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Hidrelétricas do Madeira

USINAS JÁ AFETAM ECONOMIA DE RONDÔNIA


Marcada por uma história de fortes ondas migratórias, seguidas por esvaziamento econômico e mazelas sociais - como no fim das obras da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século passado, e do garimpo de ouro, nos anos 80 -, o Estado de Rondônia está apreensivo com os efeitos de novo ciclo de prosperidade em gestação desde o anúncio da construção das usinas no rio Madeira, orçadas em R$ 20 bilhões. Para efeito de comparação, o PIB estadual soma R$ 9,74 bilhões.
Empresários e governos estadual e municipais buscam soluções para absorver e integrar os estimados 80 mil migrantes que começam a surgir atrás do novo "Eldorado", vislumbrado pela massa salarial superior a R$ 1 bilhão derivada de 20 mil empregos diretos nas usinas Santo Antônio e Jirau e de 3,5 mil postos de trabalho que devem ser abertos pelos fornecedores de equipamentos do complexo hidrelétrico.
Ainda tímidas, algumas ações de saneamento e regularização fundiária tocadas pela prefeitura de Porto Velho, a capital do Estado, começaram a sair do papel com o auxílio federal de R$ 645 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo do Estado, contudo, acha pouco e busca investimentos em saúde, educação, segurança e transportes públicos. Planeja negociar a antecipação dos futuros royalties das usinas, estimados em R$ 50 milhões anuais, e conta com R$ 200 milhões de um percentual obrigatório sobre o valor das obras para mitigar os impactos negativos, sobretudo na capital e em seus 13 distritos, um território maior que os Estados de Alagoas ou Sergipe.
Para além das demandas imediatas, os empresários reivindicam ações capazes de estruturar a economia local. A principal delas é a construção de um ramal de 550 km do gasoduto Urucu-Manaus (AM) até Porto Velho, para alimentar um pólo petroquímico produtor de tintas, polímeros e fertilizantes, o que poderia dobrar os empregos na indústria para 40 mil postos em dez anos e absorver o excedente de mão-de-obra gerado pelo "esfriamento" das usinas.
USINAS JÁ AFETAM ECONOMIA DE RONDÔNIA - Gente de Opinião"Precisamos de um modelo de desenvolvimento que sirva aos interesses regionais", diz Euzébio Guareschi, presidente da Fiero, a federação das indústrias do Estado. "As usinas são um projeto para atender ao Brasil, mas o gás é a real alternativa para Rondônia fazer a passagem da produção primária para a transformação industrial."
Com 380 mil habitantes, e previsão "otimista" de somar 450 mil até 2012, Porto Velho deixa evidente o novo "boom" econômico do Estado. Há 30 edifícios para a classe média, com 1,5 mil unidades, em construção na capital, falta mão-de-obra - pedreiros, eletricistas e engenheiros - e alguns materiais de construção viraram insumo disputado na cidade.
A tendência parece firme. A Ceron, empresa elétrica estadual, contabiliza pedidos para 15 novos prédios. Construtoras de outras regiões começaram uma corrida por terrenos e já inflacionam o mercado. Há 98 mil imóveis USINAS JÁ AFETAM ECONOMIA DE RONDÔNIA - Gente de Opiniãocadastrados na capital, mas a prefeitura registra déficit habitacional entre 20 mil (IBGE) e 46 mil (Fundação João Pinheiro). Até 2009, a classe média deve demandar mil unidades adicionais, avalia a secretária municipal de Habitação, Fernanda Kopanakis.
Atraídas pelo movimento, algumas empresas de grande porte, como Alstom, Accor Hotels, Carrefour e Votorantim Cimentos, estudam o mercado, planejam investimentos ou já começam a chegar. Dois shoppings centers, de 160 lojas cada um, já estão com as obras de fundação iniciadas. No total, serão 50 mil m2 de área nos empreendimentos. A Alstom instalará uma linha de montagem de turbinas e geradores que deve permanecer após a construção das usinas para fornecer equipamento a outras obras na região norte do país. À medida que se espalham as novidades, cresce a especulação imobiliária. Um apartamento de 140 m2, cotado em R$ 150 mil há seis meses, hoje não sai por menos de R$ 300 mil. O preço de um lote próximo do centro saltou de R$ 40 mil para R$ 100 mil mesmo período.
A euforia e a especulação desenfreada enfrentam, porém, uma dura realidade na infra-estrutura da capital. Porto Velho tem hoje apenas 1,8% de ligações de esgoto, não-tratado, e somente 45% das casas têm água encanada. Um plano de saneamento e regularização fundiária prevê solução para 29 mil famílias. O Estado tem, ainda, o mais alto índice de mortes violentas do país: 24% na comparação com a média de 11% no Brasil. A capital tem 13 faculdades privadas, uma universidade federal (Unir) que abrirá 5 novos cursos, mas abriga apenas três hospitais públicos e sofre com as favelas de palafitas à beira do Madeira e as invasões de terra pública nos bairros da periferia. "Em dez anos, surgiram oito novos bairros da noite para o dia", diz a secretaria de Habitação.
Os impostos das usinas podem ajudar a amenizar a situação. O Estado deve arrecadar R$ 126 milhões em ICMS e a prefeitura, R$ 168 milhões em ISS ao longo de sete anos nas duas obras. Mas a realidade ainda é dura. No distrito de Jacy-Paraná, próximo ao futuro canteiro de obras de Jirau, a 80 km da capital, o povoado de 3 mil habitantes deve saltar para 20 mil em 2012 e recuar a 8 mil em 2017. Lá, onde só há um posto médico e umaUSINAS JÁ AFETAM ECONOMIA DE RONDÔNIA - Gente de Opinião escola, um terreno de R$ 5 mil já vale R$ 15 mil. É o exemplo do "efeito-sanfona" que preocupa a elite local. "Por que essa por ânsia por progresso? Me preocupa muito a questão social desses novos migrantes", diz o arcebispo da capital, dom Moacir Grechi.
O Estado vive uma encruzilhada econômica. As estatísticas mostram que Rondônia cresce a 4,5% anuais e, segundo os industriais, pode chegar a 8% em 2012. Mas só há energia até 2010, gerada pela queima de 2 milhões de litros de óleo diesel por dia. "Converter as termelétricas ao gás reduziria em 90% as emissões de gases do efeito estufa", diz o secretário estadual de Planejamento, João Carlos Ribeiro. As indústrias mineral, extrativista madeireira e alimentícia têm matéria-prima abundante na região, mas falta verticalizar a produção.
O Estado é o primeiro produtor de leite do Norte, mas importa feijão e arroz. Tem um rebanho de 12 milhões de cabeças de gado, mas os preços de produtos industrializados são altos nos supermercados. A solução seria a criação de "clusters" regionais de agronegócio (calçados de couro e café solúvel), para gerar empregos, e concluir o pólo intermodal, com a BR 364, hidrovia do Madeira e uma ferrovia até a fronteira Acre-Peru. Nos países andinos, há um mercado de 140 milhões de habitantes.
Valor Econômico - Mauro Zanatta

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