só o grande consumidor?
Todo mundo sente. A distribuidora compra a energia e passa aquela mesma tarifa ao consumidor, mais o custo dela de transmissão e distribuição. Se o preço de compra baixar, vai para a tarifa, porque isso é regulado. É a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que define. Em 2012, os preços devem começar a cair por causa do custo de geração mais baixo.
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