Terça-feira, 13 de agosto de 2024 - 10h28
A Amazônia é uma grande
lenda até em sua essência etimológica. O escritor Márcio Souza conseguiu
transcender este paradigma e conferir uma descrição realística — mesmo quando
escreveu romance e teatro — à odisseia da colonização da região.
Algumas vezes, o romancista,
ensaísta e historiador negou a liberação de seus livros para projetos no cinema
porque queriam transformá-los em enredos que fugiam de sua matéria-prima: a
história. “Não trato de lendas, a menos que estejam no contexto histórico.
Minhas obras são muito bem fundamentadas neste rumo, mesmo eu sendo,
essencialmente, um romancista”, frisava.
De fato, ele era um grande e
metódico pesquisador; toda a sua escrita — artística ou acadêmica — percorreu o
caminho da análise crítica inerente à sociologia e ao jornalismo. Mas também
tinha a graça da ironia, decerto uma influência literária herdada de seu autor
favorito: Machado de Assis.
Márcio Souza morreu nesta
segunda-feira, 12 de agosto, em Manaus, aos 78 anos. Deixou como um legado
extraordinário o fato de ter rompido a fronteira do regionalismo com suas
histórias bem contadas que transitaram da Argentina, passando pela Europa e os
Estados Unidos e até o Japão. Chefes de estado de vários países o chamaram pelo
nome — até Fidel Castro se declarou leitor do amazonense e fã da obra ‘Galvez,
Imperador do Acre’ — e a elite da literatura brasileira o reconhecia como um
autor de escol; grande amigo de Lygia Fagundes Telles e João Ubaldo Ribeiro.
Com eles, participou de conferências em muitos países e sempre recebeu críticas
predominantemente positivas da imprensa.
Vinte e poucos anos
Estudou sociologia na USP e
seu primeiro livro — ‘O mostrador de sombras’ — foi publicado quando ele tinha
21 anos de idade. Na mesma época esteve preso por subversão política e
frequentou os porões do Doi-Codi (Departamento de Operações de Informações –
Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo (SP).
Um pouco antes ainda, quando
adolescente, o precoce intelectual já atuava como crítico de cinema em um
jornal no Amazonas. Foi, também, teatrólogo, cineasta — aos 24 anos dirigiu ‘A
Selva’ — e no governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2003, foi
diretor da Funart (Fundação Nacional de Artes).
Uma promessa de criança
Além de peças de teatro e
filmes, ele deixou 38 livros publicados. O trabalho literário mais conhecido de
Souza refere-se à história de Rondônia. O livro de ficção ‘Mad Maria’, de 1980,
relata a aventura da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
“Eu conheci a ferrovia ainda
criança, viajando entre Porto Velho e Guajará-Mirim com o meu pai, que era
sindicalista e vinha fazer contatos na região. Encantado com tudo aquilo,
prometi: um dia escreverei a história da Madeira-Mamoré”, confidenciou Márcio
em maio de 2024.
‘Mad Maria’ inspirou a
minissérie homônima escrita por Benedito Ruy Barbosa que foi transmitida pela
TV Globo em 2005. Trata-se de uma superprodução reexibida em dezenas de países,
mostrando a loucura que consistiu a construção da ferrovia em plena selva entre
1907 e 1912, quando milhares de pessoas de vários países pereceram durante as obras.
Impacto
A morte de Márcio repercutiu
no mundo literário. Várias academias de letras e instituições culturais ao
redor do país manifestaram o pesar pela perda de um dos mais brilhantes
intelectuais que personificou com toda a dignidade a Amazônia profunda, das
raízes ameríndias às diversas fases da colonização da região, marcada por
personagens fortes e atordoados. Ninguém conseguiu traduzir melhor a Amazônia
do que Márcio Souza; ele, sim, uma lenda.
O presidente da Academia
Rondoniense de Letras, Diogo Vasconcelos, emitiu uma Nota de Pesar, e lembrou:
“Márcio Souza foi um dos maiores nomes da literatura da Amazônia e um dos
escritores mais importantes para a história de Rondônia. Sua obra imortalizou a
a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) no romance ‘Mad Maria’”.
Biografia inacabada
Primo em segundo grau do
modernista Oswald de Andrade (a quem não conheceu) por parte de mãe e
sobrinho-neto de Inglês de Souza (introdutor do naturalismo na literatura
brasileira, no século 19), Márcio Souza sentiu, desde a primeira infância, que
tinha o pendor para a escrita.
“Sou do tempo que saíamos do
colégio, de fato, como leitores, porque nossos mestres nos orientavam neste
rumo. Eu apreciava, ainda aos 14 anos, os livros de Jorge Amado. Também sempre
tive curiosidade pelas línguas, e domino quatro idiomas. Tornar-se escritor não
é resultado de vocação; é uma profissão; algo que você molda lendo,
pesquisando, vivendo e observando”, analisou Márcio.
Repleto de memórias e casos
interessantes como foram os diálogos com a ativista Patrícia Galvão, a Pagu,
Márcio queria publicar um livro com sua biografia. Estava à procura de um autor
para fazê-lo. “Eu não consigo falar sobre mim. Mas creio que minha trajetória
pode resultar num livro desde que escrito na terceira pessoa”, disse, modesto.
Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
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