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Gente de Opinião

Hidrelétricas do Madeira

Usinas hidrelétricas no Peru para que a energia seja usada no Brasil


 
Telma Monteiro


O Brasil vem, sistematicamente, desenvolvendo estudos em países vizinhos, em busca de novos aproveitamentos hidrelétricos binacionais para explorar uma chamada “complementaridade hidrológica existente”. Não há nenhuma preocupação em identificar e avaliar os efeitos sinérgicos e cumulativos dos impactos ambientais ocasionados pelo conjunto desses aproveitamentos em uma bacia hidrográfica. 

Prova disso é que Peru e Brasil assinaram em junho (2009) uma carta de intenções para construir hidrelétricas nos rios da Amazônia peruana. “Integração energética” foi a expressão utilizada para justificar um acordo em que não ficou muito claro o motivo pelo qual o Brasil recorreria ao Peru para gerar mais energia. O acordo, chamado de Compromisso de Rio Branco, foi incentivado por Eletrobrás, Furnas, OAS, Engevix e, como não poderia faltar, pelo BNDES, com alguns bilhões já engatilhados para financiar a empreitada. “Joint ventures” estão sendo formadas entre as empresas brasileiras e peruanas. Um ano antes (2008) da assinatura do compromisso, havia sido divulgada, pelas próprias empresas, a existência de uma concessão prévia das autoridades peruanas para a realização dos estudos de viabilidade. 

Eletrobrás, Furnas e OAS anunciaram, então, as “excelentes” condições hidrográficas para construir Inambari, em Madre de Dios e produzir 2,5 mil Mw e não os 1,4 mil Mw inicialmente previstos. O envolvimento de mega - empreiteiras brasileiras com empresas estatais em projetos de aproveitamentos hidrelétricos na Amazônia, agora também além fronteiras, configura uma verdadeira corrida na construção de barragens que teve início com os projetos das usinas do rio Madeira. De cimento a turbinas, grandes indústrias estão sendo planejadas para a região. 

Construir grandes represas nos rios amazônicos criaria o caos 

Marc Dourojeanni, Presidente da Fundação Pro Naturaleza, de Lima - Peru, escreveu um artigo em que lança sérias dúvidas sobre o acordo e a responsabilidade do Brasil na construção de grandes represas nos rios da Amazônia peruana. Critica severamente o governo brasileiro e o acordo firmado com o presidente do Peru, e advertiu que a construção dessas hidrelétricas “levaria a enormes repercussões econômicas em termos de endividamento externo e, obviamente, a impactos ambientais e sociais extremos”. 

O Brasil pretende estudar, financiar, construir e operar seis grandes hidrelétricas em território peruano: Inambari (2 mil Mw), Sumabeni (1,07 mil Mw), Paquitzapango (2 mil Mw), Urubamba (940 Mw ), Vizcatan (750 Mw) y Chuquipampa (800 Mw). Estariam previstos 7,5 mil Mw, nessa primeira etapa, que o Brasil absorveria totalmente. Para a próxima etapa seriam mais 12 hidrelétricas. Uma linha de transmissão faria a integração com o Sistema Interligado Nacional (SIN). 

No seu artigo, Marc Dourojeanni refere-se à destruição da floresta peruana nas últimas décadas devido a obras de infra-estrutura mal dimensionadas, exploração de petróleo e mineração de ouro, além de atividades agropecuárias e florestais. Como se não bastasse tanta agressão, Peru e Brasil resolvem formalizar esse acordo inusitado para o aproveitamento hidrelétrico dos rios da Amazônia peruana. E toda essa energia, procrastinou o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, seria totalmente consumida por nós brasileiros. 

Para Marc Dourojeanni os projetos trariam graves impactos como: deslocamentos de comunidades, mudanças econômicas e sociais, inundação de terra fértil, desmatamento, destruição da fauna e de espécies endêmicas, alteração do sistema hidrobiológico e dos sistemas terrestres, contaminação, invasões de áreas protegidas e de territórios indígenas. Todos esses problemas, afirma ele, seriam agravados por se tratar da Amazônia e de região marcada por vales estreitos. 

Mas os futuros empreendedores já estão usando, para combater as opiniões contrárias, o mesmo discurso usado no Brasil: impactos sociais e ambientais “mínimos” e “mitigáveis”. Isso é inverossímil, segundo Dourojeanni, quando se leva em conta, por exemplo, que o reservatório atingiria toda a agricultura da região, várias comunidades tradicionais e atividades minerárias ilegais que levaria ao risco de contaminação por mercúrio. 

A área inundada seria de aproximadamente 125 km², em solo instável e relevo acentuado, poderia afetar diretamente parte da zona de amortecimento do Parque Nacional de Bahuaja – Sonene e levar a extinção de peixes considerados raros. Estudos sobre os impactos cumulativos seriam necessários, diz o autor, citando o próprio Brasil como exemplo. Os inúmeros aproveitamentos hidrelétricos deixaram grande parte dos rios brasileiros com gravíssimos e bem documentados passivos sociais e ambientais. 

Marc Dourojeanni alerta para a gravidade do problema que o Peru enfrentaria com essas obras. Como acontece no Brasil, não houve discussão em nível nacional sobre a real necessidade dos empreendimentos, mas apenas pequenas reuniões isoladas com comunidades desinformadas que acabam aliciadas por supostos benefícios.
Para ele é fundamental saber qual é o estado da arte do compromisso do Peru com as empresas e o governo brasileiro no caso de Inambari e dos demais projetos e alternativas. Ele questiona a decisão política já tomada pelo Peru, sem o prévio conhecimento da sociedade, como comprovam os estudos, de viabilidade e ambientais, em andamento desde 2008. Afirma, também, que o Brasil seria o único beneficiário desse programa hidrelétrico estudado, financiado, construído e operado por ele mesmo. 

Além do mais, desabafa Dourojeanni, “é difícil entender porque o governo peruano, que atualmente enfrenta um sério conflito social na Amazônia, precisamente por falta de informação e discussão de suas ações, reincide uma vez mais, adotando o mesmo comportamento para as hidrelétricas projetadas.” 

A sociedade quer respostas 

É preciso que o Ministro Edison Lobão dê explicações à sociedade brasileira sobre o planejamento energético e a demanda projetada nos planos de expansão de energia elétrica. Europa e EUA estão desativando plantas antigas e obsoletas de produção de eletrointensivos e transferindo esse ônus para os países em desenvolvimento. Seria para suprir essa “demanda” criada lá fora, que o Brasil precisaria gerar mais energia à custa, agora, dos rios de países vizinhos? 

Para concluir é bom lembrar que o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2008/2017 tenta impor a exploração de todo o potencial de energia hidrelétrica do Brasil. Isso inclui até os aproveitamentos em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, como já afirmou Edison Lobão no Colóquio de Conservação e Eficiência Energética. Será que o governo brasileiro pretende explorar, também, o chamado “potencial” hidrelétrico de toda a América do Sul? 

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