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Intereclesial

DOM MOACYR: ‘latifúndio na Amazônia é um câncer’



Adital - O arcebispo de Porto Velho, Dom Moacyr Grechi fala a ADITAL sobre os problemas que afetam a Amazônia e sobre o longo trabalho de conscientização política que ainda é preciso empreender na região - cenário para o 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base que começa hoje (21), na capital de Rondônia, e segue até o dia 25.  Como muitos ambientalistas, acredita que a Lei 458, que permite a compra de terras na Amazônia, deixou a desejar. "O latifúndio na Amazônia é um câncer", afirma.

Confira a entrevista:

Adital
- Diante do modelo de sustentabilidade econômica que geralmente é colocado pelos governos, como é que as comunidades reagem diante de modelos que, em certos casos, não são ideais para a Amazônia?
Moacyr Grechi - Algum tipo de sustentabilidade parece que dá certo. O problema é que eles [governantes] têm que legislar a partir da informação científica, do povo daqui, da realidade daqui, para propor esses projetos ou essa visão de sustentabilidade. Em alguns casos, se forem mantida as normas, se houver controle contínuo, isso pode produzir efeitos benéficos em questão de manejo florestal. Só que não existe manejo. Na prática, o que existe é aparência de manejo. Não há controle, não há fiscalização, não há punição. Então, acredito que o futuro da Amazônia vá na linha de um progresso sustentável. Já temos 23 milhões de habitantes. Não podemos fazer da Amazônia um museu.
Creio que existem algumas coisas boas. Algumas áreas devem ser totalmente reservas indígenas onde eles [os indígenas] possam viver seu estilo de vida e não possam ser explorados ou roubados por ninguém. Não adianta ter demarcação de terra se o madeireiro vai lá e tira madeira como acontece em Rondônia e Mato Grosso.
Esse manejo florestal, conforme a proposta controlada, pode ser uma saída. Depois, temos as Reservas Extrativistas, se elas funcionarem, se elas tiverem condição de serem reservas. As comunidades não podem viver como viviam antes de forma primitiva, têm que ter todos aqueles meios que o progresso humano favorece hoje ao cidadão e às famílias.
Temos, ainda, as florestas adensadas, como, por exemplo, o projeto Reca Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado]. Creio que é um dos exemplos que funcionou. São cerca de 200 famílias que vivem sem derrubar a mata. Eles têm pupunha, castanha enxertada, cupuaçu. Eles têm linha de produção e para onde exportar. Essas famílias estão vivendo bem.
Adital - O que o senhor achou da MP 458, que foi aprovada recentemente?
Moacyr Grechi - Nesse campo, eu creio que a lei que dá muita terra às pessoas que grilaram a terra, ainda que tenha sido melhorada pelo veto do lugar, não foi boa. O latifúndio leva ao desmatamento. Também não quero exagerar, pois é difícil lutar com um Senado e Congresso onde temos uma multidão de proprietários de terra e madeireiros. Então uma lei de boa qualidade não passa. Já achei um milagre que perdeu por dois votos e, graças a Deus, o Lula vetou alguma coisa. Mas ela ainda é perigosa.
O latifúndio na Amazônia é um câncer. Ali se desmata para criar boi. Se não me engano são 13 milhões de cabeças em Rondônia. Onde esteja o gado, a mata cai, está subindo a soja, está subindo a cana...tudo desastre para a floresta. Não tem nada de sustentável. Depois, a Amazônia é considerada colônia não só pelos portugueses ou outros. O Brasil, no seu conjunto, vê a Amazônia como Colônia. Se tira tudo daqui, aqui não se deixa nada. Se foi a borracha, deixou seringueiro pobre; foi o ouro, deixou o majestoso [Rio] Madeira contaminado com mercúrio. Depois vem a madeira roubada, e só deixam o resto. Então, é necessário que a população reaja e force seus representantes a pensarem na Amazônia conforme suas características. Que ela forneça tudo que deve fornecer, mas receba a compensação que o índio, o ribeirinho, o colono, os moradores da cidade possam viver bem.
Dizer que a Amazônia está se urbanizando é ambíguo. [Ela] está concentrando multidões em aglomerados urbanos. Onde a vida dos ricos é muito boa e a vida da periferia é desumana e não é cidadã.
Adital - Diante de tantos problemas, como se articula o movimento para tentar impor alguma mudança?
Moacyr Grechi - Eu não conheço movimentos organizados. Tem o movimento contra as barragens [Movimento dos Atingidos pelas Barragens], mas são ainda muito pouco expressivos e não atingem a comunidade. Aqui em Porto Velho acho que a maioria vê com bons olhos as hidrelétricas, porque consideram desenvolvimento. Trata-se de um trabalho longo de conscientização e de consciência política. [É preciso] Não eleger pessoas que só se interessam por dinheiro, que favorecem leis que protegem pessoas que não podem ser protegidas, que eles mesmos não sejam grileiros, não sejam madeireiros ilegais. Acho que o processo é lento. Muita coisa foi feita, mas muito mais há que se fazer.
Adital - Por outro lado, a defesa da Amazônia é uma luta contínua que já deixou muitas pessoas mortas. O Acre é um exemplo disso.
Moacyr Grechi - O Acre tem um início de história muito significativo porque as comunidades que nasceram em Xapuri, Brasiléia, elas eram, desde o início, Comunidades Eclesiais de Base com uma profunda marca ecológica. Foi dali que nasceram todas as lideranças que lutaram pela mata da Amazônia, que tiveram a intuição da Reserva Extrativista, que perderam Chico Mendes e outras vítimas. Também no Amazonas houve trabalho para preservar os rios e os lagos que eram empobrecidos por empresas que usavam até radar para pegar os peixes. Eu aqui digo que as comunidades - não criando ilusões - as comunidades são pequenas, mas elas têm uma força muito grande que é a força da fé, da amizade, da solidariedade, da oração, que faz com que eles sejam corajosos e interessados pelo bem da comunidade. E elas [as comunidades] vão, como formiguinhas, passando uma nova consciência. Elas certamente poderão fazer alguma coisa.
Adital - Esse 12º Intereclesial reforça a proposta da Ecologia Social. Pode falar um pouco sobre isso?
Moacyr Grechi - Reforça a ecologia física-social e a ecologia humana. João Paulo II usava essa expressão. Ele, inclusive, pede aos bispos para que nos convertamos para o meio ambiente. Na última carta do Papa Bento XVI, ele diz que devemos mudar nosso estilo de vida porque os recursos da terra não são inexauríveis. Temos que aprender a ter uma vida mais parca, mais diferente, para que todos tenham uma vida digna. Estamos todos num barco só.
Adital - Quais é o grande desafio da Igreja nesse cenário?
Moacyr Grechi - A falta de agentes pastorais qualificados, padres, leigos, bem preparados do ponto de vista pastoral para que possamos atender a milhares de comunidades que estão longe umas das outras. Os territórios de nossas dioceses e prelazias são muito grandes. Então, com dois padres para atender 92 comunidades, eles vão 3 ou 4 vezes por ano, preparam, celebram a missa, tem encontro, tem formação, mas é ainda muito pouco para dar uma assistência consistente. Então, precisamos de vocações. As vocações pressupõem dinheiro e assistência. A minha diocese tem menos água, mas tem dioceses que são em comunidades ribeirinhas, nas quais a assistência religiosa é feita através de barco e é extremamente dispendiosa. Esse é um desafio, a falta de recursos.
As matérias do 12º Intereclesial das CEBs são produzidas com o apoio do Fundo Nacional de Solidariedade da CF 2008.

Fonte: ADITAL

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